Especialização precoce no futebol brasileiro



ESPECIALIZAÇÃO PRECOCE NO FUTEBOL BRASILEIRO

Ricardo Souza de Brito

Licenciado em Educação Física pelo CEULP / ULBRA, Palmas  (TO)

 

Resumo:

Uma questão bastante discutida e refletida nos meios acadêmicos é a especialização precoce no futebol. Apesar de haver uma grande evolução nessas pesquisas, nota se claramente que a maioria dos profissionais que trabalham com o futebol tem optado por uma metodologia imediatista, ou seja, buscando resultados á curto prazo, mesmo que isso acarrete em uma especialização precoce. A partir da problemática exposta, este estudo tem como objetivo verificar e analisar sobre especialização precoce no futebol brasileiro, abordando os inúmeros riscos causados a vida das crianças, e soluções pedagógicas para o ensino da modalidade.

Palavras chave: especialização precoce – imediatismo – metodologia.

Introdução

A Especialização Precoce é um processo que vem sendo a tempos discutidos por especialistas em treinamento esportivo, e conseqüentemente no meio futebolístico. Comumente, ao se discutir especialização precoce, são mais enfatizados aspectos negativos relacionados à sobrecarga física imposta a jovens atletas que ainda não estão aptos a receber tais cargas de treino, e assim muitas vezes são acometidos de lesões crônicas que impedem que os atletas possam seguir praticando atividades de alto rendimento.

Em todo o mundo, existe preocupação com alternativas para o trabalho de atividade desportiva para jovens. Na verdade, as crianças e os jovens merecem uma atividade desportiva a sério, fundamentada, orientada e dirigida corretamente nas suas práticas de aprendizagem de iniciação e de competição. (PAES, 1997)

Mesmo com muitos estudos referentes à pedagogia esportiva, têm se notado que os profissionais de Educação Física não estão respeitando as individualidades, as maturidades biológicas e o desenvolvimento motor das crianças para obterem sucesso em curto prazo, mesmo que isso possa acarretar problemas futuros a essas crianças, como a especialização precoce. (NETO, 2008)

A especialização precoce

A especialização esportiva precoce é um assunto muito discutido pelos estudos que sinalizam para novas tendências em pedagogia do esporte. Esse tema merece permanente atenção, pois ainda hoje, muitas pessoas corroboram com a idéia de que quanto mais cedo a criança iniciar, se especializar e se destacar em alguma modalidade esportiva, maiores serão as chances de sucesso como futuros atletas da modalidade escolhida.

Com a mesma concepção de Kunz (1994), Barbanti (apud FUZIHARA; SOUSA, 2005) diz que especialização precoce é o termo uti­lizado para expressar o processo pelo qual crianças tornam-se especializadas em um determinado esporte, mas numa idade não apropriada para tal. A prática especializada das habilidades de um determinado esporte, sem a prática das atividades motoras, quase sempre traz como conseqüência o abandono prematuro da prática esportiva.

Já Marques (apud BRASIL, 2005) escla­rece que a especialização esportiva caracteri­za-se por cargas de treinos muito intensos, que promovem rápidos desenvolvimentos da prestação desportiva nas fases iniciais, mas que levam a um esgotamento prematuro da capacidade de rendimento, promovendo aquilo que se designa por barreiras de desen­volvimento.

Para Añó (1997), a especialização pre­coce define a prática intensa, sistematizada e regular de crianças e jovens antes das idades consideradas normais, como resultado da aplicação de sistemas de treinos não adequados, ou a utilização literal dos sistemas de treinos dos adultos em crianças ou jovens. Em consonância, Incarbone (apud SAN­TANA, 2005) explica que especialização precoce implica em competições regulares, desenvolvimento de capacidades físicas, ha­bilidades técnicas e táticas, onde o objetivo é a performance. As possíveis conseqüências de se espe­cializar a criança precocemente estão di­retamente ligadas ao fato de se adotar, por longo período de tempo, uma metodologia incompatível com as características, interes­ses e necessidades dela. Logo, os possíveis efeitos podem não se manifestar diretamen­te, mas no decorrer de temporadas (SAN­TANA, 2005).

A respeito disso, Kunz (1994) diz que os maiores problemas que um treinamento es­pecializado precoce provoca sobre a vida da criança e especialmente seu futuro, após encer­rar a carreira esportiva, podem ser enumerados como:

a) formação escolar deficiente, devido a grande exigência em acompanhar com êxito a carreira esportiva;

b) a unilateralização de um desenvolvi­mento que deveria ser plural, e

c) reduzida participação em atividades, brincadeiras e jogos do mundo infantil, indis­pensáveis para o desenvolvimento da perso­nalidade na infância.

