Você tem que...



 

Você tem que...

Você tem que ser boazinha. Você tem que obedecer a sua mãe. Você tem que respeitar os mais velhos. Você tem que fazer tudo que todos querem, só não pode e não deve, fazer o que você quer. O “tem que” não pertence a você, não diz respeito a você consigo mesma... Pobre tola. Você só  “tem que”, fazer tudo para agradar a todos, menos a você. Entendeu? Ouviu bem? E aí?                             E aí o tempo passou, não é? E agora? Depois de fazer tudo para agradar a todos, criança boazinha, será que não chegou a sua vez? A vez de agradar-se?                                                                        Vamos pensar juntos, já que tudo isso é tão normal, num mundo não tão normal assim, que nos aliena e nos faz hienas da vida.           Será que agora não é a hora de reverter tal situação e dizer, “eu não tenho mais tem que para ninguém”. A partir de agora, o “tem que é só para mim”. Sempre é tempo. Sempre. E agora é a hora. A hora para mim.                                                                                       Quantas vezes você se anulou ao concordar com alguém? Não se lembra mais? Pense um pouco. Adentre-se. Reveja-se sem medo. Dê-se um tempo. O tempo que precisar...                                           E então? Lembrou-se, não é? Doeu? Se doeu agora, imagine na hora.                                                                                                     E porque, meu Deus, teve que ser assim? Tanto ensinar inútil, tanto aprender pra que? Santa hipocrisia...                                              Você tem que...                                                                           Lembra-se daquela sua amiguinha, tão bonita, boazinha, meiga, carinha de anjo? Em quem você deu uns tapas bem merecidos e ninguém entendeu, ninguém gostou, só você? Mas ela sabia. Ah se sabia... E como mereceu... Mas quem é que ficou de castigo e ouviu, “você tem que” pedir desculpas, veja o que fez. Coitadinha... Ela é filha do chefe de seu pai... Filha...                                                     Doeu? Se doeu agora, imagine na hora.                                        Você tem que...                                                                                   Lembra-se daquela vez que você respondeu para sua tia, aquela tia chata, ranzinza, que quando podia e ninguém via, a beliscava? Você nem foi tão malcriada assim... Mas por causa dela, levou uma bronca danada, ficou de castigo, não foi ao cinema... E ela olhou para você... E sem que ninguém visse, sorriu com desdém. Doeu? Se doeu agora, imagine...                                                                 Você tem que...                                                                              Lembra-se daquela vez, ou melhor, dizendo, daquelas vezes, pois foram muitas, que foi comprar balas, “das melhores, não se esqueça”, para serem dadas para outras crianças  e você não ganhou nenhuma? Ouve maldade? Certamente não houve. O dinheiro era curto. Então... Mas doeu. E se doeu...                            Você tem que...                                                                            Lembra-se aquela vez que você foi convidado há passar uns dias na praia e ficou tão feliz, contando as horas para descer a serra e ver o mar, entrar em suas águas e depois brincar na areia? E você teve que levar as cadeiras, depois o guarda sol, a cesta de comida, por que os primos... Ora, o apartamento era deles. E você, ora você... Foi o preço.Mas doeu. E se...                                                          Você tem que...Lembra-se daquela vez, que você precisou ficar, por um tempo, na casa de uma prima de sua mãe? Ela era tão boazinha... E você melhor ainda... Antes de viajar de volta para casa de seus pais, você precisou deixar a casa limpinha? Menina boazinha. Mas doeu...                                                                    Você tem que...                                                                                Lembra-se daquela vez... Então... Você entendeu? Viu como é a vida? A vida de todos nós, tão parecida... Mudam os personagens, as datas... Mas os fatos são semelhantes. O que eu disse a você faz pensar ou não?                                                                               Penso eu, pensa você, pensamos nós... Em nossos “tens que”, que eram para os outros e que felizmente para muitos, transformaram-se em “tem que para mim”.                                                                     Certo?Errado? Sei lá, entende?                                                        Vamos então para os “tem que para mim”...                                      Eu quero, eu mereço. Eu preciso. Isso me faz bem. Se vamos caminhar na mesma estrada, escolha o melhor lado para você e deixe que eu escolha o lado melhor para mim, antes que eu me canse e procure outra estrada para caminhar em paz. Em paz e só comigo mesma.                                                                                   Mas não é tão simples assim.                                                                Outro dia alguém me disse, “para mim é tão difícil falar de minhas qualidades, num mundo em que é preciso que eu o faça, que eu mostre quem sou e a que vim... Eu, que desde criança ouvi, nissei que sou, minha batchan (avó) dizer que o pé de arroz, quando mais cheio mais se curva, humilde que é, mas fica perto do chão? Então? Como falar... Como falar, se devo ser humilde? Isto está tão arraigado em minhas entranhas, que mesmo sabendo que não mais posso agir assim, envergonho-me quando devo proceder como se humilde não fosse, mesmo sabendo não o ser mais.                     Mas as palavras criam raízes em nossa alma. Raízes profundas. E quem há de arrancá-las sem que doa?                                            Quem há de apagá-las? Será que alguém conseguirá desdizê-las? O que é que preciso fazer para me ajudar? Para cuidar que o passado passe e deixar que o presente o apague de mim...          Qual é o meu ponto fraco, expresso pelo meu corpo e que preciso enxergar e que com meus “óculos cor-de-rosa” não consigo?Preciso ser mais forte que aquela frágil criança manipulada ou tão bem educada, engraçadinha, para aí sim, finalmente saber de mim, desabrochar para o mundo, seja lá em que idade for.                Realmente, são tantas as pessoas que interferem em nossa vida... Tantas que sequer conhecemos, que nunca vimos. Mas geneticamente estão presentes em nós. Até que... Cresçamos e nos tornemos adultos, responsáveis por nós mesmos e deixemos de culpar nossos pais, por nossas ações, por nossos “tem que”.          Afinal... Sempre é tempo para quem o quer. Que ele não fuja, que ele não se vá antes que eu consiga controlar as rédeas da minha vida. Esperar que alguém me peça algo que eu não queira fazer e eu consiga dizer, simplesmente dizer, “não, eu não quero fazer isso, não é bom para mim”. E virar as costas... E ir embora, sem a sensação de ter feito algo errado, algo que não devia.                       E será que isso é tudo que quero para mim?                                     Eu preciso perder esse senso de ser quem eu pensava ser, me desapegar das palavras do passado, para aprender a ser quem eu quero. Preciso resgatar em mim, coisas tão esquecidas, que por não conseguí-las realizar, coloquei em minha sombra e que pesam tanto...                                                                                                Quero andar de mãos dadas com a sabedoria do Si-mesmo¹, para adentrar nas camadas mais profundas de minha alma.                       E você, vem comigo?

Heloisa

 ¹ Si-mesmo – Digamos que seja o lugar mais profundo dentro de cada um de nós, que compreende e conhece as perdas que ainda estão por vir, durante o resto de nossas vidas.


Autor: Heloisa Pereira De Paula Dos Reis


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