Assistência simples x assistência litisconsorcial: diferenças e limites processuais



Assistência Simples X Assistência Litisconsorcial:

Diferenças e Limites Processuais

Kamila Pereira Cardoso[1]

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 O terceiro na relação processual; 2 Tipos de Assistência; 3Assistência Simples; 4 Assistência Litisconsorcial; Conclusão ; Referências.

 

 

 

 

 

 

 

RESUMO

 

O tema deste trabalho já foi diversas vezes debatido, mas é bem verdade que nunca é demais explicitar novamente um mecanismo tão importante para o processo civil como é a intervenção de terceiros, especialmente nesta produção a assistência. É possível que um terceiro se insira em uma relação processual para assistir quem ele julga que deve, e tomar parte, agindo de acordo com os limites estabelecidos em lei. O assistente simples ou litisconsorcial ,tem como principal função auxiliar e a grande diferença entre os dois casos reside na relação jurídica processual. Enquanto na assistência simples a relação é entre o assistente e o assistido, na assistência litisconsorcial a relação jurídica é entre o assistido e o adversário do assistente.

 

Palavras-chave: Processo de Conhecimento; Intervenção de terceiros; Assistência.

 

 

 

 

 

 

 

Introdução

 

A harmonia da vida em sociedade só é possível com a existência de normas reguladoras de condutas. Estas são necessárias por que é sabido que desavenças sociais sempre existiram e sempre existirão. O Direito tem, portanto, a finalidade máxima de resolvê-las da forma mais pacífica e justa possível. Inserido no Direito aparece o Processo Civil munido de regras de condutas de ação, que regulam problemas na relação jurídica processual.

Todo processo precisa de dois sujeitos fundamentais para que seja a ele dado seguimento, são estes o autor e o réu. Mas o ordenamento brasileiro permite ingresso de terceiros interessados direta ou indiretamente no processo, dando a eles a oportunidade de se expressar para garantir de alguma forma o direito que é deles.

São duas a formas de intervenção de terceiros, a primeira diz respeito à intervenção de terceiro que é buscada pela parte, que julga necessária a participação do outro no caso, como exemplos tem a nomeação a autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo. A segunda é a forma voluntária do terceiro, onde o sujeito externo ao processo afirma o possível sofrimento de dano se não houver interferência sua na lide, sem que uma das partes originárias solicite sua inclusão no processo, como exemplos a oposição, e a assistência.

A assistência é o objeto de avaliação deste trabalho, e será feita a distinção entre assistência simples e a litisconsorcial, todas disciplinadas pelo Código do Processo Civil. A grande diferença, explicitando desde já, reside na atuação que pode ter o terceiro em cada processo e nos efeitos que o interessado sofre com a solução do caso. Será explicitado também que o assistente não age de forma banal e muito menos da forma que lhe for mais agradável, existem sim limites que estão regulados na lei, e devem ser cumpridos para o saudável desenvolvimento da lide.

 

1. O Terceiro na relação processual

 

Para que se complete a relação jurídica processual é necessária a participação do Estado, do autor e do réu. Em um processo podemos classificar como partes processuais os que fazem parte do processo e principalmente os quais o resultado da lide lhes diz respeito. De um lado da relação tem quem formula os pedidos, o autor e do outro lado tem a quem os pedidos são direcionados, o réu. Estes sujeitos processuais são as peças principais em qualquer caso.

O ingresso de um sujeito à parte do caso, que não faz parte da relação jurídica original entre as peças principais do processo (autor e réu), o torna um terceiro. Este não é titular da ação, mas apresenta grande interesse na solução da lide, seja por ter interesse em quem assiste, ou por interesse no adversário do assistente. Conclui-se de acordo com Gusmão Carneiro que terceiro é um contra-conceito, isto é o terceiro é todo aquele que não for parte.

