Mecanismos de desconstituição frente a imutabilidade da coisa julgada incostitucional



Allynny Hetienne Feitoza da Silva

Leonardo Victor Paixão Mesquita[1]

 

Sumário: Introdução; 1. Imutabilidade e os mecanismos processuais; 2. Meios para desconstituir o julgado inconstitucional; 3. Inconstitucionalidade proveniente de sentença inexistente; 4. Mandado de segurança como mecanismo desconstitucionalizador; conclusão. Referências.

 

RESUMO

A abordagem será feita em torno da coisa julgada inconstitucional, mais especificadamente tratando dos mecanismos de desconstituição do referente assunto, levando em consideração que a ação rescisória tem sua atuação estabelecendo prazos, análise também da ação declaratória, levando em consideração que a sentença inconstitucional é inexistente, podendo produzir coisa julgada inconstitucional.

 

 

PALAVRAS CHAVE

Coisa julgada inconstitucional. Nula. Inexistente. Ação rescisória. Ação declaratória de nulidade. Imutabilidade.

 

 

Introdução

O ordenamento jurídico tem sua base regida pela constituição e por preceitos fundamentais, estes que ajudam na formação de decisões as mais justas possíveis, e dentro de um parâmetro que visualiza sempre a constitucionalidade.

Contudo, o que traz essa discussão é a inconstitucionalidade da coisa julgada, ou seja, a sentença ser proferida em desacordo com algum preceito basilar, ou até mesmo por estar em desatenção com qualquer requisito necessário.

Por esse motivo, uma vez a coisa julgada for inconstitucional, é necessário a aplicação de mecanismos processuais de desconsideração daquela, já que há repúdio ao necessário para uma decisão cabível.

Sendo assim entra o debate sobre como fazer a desconstituição, levando em consideração a coisa julgada inconstitucional nula e inexistente e os prazos que a ação rescisória estabelece, há também que se falar no cabimento de ação declaratória de nulidade absoluta da sentença com melhor uso em relação aos casos de inconstitucionalidade nula e inexistente.

 

  1. 1.                  Imutabilidade e os mecanismos processuais

Em face do que o judiciário brasileiro vem passando em relação aos casos julgados inconstitucionais a imutabilidade da coisa julgada quando se trata de inconstitucionalidade ganha uma flexibilização, mas com o objetivo majoritário de justiça nas decisões proferidas.

Então, apesar da constituição defender a imutabilidade da coisa julgada, falando em inconstitucionalidade há a prevalência de outros princípios, estes que no sobrepeso são de maior força e como Alexy leciona, os princípios podem até restringir sua liberdade de atuação por conta de outros[2].

A inconstitucionalidade que se comenta não faz direto à coisa julgada, daí a relação com a sentença, que é a partir da eficácia desta que se chega ao não cabimento mais de recurso, ou seja, a coisa julgada, sendo assim Liebman assevera que “autoridade da coisa julgada não é efeito ulterior e diverso da sentença, mas uma qualidade de seus efeitos e a todos os seus efeitos referentes, isto é, precisamente a sua imutabilidade”[3].     

Então calcado na inconstitucionalidade da sentença eficaz, nasce a possibilidade da imutabilidade de alguma injustiça, destarte a falta de conciliação com os princípios é o que traz a possível quebra do absolutismo que a coisa julgada traz.

Então o que mais tange em relação à coisa julgada inconstitucional é sobre sua imutabilidade ante a segurança jurídica que fica abalada quando feita uma coisa julgada inconstitucional, assim sendo a procedência da atuação dos remédios processuais é necessário para que ocorra a desconstituição.

 

  1. 2.                  Meios para desconstituir o julgado inconstitucional

   Para uma análise dos mecanismos, é necessário que primeiramente se caracterize a coisa julgada inconstitucional, onde a sentença não mais pode ser questionada, ou seja, já cessaram todos os meios de prover recursos[4], sendo assim caso ocorra uma coisa julgada em desacordo com a constituição já é inconstitucional, então configura já coisa julgada inconstitucional.

Já visando um seio jurídico mais justo, buscando solucionar os problemas causados pelas inconstitucionalidades das sentenças passadas e julgadas é que se cria os meios para desconstituir a coisa julgada inconstitucional, estes que se dão de várias formas.

Desse modo, Dantas[5] assevera que os vários mecanismos se resumem em apenas três, seria a ação rescisória, a ação declaratória de nulidade absoluta da sentença e o mandado de segurança.

Ademais, a existência desses instrumentos processuais não se vale de aplicabilidade aleatória, deve ser observado os prazos, se a inconstitucionalidade é proveniente de sentença inexistente, pois para cada caso de inconstitucionalidade é enquadrado um diferente tipo de remédio processual.

Com efeito, a coisa julgada é considerada imutável, por esse motivo é preciso analisar os efeitos dessa imutabilidade quando surge a necessidade de desconstituir uma coisa julgada que foi dada como inconstitucional.

O mesmo acontece quando inconstitucionalidade é proveniente de sentenças inexistentes, há controvérsias quanto ao instrumento que seria melhor aplicado em determinados casos, partindo daí  surge a discussão acerca dos mecanismos de desconstituição em casos a parte.