Santana (2005) acrescenta mais alguns riscos da especialização precoce na criança:

a) estresse de competição: que se carac­teriza por um sentimento de medo e inse­gurança, causado principalmente por conflitos oriundos de uma prática excessivamente competitiva. A criança, neste caso, tem medo de errar, sente-se insegura e com a auto-esti­ma ameaçada;

b) saturação esportiva: que se manifesta quando a criança apresenta sinais de desâ­nimo (enjôo) e desinteresse em continuar a prática do esporte. Sente-se, assim porque o praticou em excesso e quer abandoná-lo, e

c) lesões: que advêm, principalmente, pela prática em excesso e inadequada para a faixa etária.

Santana (2004) enumera alguns riscos possíveis que a pedagogia corre ao especializar a criança no esporte:

· Estresse de competição: caracteriza-se por um sentimento de medo e de insegurança e intranqüilidade, que tem como causa uma prática competitiva excessiva. A criança, neste caso, tem medo de errar, sente-se insegura e com auto-estima ameaçada;

· Saturação esportiva: manifesta-se quando a criança demonstra sinais de desânimo e desinteresse em continuar a prática do esporte. Sente-se assim porque o praticou em excesso e quer abandoná-lo;

· Lesões: surgem, principalmente, pelo risco de choques e quedas que aumentam a depender da característica do terreno onde o esporte é praticado. Logo, se praticado em excesso, inadequadamente e por longo período de tempo, pode ocasionar fraturas, lesões epifisárias e tendinites;

· Formação escolar deficiente: a criança acaba se dedicando excessivamente às exigências do treinamento especializado em detrimento das atividades escolares (tem criança que fica a semana ansiosa para vencer o jogo do final de semana e passa a semana seguinte sendo cobrada por perdê-lo!);

· Unilateralização de desenvolvimento: esta relacionada com a especialização técnica de determinadas habilidades específicas (fundamentos) ao invés de um desenvolvimento amplo, que enfoque a diversidade de movimentos;

· Reduzida participação em jogos e brincadeiras infantis: o método de ensino (fragmentado) acaba, de certa forma, afastando a criança de jogos e brincadeiras (momento lúdico), elementos importantes para capacidade, de criação e improviso.

 

O imediatismo

No Brasil, as crianças que jogam ou praticam o futebol são vistas como jogadores, independente de sua faixa etária.  Isto se deve à história que o esporte carrega consigo. Portanto, cabe a cada profissional da área de Educação Física que tem como objetivo trabalhar com este esporte, delimitar os aspectos do desenvolvimento motor, físico e cognitivo de acordo com cada idade da criança, deixando de lado o imediatismo, fazendo com que esses processos sejam respeitados e não ultrapassem em nenhum momento as limitações de cada faixa etária, para que não acarrete danos no processo de desenvolvimento das crianças como um todo.

Mesmo com muitos estudos referentes à pedagogia esportiva, têm se notado que os profissionais de Educação Física não estão respeitando as individualidades, as maturidades biológicas e o desenvolvimento motor das crianças para obterem sucesso a curto prazo, mesmo que isso possa acarretar problemas futuros a essas crianças, como a especialização precoce. (NETO, 2008)

Quando utilizamos uma metodologia voltada a busca de resultados à curto prazo, dificilmente obteremos um iniciação adequada. Apesar disso, deparamos com muitos ou praticamente todos os treinadores nas escolinhas e divisões de bases usando essa metodologia ultrapassada.

Há quem diga que essa metodologia imediatista (tecnicista) é eficaz para descobrir novos talentos esportivos, por isso a especialização esportiva precoce vem sendo cada vez mais usada por professores e treinadores em clubes e escolas. Nos clubes, nas chamadas categorias de base o que mais acontece é a especialização precoce. Onde técnicos maltratam seus atletas por erros cometidos, pais xingando, frases agressivas entoadas pela torcida e seções de treinamento exaustivas, muitas vezes incompatíveis com a continuação dos estudos dos atletas. A maioria dos treinadores tem usado essa metodologia imediatista por acharem que descobrirá muitos jogadores talentosos, mesmo sabendo que os danos serão maiores que os benefícios. Portanto, se os responsáveis pelas divisões de base dos clubes estivessem preocupados em desenvolverem atividades que contribuam para o desenvolvimento integral das crianças teria uma maior probabilidade de encontrar novos talentos.

 

Metodologia no ensino do futebol

Atualmente a escolha do método de ensino escolhido pelo professor (treinador) para o desenvolvimento das práticas pedagógicas na aplicação do ensino dos fundamentos técnicos e táticos do futebol tornou-se de suma importância para atingir os objetivos do processo ensino aprendizagem na sua iniciação.

 

Para Graça (1995), o método de ensino adequado é o caminho mais rápido e fácil para se atingirem os objetivos e metas essenciais de qualquer modalidade esportiva. Para que isso aconteça, o Professor de Educação Física (treinador) deve ter conhecimento e sensibilidade suficientes para empregar os métodos adequados a cada situação de ensino.

 

Greco (1998) afirma que a aplicação de forma planejada e consciente de um determinado método de ensino-aprendizagem é de extrema importância na evolução da prática esportiva do aluno. O método deve apresentar ao aluno situações que o levem a resolver problemas encontrados no momento do jogo.