A intromissão do estranho na relação processual pode ser voluntária ou coativa, mas deve existir interesse jurídico, que dê justificativa a intervenção. Wambier afirma conhecer a impossibilidade de existir uma sentença que tenha efeitos somente entre as partes originárias do processo. As circunstâncias excepcionais que possam diretamente atingir outros são as passíveis de intervenção. Logo todo processo, de alguma forma atinge terceiros, e cabe aos interessados buscar seu direito de ação e lutar para que a sentença não o atinja e prejudique.

O terceiro interveniente torna-se parte, assim que for configurada sua intervenção, é portanto importante explicitar que o terceiro é “parte do processo” e não é “parte da demanda” por que não é parte originária da lide em curso. Não pode existir confusão, também, entre o litisconsorte necessário que estava ausente, e o terceiro. Gusmão Carneiro afirma que o litisconsorte necessário é parte originária, e deveria estar lá no pólo passivo ou ativo da ação desde o início. Se fosse litisconsorte necessário, ele deveria estar lá desde o início do conflito, o assistente não, ele pode ser chamado, se necessário, ou pode ingressar para garantir seu direito agindo juntamente com a parte originária.

 

2 .Tipos de Assistência

 

O ordenamento jurídico prevê a possibilidade de duas modalidades de assistência. A assistência simples e a assistência litisconsorcial. A diferença entre as duas está na atuação das partes e do assistente bem como nos efeitos que o assistente pode sofrer com a sentença a ser proferida pelo juiz que decidirá o caso.

Para que seja admitido na relação jurídica em crise, o candidato a assistente deve ter um interesse jurídico no caso, para que sua intromissão na lide seja legítima. Este interesse deve ser considerado de acordo com o que pretende o possível assistente sendo relevante ou não a ponto de ele ser considerado algo essencial para o caso. Logo interesse econômico ou de fato não são argumentos suficientes ou relevantes para possibilitar a entrada do terceiro em uma relação jurídica.

 

A assistência pode ser simples (adesiva) ou litisconsorcial, dependendo do interesse jurídico do assistente. Quando o interesse for indireto, isto é, não vinculado diretamente ao litígio, diz-se que a assistência é simples ou adesiva [...] Quando o interesse for direto, ou seja, o assistente defender direito próprio, a assistência é denominada litisconsorcial [...].(Nunes, 1998, p.77)

 

 

O interesse jurídico é importante, assim como a influência que a decisão da lide terá sobre o terceiro. Na assistência simples a influência é potencial, ou seja não se tem garantia se vai atingir ou não o terceiro, já na assistência litisconsorcial a sentença, com certeza, atingirá a relação jurídica do terceiro. A entrada do assistente na lide alheia pode ocorrer desde a citação do réu, até o momento anterior ao trânsito em julgado, como disciplinam os artigos 50 e 54 do Código de Processo Civil.

A aceitação de um terceiro na lide como assistente ou não é feita por petição inicial, sendo necessário o deferimento do pedido. O juiz deve analisar o pedido, e se este não for cabível por falta de algum dos requisitos necessários, pode simplesmente indeferi-lo. Mas se todos os requisitos do ingresso à assistente forem preenchidos, o juiz deve intimar as partes, se não houverem impugnações o pedido será deferido.

 

Requerendo o terceiro sua intervenção como assistente (simples ou qualificado), deverá o juiz ouvir as partes integrantes da relação processual no prazo de cinco dias. Não havendo impugnação, o requerimento deverá ser deferido. Havendo, porém, impugnação por qualquer das partes, deverá o juiz determinar a autuação em apartado do incidente, autorizando a produção de provas e, após a produção destas, decidirá o incidente. É de se notar, que este incidente não constitui processo autônomo (sendo, portanto, decido através de decisão interlocutória, sujeita a recurso de agravo), e que o mesmo não é causa de suspensão de processo. (Câmara, 2006, p.194)

 

 

Em relação aos limites de atuação que o assistente deve e pode ter na relação processual, o Código de Processo Civil em seu artigo 52 determina que, “o assistente atuará como auxiliar da parte principal exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido”. Mas o assistente litisconsorcial, por estar submisso ao artigo 54 do CPC, não é regido pelos mesmos limites de atuação do artigo 52 do CPC, que rege a assistência simples.