 

  1. 3.                   Inconstitucionalidade proveniente de sentença inexistente

Sem dúvida o judiciário pode conceder decisões sem nexo constitucional, isso levaria a sentenças inconstitucionais, sendo assim correm o risco de se tornarem coisa julgada inconstitucional e conseqüentemente ganharem a imutabilidade.

Objetivando a justiça e uma base principiológica em prol do homem[6] é que a imutabilidade da coisa julgada ganha um pouco de flexibilidade, como forma de segurança jurídica, esses motivos são causa da criação dos mecanismos processuais de desconstituição da coisa julgada inconstitucional.

A sentença inexistente faz a coisa julgada inconstitucional, pois é assegurada por lei inconstitucional, sendo assim a ação rescisória não seria o melhor instrumento para atacar uma inconstitucionalidade por sentença inexistente, pois ação rescisória enfrenta somente sentença de mérito e como sustentam Theodoro e Faria, a decisão sem nenhum nexo com a carta maior é inconstitucional e isso leva a nulidade, por esse motivo eles consideram a coisa julgada inconstitucional  nula, sendo assim não há que se falar em prazos.[7]   

Em se tratando de ação rescisória, deve se comentar que é necessária a feitura da ação num prazo de dois anos[8], e como anteriormente colocado das palavras de Theodoro e Faria que por ser nula a coisa julgada não está sujeita a prazos, então a ação rescisória não é o instrumento mais adequado para desconstituir sentença inexistente, mesmo porque sendo inexistente não há o que a ação rescisória possa fazer, ou seja, rescindir.

Contrariando a corrente que considera impossível ação rescisória para desconstituir a coisa julgada em desconformidade constitucional, é possível sim, levando em consideração o não cumprimento a risca do prazo estabelecido, podendo ser requerida a qualquer momento.[9]

Dinamarco coloca também o seu posicionamento abordando que:

 

Outra legitima abertura ao reconhecimento da inconstitucionalidade à coisa julgada em casos extremos pode e deve ser o redimensionamento de ação rescisória e dos limites da sua admissibilidade. Ela é tradicionalmente apontada como um remédio rigorosamente extraordinário de infrigencia a coisa julgada material, reputada esta a todo uma valor a ser preservado a todo custo e sujeito a questionamentos apenas em casos verdadeiramente extraordinários. O rol das hipóteses de sua admissibilidade é um numerus clausus, (CPC, art 485) e os tribunais brasileiros esmeram-se em afirmar a interpretação de cada um dos incisos que tipificam as hipóteses de sua admissibilidade, sempre assumida a premissa de prevalência do valor da segurança jurídica. Na nova ordem de relativização da coisa julgada material, contudo, é imperioso abrir os espíritos para a interpretação dos incisos do ar. 485 do CPC, de modo a permitir a censura de sentenças ou acórdãos pelo prisma da constitucionalidade das decisões que contem – ou seja, impõe-se a relativa e prudente flexibilização das hipóteses de admissibilidade de ação rescisória, para que ela sirva de remédio contra os males de decisões flagrantemente inconstitucionais, ou fundada em prova falsa, na fraude ou no dolo de uma das partes em detrimento da outra.[10]    

  

Em contrapartida, mostrando o melhor instrumento de desconstituição no caso anteriormente arrolado, Wambier considera que o meio mais adequado para atacar sentença inexistente é por meio da ação declaratória. [11]

A ação declaratória de nulidade é um instrumento que visa tornar sem eficácia alguma a sentença que foi dada como inconstitucional, é aplicada frente a vícios graves, podendo até ser contra vícios insanáveis, pois não se subordinam a aplicação de prazos.

Com ela busca-se anular a coisa julgada inconstitucional, esta ação é outro meio para se desconstituir o julgado sem nexo com a carta maior, nesse sentido Otero coloca que, “todos os atos do poder público, incluindo atos jurisdicionais, são inválidos se desconformes com a constituição”[12].  

Uma vez um julgado firmado em lei inconstitucional, ela ganha sua invalidade e consequentemente pede por nulidade, nesse sentido busca-se a ação declaratória de nulidade absoluta da sentença, já que por ter sua invalidade e nulidade não há o que ser buscado, por isso nesse caso existe uma barreira de inviabilidade da ação rescisória.

 

  1. 4.                  Mandado de segurança como mecanismo desconstitucionalizador

O conceito de mandado de segurança concebido por Nunes e Araújo, “é ação, de índole constitucional, colocada a disposição do individuo para a salvaguarda de direito liquido e certo coibido por ilegalidade ou abuso de poder, levados a efeito por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.” [13]

Diante da coisa julgada inconstitucional o mandado de segurança é aceitável por grande parte dos processualistas, mesmo sendo criado com a finalidade diversa a de desconstituir a coisa julgada inconstitucional.

À luz desse debate, Passos considera que, “dentre todas as garantias ou formas de controle da decisão arbitraria, o mandado de segurança se me configurou, de logo, como aquela a merecer melhor estudo e mais ampla defesa e sustentação”.[14]

Quando existe o direito liquido e certo, uma sentença se tornando inconstitucional por abuso jurisdicional, ou seja, o juiz profere sentença sem nenhuma consonância com a lei, há a falta de segurança jurídica.

