O Direito á Tutela Judicial Efetiva



Impende ressaltar, desde logo, que a idéia de efetividade da tutela judicial deve estar presente desde o ato de criação da norma processual. O legislador, ao criar a norma, deve ter em mente a realização da tutela prometida pelo direito material, de modo a instituir procedimentos e técnicas processuais capazes de promover essa efetividade.

Esses procedimentos e técnicas processuais, todavia, somente adquirem substantivação quando relacionados a situações concretas. Portanto, cabe ao juiz adotar as providências judiciais adequadas e efetivas ao caso concreto.

A manifestação concreta da tutela efetiva judicial está, em primeira linha, no acesso real do cidadão à jurisdição.

A sociedade moderna deixou para trás a visão individualista de direito, própria do Estado liberal clássico dos séculos XVIII e XIX, e passou a entender que a atuação positiva do Estado é indispensável para assegurar o gozo dos direitos sociais básicos. Passando, assim, o direito à tutela judicial efetiva a ser reconhecido como um direito fundamental incidente sobre o Estado.

O direito à tutela efetiva, dada a relevância da matéria, encontra-se inserido no contexto internacional de proteção aos direitos e liberdades individuais. Senão, vejamos:

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, o art. 10 estatui:

Toda pessoa tem direito em condições de plena igualdade a ser ouvida publicamente e com justiça por um Tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra ela em matéria penal.

No Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos, firmado em Roma a 4 de janeiro de 1950, o art. 13 diz:

Toda pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Convênio hajam sido violados tem direito à concessão de um recurso efetivo ante uma instância nacional, inclusive quando a violação haja sido cometida por pessoas que atuem no exercício de suas funções oficiais.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) também cuidou do devido processo e da celeridade em seu artigo 8.º, verbis:

"Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza"

Ademais, a partir da preocupação do legislador em impedir os abusos e desvios operados em períodos totalitários, bem como pelo desejo de devolver aos cidadãos sua confiança na administração da justiça, o direito geral da tutela judicial foi elevado a patamar constitucional.

Em Espanha, o direito à tutela judicial efetiva está garantido no art. 24, n.º 1, da Constituição Espanhola de 1978, a demonstrar o caráter fundamental de acesso à jurisdição pelos cidadãos espanhóis e à obtenção satisfatória de suas pretensões mediante um processo justo e com as devidas garantias.

Estatui o art. 24, n.º 1:

Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales em el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, em ningún caso, pueda producirse indefensión.

Idêntica previsão é encontrada no art. 20, n.ºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa de 1976, nos termos seguintes:

N.º 1 A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

N.º 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

No Brasil, como é sabido, o direito de acesso à Justiça está garantido pela Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XXXV.[1] Em outras palavras, a Magna Carta de 1988 determina que, sempre que houver violação de direito, mediante lesão ou ameaça, e desde que efetivado o pedido de prestação judicial pelo interessado, o Poder Judiciário estará obrigado a intervir.

No entanto, o direito à tutela judicial não se reduz a um mero acesso à jurisdição, existe o direito fundamental a obter uma resolução que normalmente haverá de ser sobre a questão de fundo,[2] mas não necessariamente favorável ao requerente, posto que o direito à tutela não garante uma sentença favorável, mas tão-somente a resolução do problema suscitado em Juízo.

Por sua vez, um dos maiores problemas enfrentados pelo Direito é o da excessiva morosidade dos processos. Como sabemos, a decisão tardia é sinônimo de ineficiência. Por isso mesmo, o processo deve ter uma duração razoável, que, por definição, deveria estar assinalada nos próprios códigos processuais.

A noção de prazo razoável [3] é, em verdade, bastante flexível. No entanto, constitui, por que não, uma certa garantia processual às pessoas que direta ou indiretamente interagem com um órgão jurisdicional. Por isso, a preocupação crescente dos juristas contemporâneos com a morosidade processual.