 

De acordo com Freire (2003) as escolinhas de futebol devem ensinar as crianças através de brincadeiras, não apenas repetindo o que é ou era feito nas ruas, mas sim, pedagogizando a cultura das brincadeiras de bola com os pés: [...] rua e escola são instituições bem diferentes.

 

Nos clubes e escolinhas de iniciação esportiva de futebol a maioria dos professores e treinadores limita-se no ensino da técnica com movimentos repetitivos isolados, sem oposição. Segundo Garganta (1995), os esportes coletivos não podem desenvolver-se somente pela técnica, tendo em vista que os movimentos mecanizados obstruem o desenvolvimento natural da criatividade e convergem para práticas pedagógicas que evidenciam somente a técnica no desenvolvimento do esporte na escola. Tratando-o como conhecimento acabado, proporcionará situações de vivências com êxito para poucos e de fracasso para maioria.

 

Scaglia (2005) enfatiza que uma boa pedagogia não é aquela que demonstra um gesto para ser copiado: é aquela que permite ao aluno vivenciar um processo de ensino-aprendizagem em que, por meio de explorações possa estruturar seu gesto motor.

 

Para muitos professores, a predominância do jogo na aula exclui o aprendizado de habilidades. Santana (2004, p. 48) afirma que “Em se tratando de pedagogia do esporte, a função do professor é planejar diferentes tipos de jogos”.

Os jogos devem ser adaptados a vários níveis de desenvolvimento em prol do processo de aprendizado.

 

Para que possamos analisar as práticas pedagógicas que podem ser utilizadas em escolinhas de futebol que favoreçam o Desenvolvimento Humano e a inclusão social é necessário entender as questões que permeiam à pedagogia do esporte, ou seja, entender as características da criança, os benefícios da prática esportiva, os cuidados necessários durante a iniciação e o trato pedagógico com a competição.

 

Conclusão

 

A partir das abordagens acima pudemos ter noção de como muitos ou a maioria dos treinadores e professores estão despreparados. Não se importando com o desenvolvimento integral das crianças, apenas estão preocupados com o status que possa vir a adquirir nesta sociedade capitalista, caso torne sua equipe campeã de alguma modalidade ou se porventura descobrir algum talento esportivo.

Assim, destaca-se a ação decisiva do Professor no processo de ensino aprendizagem, que, além do conhecimento necessário do conteúdo a ser aplicado, deve estar motivado, ser criativo, responsável e organizador. A motivação deve ocorrer para que busque novas metodologias, conteúdos e consiga tornar sua aula prazerosa aos alunos.

A intervenção do professor de Educação Física torna-se relevante, na medida em que, através do estudo, acumula conhecimento, podendo dialogar e argumentar com os pais e gestores de escolinhas, iniciando assim um possível processo de transformação da mentalidade imediatista, ou seja, a necessidade de formar novos talentos.

 

Referências Bibliográficas:

 

FREIRE, João Batista. Pedagogia do futebol. Campinas: Autores associados,

2003.

GARGANTA, Júlio. Para uma teoria dos jogos esportivos coletivos. In: GRAÇA, A.;OLIVEIRA, J. (orgs.). O ensino dos jogos coletivos. 2. ed. Porto: Universidade do Porto, 1995.

 

GRECO, P. J.; BENDA, R. N. Iniciação Esportiva Universal. Da aprendizagem motora ao treinamento técnico. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.v.1.

 

KUNZ, Elenor. (1991). Educação Física: ensino e mudanças. Ijuí: Unijuí Editora.

 

 

MACHADO, Afonso Antonio (org.). Especialização esportiva precoce: perspectivas atuais da psicologia do esporte / Afonso Antonio Machado. – Jundiaí, SP: Fontoura, 2008.

 

 

NETO, João Baldoino de Almeida. Jogos coletivos na educação física escolar. Hortolândia, FAEF-UNASP, 2008.

 

 

PAES, R. R. Aprendizagem e competição precoce: o caso do basquetebol. 3. ed. Campinas: Unicamp, 1997.

 

REVERDITO, Riller Silva. Pedagogia do esporte: jogos coletivos de invasão / Riller Silva Reverdito, Alcides José Scaglia. – São Paulo: Phorte, 2009.

 

 

SANTANA, W. C. de. Futsal: apontamentos pedagógicos na iniciação e na

especialização. Campinas: Autores associados, 2004.

 

 

SCAGLIA, José Alcides. Escola de futebol: uma prática pedagógica. In: NISTAPICCOLO, V. L. (org). Pedagogia dos Esportes. Campinas: Papirus, 2005.

 

SOARES, Noemi Salgado. Educação transdisciplinar e a arte de aprender:

pedagogia do autoconhecimento para o desenvolvimento humano. 2. ed. Salvador:

Edufba, 2007.

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Autor: Ricardo Souza De Brito


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