Crônica da madrugada



parte 1

 

Não consigo andar devagar! Aqui na avenida da universidade é bem movimentado e as calçadas são bem estreitas, quando eu volto pro meu kitnet vou tao ligeiro que as vezes até saio esbarroando nas galeras que tão desfilando na minha frente, as vezes até vou pelo meio dos carros para não me estressar com ninguém. Tem gente que tem a mania de parar pra conversar no meio da calçada, obstruindo mesmo a via que ja eh estreita, e  ainda fica com raiva quando são empurrados.
Certa vez um colega que me acompanhava até a faculdade me perguntou - por que tu só anda correndo maxo?
Nisso, eu não tinha nem reparado que tava lá na frente e o cara lá atrás, simplesmente respondi que se eu tento andar devagar eu me canso facil.
Tanto faz ser a pé, de carro ou de moto, eu só gosto de andar vuado.
Esse négocio de andar rápido já custou muito caro pra cabeça do meu dedão. Já levei cada tropicao lendário. Porque eu odeio usar tenis, ando mais de bermuda e chinela japonesa. Parece ser bem mais confortavel que sapato. Só que nesse dia que eu vou relatar e que é importante aqui na cronica. eu ia pra uma entrevista de emprego e estava de calça e chinela mesmo, afinal ninguém ia olhar pro meu pé mesmo, e foda-se eu ja sabia de antemão que minha chance de ser contratado era muito baixa. Porque você faz cursos, estuda, e tal enquanto seus concorrentes são mais novos que você e já tem tudo mestrado, doutorado e foda-se eles também. Só que eu tenho 1,81 e cheguei a pesar 110 quilos. Eu perdi um pouco de peso e voltei pra cem quilos de modo que todas as minhas calças estavam muito frouxas em mim e eu não tenho cinto pra prender esse caralho mesmo. E ainda mais eu que ando cheio de coisas nos bolsos, carteira, cigarro, isqueiro, bagulho, chave da casa, celular, os bolso pesado mesmo. Aí minhas calças ficam direto caindo. Sim, aí na hora que eu ia atravessar a pista para chegar no  local indicado para a entrevista, era uma avenida com três faixas de segurança, ali na antonio sales.  Não parava um segundo de passar carro, e eu já tava agoniado pra passar aquela porra, fui acender um cigarro enquanto surgia alguma brecha entre os carros. Nesse dia, depois que eu saí de casa passou a chover muito, depois de muito esperar surgiu uma chance de transladar a rua, eu corri, só que como tava com cigarro em uma mão e com a outra eu estava com o curriculo numa pasta e fazendo sombrinha com a pasta na minha cabeça pra não me molhar muito e nem apagar o cigarro, eu não pude efetivamente segurar as calças, de modo que elas caíram impedindo que minhas pernas fizessem o movimento em sua plenitude, foi quando eu fui subir a calçada do outro lado, bati o dedão do pé no meio fio e sai bolando em cima das pessoas na calçada. Sujei a calça todinha de sangue e lama, porque desde que comprei eu nunca tinha ajustado a barra da calça, fora que a calça já tava um pouco suja de tinta vermelha em virtude do cartucho de tinta da minha impressora ter estourado em cima da calça. Aí a entrevista de emprego ia ser em um shopping, eu fui no banheiro, e não tenho muito costume de ficar me olhando no espelho, de modo que quando por acaso tenho que enfrentar minha imagem refletida eu sempre tomo um susto porque nunca reparo no tamanho da minha barba ou no tamanho do meu cabelo. Meu cabelo é horrível, muito pichaim mesmo. Por isso eu mesmo sempre corto ele com a máquina zero e aproveito e faço a barba também, tudo de uma vez, aproveito e corto os cabelo do pau também. Só que nesse dia quando eu me olhei no espelho eu percebi que há muito tempo não fazia barba, tava parecendo um profeta, meu dedão tava a carne viva, eu observei bem, arranquei a pele que o circuncidava e taquei cinza de cigarro em cima. Como eu não tinha escovado os dentes, eu lavei a boca com  agua e sabão, tentei tirar um pouco da lama de entre os dedos, das unhas, dos braços e da barra da calça. Eu pensei que até o entrevistador poderia pensar que eu era descuidado, só que nesse momento eu passava por um momento díficil e talvez o entrevistador fosse homem e já tivesse passado por isso também e talvez fosse compreender que tava chovendo e isso pode acontecer com qualquer um, já que o mais importante, o meu curriculo estava intacto na pasta.
Só que  até entrar na sala eu ainda não havia me dado conta que eu tinha me atrasado bastante pra entrevista e quando entrei também reparei pelos pés da galera e pelas roupas que parecia que nenhum deles nem sequer tinha sido molhado por uma goticula de chuva. Todo mundo de sapato social, as meninas de salto alto, alguns de terno e gravata. Eu pensei, caralho! onde é que essa galera vive, parece que vão é pra um baile de debutante. E nisso eu pedi com licença pra entrar e observei que a entrevistadora era uma psicologazinha formada em alguma universidade particular, cheia de preconceitos, que nem birita nem nada, avalie fumar um becsinho. De scarpin e terno, de cabelos oxigenados e batom vermelho. PUTA QUE PARIU. Não precisava nem ter vindo, foi o que eu pensei. Só que eu já estava ali mesmo, vamos ver o que vai dar. Depois que eu me sentei, fiquei viajando, chapado, quando a lombra começou a passar fui ouvir o que ela tava dizendo e reparei que a psicologa considerava minha presença naquele ambiente um ultrage, ela ficou falando mal da minha roupa, do meu cabelo, tava com o meu curriculo na mão para exemplo, só dizendo sobre como NÃO DEVE SER FEITO um curriculo, e com certeza já devia fazer um bom tempo que ela devia tá arrasando comigo só que eu não havia percebido. Eu sei que escutei ainda uns dois minutos desse lenga lenga, de que ela é perfeita e eu sou um bosta. Eu me levantei, dei um cruzado na cara de um otario(não muito forte, só pra sair um pouco de sangue do nariz) que tava de bico fino e calça de linho do meu lado,  como eu não podia agredir aquela rapariga fisicamente, eu agredi o paunucuzim. Saí bem rápido da sala, enquanto eles ficaram chamando os seguranças pra mim. Eu entrei no meu carro, dei partida, e caí fora.