No Brasil, os três Poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) subscreveram em 2004, um pacto em favor de um Judiciário mais rápido. A partir desse Pacto Republicano alguns compromissos foram assumidos e algumas medidas foram implementadas com o objetivo de tornar mais célere a prestação jurisdicional. Destaque para a Reforma Constitucional do Judiciário, e, em especial, para a Emenda Constitucional n.º 45, de 8-12-2004, que introduziu a razoável duração do processo no rol dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, com a inclusão do inciso LXXVIII ao art. 5º, nos seguintes termos:

a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.

Ressalta-se, por oportuno, que, a partir da implementação da EC n.º 45 tornou-se possível, de forma mais efetiva, responsabilizar os magistrados por prolongamento injustificável e excessivo no procedimento judicial, as chamadas dilações indevidas no trâmite processual. [4]

A par de todos esses tipos de efetividade e do patamar jurídico atingido neste início de século, o mundo jurídico ainda luta bravamente para assegurar a execução da decisão judicial, de forma a outorgar ao litigante vitorioso a satisfação do que lhe foi concedido em sentença.

Nessa linha de raciocínio e como parte integrante do já mencionado Pacto Republicano por um Poder Judiciário mais rápido, foi editada a Lei n.º 11.232/2005, que entrou em vigor em 23 de junho do corrente ano, e que, em atenção aos princípios da efetividade e brevidade processual, provocou profundas e importantes modificações no sistema executório da sentença condenatória relativa ao pagamento de quantia em dinheiro.

Com esse novo diploma legal, dá-se a unificação procedimental entre a ação condenatória e a ação executiva. Em outras palavras, o legislador abandona a dicotomia existente entre cognição e execução, típica do processo civil clássico e altera a estrutura do sistema processual brasileiro.

Passa o CPC, de acordo com o Capítulo X, do Título VIII (Do Procedimento Ordinário), a referir-se ao cumprimento da sentença e não mais à execução da sentença. Foi criada uma fase de cumprimento da sentença condenatória, reunindo-se as atividades jurisdicionais da ação condenatória e de execução na mesma relação jurídico-processual. [5]

Essa alteração estrutural trouxe um certo alívio para os operadores do Direito, em especial para o advogado que não mais precisa explicar ao seu cliente que teve o direito reconhecido, a necessidade de instauração de outro processo e de uma nova citação do réu/executado.

O maior proveito, pelo menos a grande expectativa, reside justamente na maior brevidade do processo, ou seja, na rápida satisfação do direito reconhecido em Juízo. Esse propósito, aliás, está evidente nas demais alterações introduzidas pela Lei n.º 11.232/2005, a saber:

- A previsão de medida executiva coercitiva ope legis (art.475-J), segundo a qual o não pagamento da quantia certa ou já fixada em liquidação, no prazo de quinze dias, provoca o incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação. Tem, portanto, o preceito cominatório a finalidade de compelir o devedor a solver a obrigação no prazo fixado pela própria lei, sob pena de multa, revertida em favor do credor. [6]

- Não cumprida a obrigação, no prazo de quinze dias, poderá o credor requerer em petição simples, sem a necessidade de observância dos requisitos do art. 282 do CPC, a realização da execução, inclusive com a indicação dos bens a serem penhorados (§ 3º do art. 475-J, CPC).  [7]

- outra modificação que contribui com a brevidade do processo, trata-se da extinção dos embargos à execução, restrito agora à execução contra a Fazenda Pública (CPC, art. 741, em sua nova redação). Desta feita, caso o executado queira opor-se à execução, deverá oferecer impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º). Note-se, que a ciência do auto de penhora e de avaliação passa a ocorrer por intimação, na pessoa do advogado do executado; efetuada, inclusive, pela imprensa. Suprimidas, portanto, as fases de citação e de nomeação de bens à constrição pelo devedor.

Por fim, não podemos olvidar de um fato marcante do final do século passado, a comprometer a efetividade do processo: o aumento considerável de demandas judiciais, resultado da evolução da sociedade e da tomada de consciência dos direitos do cidadão.