 

3. Assistência Simples

 

A assistência simples caracteriza-se pela intervenção do terceiro em processo para auxiliar uma das partes, para que a parte assistida tenha a sentença a seu favor. Luiz Rodrigues Wambier classifica esta espécie como “a mais autêntica das formas de intervenção de terceiros”. Essa autenticidade ocorre devido ao terceiro permanecer na condição de terceiro, mesmo depois de integrado no processo.

Primeiramente, o terceiro entra no processo para ser um assistente, colaborando com uma das partes, o alcance máximo é a sentença favorável para quem o estranho da relação processual está ajudando. Logo, percebe-se a participação mínima que tem o terceiro no processo. O terceiro não pode formular pretensão ou defesa, e sua presença no processo não faz necessária outra lide para que seja julgado com a lide original.

O artigo 50 do CPC que disciplina a assistência simples expõe que para este ingresso na lide de outros, é necessário que exista interesse jurídico do terceiro, para que sua parte de alguma forma não seja afetada. E isso não significa que o terceiro tenha alguma desavença jurídica com o adversário da parte que este está colaborando, ele busca sempre o não sofrimento com uma decisão contrária a esperada.

Alexandre Freitas Câmara exemplifica esta relação com o exemplo de uma “ação de despejo”, onde são partes originarias o locador e o locatário. O terceiro que intervém no processo não é titular desta relação, no caso a locação, mas ele faz parte da sublocação, que é subordinada a relação originária. Ele deve, portanto ingressar como assistente simples.

O assistente simples pode ser afetado de duas maneiras, desde o momento do proferimento da sentença é atingido. E também que, assim que proferida a sentença, o terceiro corre o risco de ser atingido pela decisão de processo posterior, que pode ser movido pelo vencedor da demanda (em que o terceiro devia ter sido assistente).

No processo interveniente, o assistente simples é mero auxiliar. A lei, erroneamente qualifica em alguns momentos o assistente como parte não-principal, mas não é possível já que esse auxiliador não formulou pedido. O assistente simples pode apresentar argumentos de sua autoria, apresentar atividade probatória, mas isto somente se estiver em de acordo com o processo discutido. E principalmente pode praticar qualquer ato processual que não vá de encontro com a vontade da parte e não cause prejuízo.

Discutidos estes pontos importantes, pode-se dizer que para o terceiro adentrar a relação processual alheia na modalidade simples de assistência ele necessita de dois aspectos importantes. O primeiro é que deve entre o assistente e aquele a quem ele ajuda haver uma relação jurídica de direito material. E que deve existir uma possibilidade de a resolução do caso afetar terceiro.

4. Assistência Litisconsorcial

O Código de Processo Civil explicita no artigo 54 que neste caso de assistência o terceiro tem relação jurídica com o adversário de quem ele assiste. Logo se percebe que nesta assistência o terceiro também é titular da relação jurídica, mesmo não sendo parte da demanda. Diferentemente da assistência simples, onde a situação jurídica do terceiro sofrerá efeitos, na litisconsorcial o terceiro será atingido diretamente pela sentença.

É correto, portanto dizer sem sombra de erro que assistente litisconsorcial poderia ser parte do processo, mas por motivos diversos não é. Existe interesse jurídico próprio do assistente contra o adversário processual, e assim que intervém no processo como assistente litisconsorcial, passa a ter posição idêntica a do litisconsorte.