 

parte 2

Chegando em casa, minha mulher me ligou e perguntou logo onde eu tava?

Eu já estava em casa, só que eu disse que tava em meio a um grande alagamento próximo a entrevista.

- e como foi essa entrevista?

 Eu disse:  -  ótima, e que o cara já queria que eu começasse hoje, assim, o salário é dois mil e trezentos reais e eles pagam por quinzena, metade metade. Ela interpelou:

- se era pra começar hoje o que diabos tu tá fazendo em um alagamento?

- É porque ele foi dizendo umas coisas lá, que eu não fui dando muito valor não e dizia num sei mais o que, entendi nem o que ele tava dizendo.

A esposa também não entendeu nada daquela minha explicacao e desligou fingindo como se a ligação tivesse caído. eu tirei da caixa de correios a conta de luz e coloquei em cima da televisão. peguei o tenis, calçei e já fui saindo de novo porque ia começar a aula de pesquisa cientifica e  precisava daquelas cadeiras obrigatorias pra concluir o curso, como provavelmente eu já tava com uma porrada de falta, e nem tinha pesquisa de nada , eu não podia faltar.

Só que o tênis começou doer pra caralho no dedão do pé. De um jeito que não dava nem pra andar até a saída do kitnet. E nisso começou a chover torrencialmente. Dava pra ver pela janela de vidro ,a única que tinha no kitnet.

Eu retornei, a ligacao pra minha minha mulher e disse que ia esperar um pouco até a chuva passar para voltar pro  trabalho e o patrão lá me explicar melhor tudo que tivesse que fazer.  Ela me interrompeu e perguntou onde era a empresa? Qual o nome? Se ela conhecia?

Aí eu continuiei a minha frase de onde tinha parado como se nem ao menos tivesse escutado as perguntas. - Inclusive tinha que fazer um treinamento lá que só podia quem tivesse de tênis, aí eu tive que voltar pra casa pra calçar porque  eu não sabia que ia precisar de tenis e o negocio já começou faz bem meia hora. Eu não sei nem com que cara eu ainda vou chegar lá porque eu também me atrasei pra chegar na entrevista.

  - E tu foi calçado de que Jose maria?

- Eu fui de chinela mesmo, pensei que fosse ser uma coisa bem informal.

Afffffffffffff.Como eu sou o narrador em primeira pessoa, sou também o narador onisciente, foda-se. Eu sei tudo que acontece nesse caralho mesmo em todo canto.

Então a mulher do lado da linha quase que teve um treco. Se levantou. Enrolou a revista que tava em cima da mesa na mão e tacou uma lapada com toda força em cima de uma mosca que tava perto do copo de café. Ela acertou a mosca. Era o dia de sorte dela. Tacou de novo o telefone na cara dele. E decidiu que ia dar o trabalho por encerrado e passar o dia conversando com outros homens no msn pra tentar arrumar um encontro e botar chifre no mané.

Eu sei que eu terminei nem indo pra aula porque foi acontencendo outras coisas que não tem nada haver agora com essa historia.

 

 

parte 3

 

Eu nem tinha ideia de que tava sendo traído. Na parte dois eu mesmo me coloquei um chifre.   Enquanto isso, eu nem era muito ciumento. Alias só um pouco. Quase nada. Eu sou o tipo do homem que se descubro que estou sendo traído. Somente enforco ela com uma corda. De tanto odio que dá essas coisas. Pois bem, eu havia ganhar um pouco de dinheiro, dá revista que o pessoal publicou e me pagaram uma boa grana por uma poesia. O título era dois ovos crus no café da manha e a poesia era assim:


choro de crianca lembra o choro da morte
o choro de crianca me lembra o cheiro a morte
e meus olhos em chamas
quase nao eskeco de viscejar
novamente pelos olhos
da primera primavera infertal, again.

Entretanto, para que o dinheiro caísse na minha conta, eu tambem devia recitar a poesia em um evento lá que a revista fez com um monte de figurao e com essa galera que entende de poesia. Eu disse tudo bem, preciso do dinheiro mesmo.

Rapaz, quando eu pronunciei que o choro de crianca lembra o choro da morte vieram algumas pessoas e comecaram a detornar a poesia dizendo que eu era um doente, que a poesia era ridicula, que eu era um lixo. Logo, percebi que ali todos odiavam a minha poesia, e eu era a bola da vez, nao havia participado de nenhuma reuniao e ainda tentei explicar que a minha vizinha tinha acabado de dar a luz e a crianca chorava muito de modo que nunca dava pra me concentrar direito em nada, precisava escrever pra terminar uma monografia, precisava arrumar grana pra pagar o aluguel  e muitas vezes a poesia se impregna dos sentimentos e dos problemas pessoais do autor. Só que quando o poeta vai explicar a poesia ele acaba é se atrapalhando mais ainda. Porque é muito melhor deixar que a poesia diga tudo por ela mesma.

Aí pra concluir, eles nem me pagaram nem nada e disseram que eu nunca nem ia mais publicar lá com eles porque a linha editorial tinha outros objetivos.

 

 


Autor: Jose Maria Bukwoski


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