Presenciamos, ao mesmo tempo, por decorrência do fenômeno mundial da globalização e correspondente formação da sociedade de massa, uma verdadeira revolução em todos os campos do conhecimento e das relações humanas. E, no campo do Direito, especificamente, despontaram as chamadas ações coletivas destinadas a tutelar os interesses metaindividuais ou transindividuais, ou seja, para a proteção dos direitos da coletividade ou de determinados grupos ou categorias.

No Brasil, a partir da metade do século passado, assiste-se a uma gradativa abertura do acesso à justiça para certos interesses de natureza coletiva.[8] Diga-se, com maior amplitude e força a partir da reforma da Lei da Ação Popular (Lei n.º 4.717/65); ocorrida em 1977, e, em seguida, mediante lei específica sobre a denominada ação civil pública (Lei n.º 7.347, de 24.07.1985); logo depois, em 1988, elevando-se a nível constitucional a proteção dos referidos interesses; e, finalmente, em 1990, com a adoção do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09. 1990).

Coube ao Brasil, é bom frisar, nos sistemas de civil law, a primazia de introduzir no ordenamento a tutela dos interesses difusos e coletivos, de natureza indivisível, bem como a criação, através do Código de Defesa do Consumidor, da categoria dos chamados interesses individuais homogêneos, para fins de reparação dos prejuízos individualmente sofridos, a exemplo das class actions for damages, do sistema norte-americano.

O aparecimento das chamadas ações de massa, por sua vez, acrescenta um outro fenômeno à efetividade da tutela judicial: a complexidade das relações de direito material, pois além de compreenderem um maior número de pessoas, provocam um aumento qualitativo nas discussões postas em Juízo.

Assim, por mais que se tenha procurado garantir, até mesmo constitucionalmente, a efetividade da tutela jurisdicional, muito ainda se há de fazer e implementar para torná-la realidade no dia-a-dia da jurisdição. E, para isso, é fundamental a troca de informação entre os sistemas processuais implementados em países de maior tradição, para que possamos encurtar caminhos e auferir frutos de suas experiências exitosas.

Por outro lado, vale lembrar, o processo judicial é apenas um dos meios de obter a solução dos conflitos. Existem, como sabemos, outros mecanismos que podem ser utilizados pelos cidadãos na solução de suas controvérsias: os chamados meios alternativos de solução de litígios tais como a mediação e a arbitragem. Mais isso é assunto para outra oportunidade.

BIBLOGRAFIA

CHAMORRO BERNAL, Francisco. La tutela judicial efectiva (Derechos y garantias procesales del artículo 24.1 de la Constitución). Bosch ed., Barcelona, 1994.

FIGUERUELO BURRIEZA, Ângela. El derecho a la tutela efectiva.

RAMOS MÉNDEZ, Francisco. Derecho Procesal Civil, Tomo I, 5ª ed.

RIBA TREPAT, Cristina. La eficácia temporal del proceso. Bosch ed., Barcelona, 1997.

THEODORO Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volumes I e II 34ª. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003.

VALLESPIN PÉREZ, David. El modelo constitucional de juicio justo em el ámbito del proceso civil.Atelier. Barcelona, 2002.

Textos extraídos da Internet:

FALEIROS, Thaísa Haber. Tutela judicial efetiva como direito. Disponível no site Jus Navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2682). Acesso em 30.09.2006.

FERRARI, Katharina Maria Marcondes. O princípio da razoável duração do processo e os prazos para a emissão dos pronunciamentos do juiz. Disponível no site Jus Navigandi(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8778). Acesso em 30.09.2006.

FERREIRA, Reinaldo Alves. Aspectos relevantes do cumprimento da sentença. Lei n.º 11.232/2005. Disponível no site Jus Navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8458). Acesso em 30.09.2006.

SLAIB Filho, NAGIB. Direito fundamental à razoável duração do processo. Disponível no site Jus Navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3348). Acesso em 30.09.2006.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Algumas considerações sobre o cumprimento da sentença que determina o pagamento de quantia em dinheiro, de acordo com a Lei n. 11.232/05. Disponível no site da Apamagis-LEX (www.apamagis-lex.com.br). Acesso em 30.09.2006.


Autor: Wilson Malcher


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