O assistente litisconsorcial é aquele que mantém relação jurídica própria com o adversário da parte assistida e que assim poderia desde o início da causa, figurar como litisconsorte facultativo. Seu ingresso posterior, como assistente, assegura-lhe, assim o status processual de litisconsorte. (Theodoro Júnior, 1996, p.63)

 

É possível classificar o assistente litisconsorcial em duas espécies. A primeira é do assistente que poderia ter sido litisconsorte facultativo. Esta pode ser exemplificada pela figura do condômino ajuizando sozinho em defesa de propriedade comum. Se os outros condôminos aparecerem formar-se-á litisconsórcio facultativo, se não, aquele que quiser integrar o processo posteriormente será assistente litisconsorcial. O segundo é aquele que mesmo tendo a legitimidade, não pode ser parte, por uma razão qualquer. A exemplo da segunda espécie Wambier diz que:

[...] Mas pode-se lembrar do exemplo do adquirente de bem litigioso, que, apesar de se afirmar ser o titular do direito material sobre o bem material do processo, não pode ser parte, salvo se concordar o autor. Em casos como este, ou A (autor) ou C(adquirente) serão titulares, mas não B, o primitivo réu. (Wambier, 2006, p.244)

 

O assistente litisconsorcial tem certa autonomia na lide, devido a sua equiparação a parte. Ele não é tão subordinado quanto o assistente simples. Sua vontade pode ou não estar de acordo com o assistido, mas se este desistir da lide, o assistente não será prejudicado, sendo, portanto esta uma atividade quase independente.

Conclusão

 

A assistência é um instituto que tem como finalidade a intervenção um terceiro estranho à lide. Este instituto facilita do acesso à justiça, já que diminui a burocracia que é o iniciar de uma nova lide. Além da economia que existe julgando em um caso o interesse de várias pessoas, dependendo do número de assistentes interessados.

Pôde ser percebido, que a relação jurídica na assistência simples existe entre assistido e assistente e a possibilidade do assistente em ser atingido pela sentença ao final do processo surgindo assim o interesse jurídico. Na assistência litisconsorcial a relação jurídica é entre o assistente e o adversário, podendo ser a relação jurídica de aquele ser atingida, por isso é necessário o interesse jurídico de ingressar na lide alheia do assistente, para ter certeza da relação jurídica com o adversário.

Não deve jamais ser esquecido que a assistência pode ser admitida em qualquer tempo do processo, desde a citação do réu até o momento anterior da sentença, além de ser cabível em todos os tipos de processo.

O assistente simples é sempre auxiliar na causa, e sua atividade processual depende da vontade do assistido. Ele tem os mesmos poderes e ônus processuais, mas seus atos devem ser de acordo com a vontade da parte originária do processo. No caso do assistente litisconsorcial, ele é igualado a parte assistida, como litisconsorte. Apresenta amplos poderes processuais, e não depende da vontade do assistido.

O assistente litisconsorcial, se participar ou não do caso será atingido pela sentença, já que a relação processual já existia. O assistente simples não será atingido por coisa material, pois a lide não é sua, se, portanto decidir participar do processo será prejudicado pela decisão, que é o ponto principal de sua inclusão na lide.

 

ABSTRACT

 

This paper theme had been debated over and over again, but the truth is that we can never discuss enough times such important thing to civil rights proceedings as the others intervention, especially in this case, the assistance. It is impossible to the assistant to get into the proceeding relation and help in accordance with the limited established by the Law. The  simple or litigation assistant have as the most important function to help , and the difference between those two is in the proceeding relation. The Simple assistance is about the proceeding relation between assistant and sponsored, and in the litigation it´s about the relation between the assistant and the rival part.

 

Key-Words: Knowledge Proceeding;  The others Intervention; Assistance.

 

Referências

 

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 11ª .ed.,São Paulo, 2000

 

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Litisconsórcio e intervenção de terceiros no processo civil brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, n.334, p.57-70, jun 1996.

 

NUNES, Eplídio Donizetti. Curso didático de Direito Processual Civil. 2ª. ed., Revista e Atualizada.Belo Horizonte:De Rey, 1999.

 

 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª. ed., Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. Vol.1. 8ª. ed., Revista, Atualizada e Ampliada. São Paulo: RT, 2006.

 


[1] Aluna do 4º período no curso de Direito, na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.


Autor:


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