Flávio Kothe: Uma Voz Imprescindível



Se a radicalidade não garante ciência, mas apenas polêmica, também não garante ciência um discurso ameno, parasitário, um perfume de gardênia esparso em livros e salas de aula.

Flávio Kothe.

Sucintamente, eis a biografia de Flávio Kothe: Nasceu em Santa Cruz do Sul, RS, em l946. É licenciado em Letras, Mestre, Doutor e Livre-Docente em Teoria Literária e Literatura Comparada. Fez Pós-Doutorado em Yale e nas Universidades de Konstanz, Heidelberg, Bonn e Berlim. Foi diretor do Instituto Hans Staden e professor-titular visitante na Universidade de Rostock, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor da Universidade de Brasília.

Como ensaísta, tradutor e poeta, teve obras publicadas por importantes editoras brasileiras. Tem mais de 40 livros e mais de 250 trabalhos publicados. Na Editora Universidade de Brasília, publicou, em 1994, A Narrativa Trivial; em 1997, O Cânone Colonial, que recebeu em Brasília o prêmio de ensaio do ano; em 2000, O Cânone Imperial; em 2002, a tradução de Fragmentos Finais, de Friedrich Nietzsche e Fundamentos da Teoria Literária, vol. 1; em 2003, O Cânone Republicano, vol. 1 e, em 2004, O Cânone Republicano, vol. 2.

Orgulho-me não só de ter sido seu aluno ao longo do Mestrado em Literatura na Universidade de Brasília (UnB), como de ter podido contar com ele na banca de avaliação final. Ao ingressar na Academia Virtual Brasileira de Letras (AVBL), o escolhi como patrono, embora sabedor de sua visão sobre estas coisas.

Flávio Kothe, amigo, é um destes gigantes intelectuais que vasculham as galerias subterrâneas tanto da cultura geral, quanto da Literatura em particular à procura dos gestos semânticos verdadeiramente significativos, portanto, incomoda, provoca medo e é visto como ameaça. Com ele, os bastiões das "verdades oficiais", encapotadores exímios, são desmascarados, com ele, os silêncios falam.

De espírito livre e audacioso, o mestre vai pondo abaixo certos adereços que fundamentam a ortodoxia capenga (entendamos cânone) e esboça sim um novo panorama da Literatura. De modo que somos incitados, criticamente, a rever velhas imagens construídas nas engrenagens do sistema. Sua produção analítica é areia, areia da mais alta qualidade, na maquinaria carcomida de uma ordem canônica que, sorrateiramente, insiste em nos tomar das mãos aquelas chaves essenciais para que se possa penetrar nos recantos mais íntimos e secretos da Literatura brasileira.

Cedo ou tarde, suas empreitadas, mormente a dos "Cânones"-Colonial, Imperial, Republicano, vol. 1 e 2-gostemos ou não, impor-se-ão como clássicos.

Flávio Kothe, sem dúvida, é um genuíno Cidadão das Letras. Não teme cara feia. É calejado pelos exílios e ridículos contratempos que os anões intelectuais e os sacerdotes de todo gênero fabricam contra ele. Para essa gente, suas idéias, suas pesquisas, seus livros provocam desequilíbrios e, no fundo, são uma afronta. Dele, sem exagero, podemos afirmar o que Hugo Achugar disse de Angel Rama: "nunca foge à discussão: é dos que acreditam que o silêncio em alguma ocasião, ofende mais a quem cala. Não acredita nos mitos que tentam manipular consciências, nem nos mitos que mentem sobre a realidade, mas naqueles e só aqueles que são fundamento da nossa realidade cultural".

Recusa-se a engolir a razão última de qualquer fenômeno, ainda mais se for literário. O cânone imposto, não poucas vezes, desliza cinicamente em orgias delirantes e tortuosas repetindo amiúde suas ladainhas como estratégia de se manter e alimentar que dele se aproxime.

Os "Cânones"-Colonial, Imperial, Republicano, vol. 1 e 2-por outro lado, são reflexões que se constroem mediante exercícios críticos desmistificadores do mais alto grau. Com sua inteligência efervescente, navega-se desconstruindo os esteriótipos forjados nas matrizes e sucursais canonizantes. Não é à toa que em um de seus brilhantes trabalhos – "Literatura e Sistemas Intersemióticos" – cita Paul Celan: "Só herege sou fiel".

Flávio Kothe é muito mais do que isto, óbvio. Finalizando, digo convicto: concordemos ou não com o mestre, mas, ficarmos sem ele é estupidez, é derrapagem da inteligência. O homem é imprescindível.


Autor: Ary Carlos Moura Cardoso


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