Theodoro faz uma observação em relação a isto:

Ao longo de mais de duzentos anos, o que se observa é que, em tema de inconstitucionalidade, as alterações e preocupações jurídicas sempre se detiverem no exame da desconformidade constitucional dos atos legislativos. Verifica-se, assim, que a grande parte dos estudos produzidos desde então centra-se na analise da constitucionalidade/inconstitucionalidade dos atos legislativos, não havendo maior preocupação com os atos do poder judiciário, em especial suas decisões que, sem a menor sombra de duvida, são passiveis de serem desconformes a constituição.[15]

 

Em busca da segurança de direito já existente que por motivo jurisdicional se tornou impossível, Theodoro continua sustentando que:

Neste cenário, torna-se imprescindível repensar-se o controle dos atos do poder público em particular da coisa julgada inconstitucional,  na busca de soluções que permitam conciliar os ideais de segurança e anseios de justiça, lembrando, sempre, nesta trilha que num estado de direito material, tal como a lei positiva não é absoluta, também não são as decisões judiciais. Absoluto, este sim, é sempre o direito ou, pelo menos, a idéia de direito justo.[16]

  

Nesse cenário o direito existente não foi protegido e o juiz por “erro” fez sentença inconstitucional, nesse sentido é necessário um instrumento que possibilite a desconstituição da coisa julgada inconstitucional uma vez que provado direito liquido e certo não o foi protegido, então nesse sentido seria um meio eficaz de afastar a lesão que foi causada à parte possuidora de direito.

Em relação ao mandado de segurança Salles conclui que, “nos casos em que a coisa julgada encerre decisão frontalmente contrária a preceitos basilares do direito, ensejando riscos de lesão irreparável ao interessado, admitir-se-ia a formulação de pedido de rescisão do julgado por meio de mandado de segurança”.[17]

 

Conclusão

Pelo panorama descrito no trabalho é possível perceber que a coisa julgada tem uma certa imutabilidade, ou seja, uma vez considerada assim perde a possibilidade de se estabelecer recurso sobre ela tornando-a “imune”.

Como se sabe muitas das decisões proferidas possuem um grão de incompatibilidade com alguma outra norma ou até mesmo com a lei suprema, a constituição federal, e foi partindo dessa premissa que se buscou a flexibilização frente a imutabilidade que a coisa julgada sustenta.

É indispensável então que haja a utilização de mecanismos de desconstituição daquela, pelo motivo de garantia de segurança jurídica, já que as sentenças podem ser incompatíveis com a constituição ou até mesmo por abuso jurisdicional, onde o juiz não faz a melhor das decisões.

Assim sendo a ação rescisória, a ação declaratória e o mandado de segurança podem ser os meios flexibilizadores da coisa julgada dada como inconstitucional, levando em consideração que a sentença pode ser inexistente, inválida ou até mesmo causadora de lesão a direito liquido e certo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXY, Roberto. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo, Landy editora, 2001.

 

ALMEIDA JUNIOR, Jesualdo Eduardo. Controle da coisa julgada inconstitucional. Porto Alegre. 2006.

 

DANTAS, Francisco Ivo. Constituição e processo. Vol. 1. Curitiba: Jaruá. 2003.

 

____________________. Coisa julgada inconstitucional. Declaração de inexistência. In: NASCIMENTO; DELGADO. Coisa julgada inconstitucional. Belo Horizonte. Fórum, 2006.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista de processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

 

MONTENEGRO FILHA, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral dos recursos, recursos em espécie e processo de execução. 3 ed. São Paulo, Atlas, 2006.

 

NUNES, Vidal Serrano; ARAÚJO, Luiz Alberto. Curso de direito constitucional. Editora saraiva, São Paulo, 2005.

 

OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993.

 

PASSOS. J.J. Calmon de. O mandado de segurança contra atos jurisdicionais, in mandado de segurança. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

 

PEREIRA, Cláudia Isabele Freitas. Relativização da coisa julgada: critérios de flexibilização a luz da dignidade da pessoa humana. São Luis, 2008.

 

SALLES, Carlos Alberto de. Mandado de segurança contra atos judiciais: as sumulas 267 e 268 do STF revisitadas. In: Aspectos polêmicos e atuais do mandado de segurança: 51 anos depois. São Paulo. Revista dos tribunais, 2002.

 

THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. Coisa julgada inconstitucional: a coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. São Paulo: Editora América, 2002.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo da sentença. São Paulo: revista dos tribunais, 2004.


[1] Alunos do 5º período noturno do curso de direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] ALEXY. 2001, p. 248.

[3] LIEBMAN apud OTERO. 1993, p. 54

[4] ALMEIDA JUNIOR, 2006. P. 51.

[5] DANTAS, 2003, p. 221.

[6] DINAMARCO apud MONTENEGRO, 2006, p. 565.

[7] THEODORO JUNIOR; FARIA. 2002, p. 126.

[8] RAMOS apud PEREIRA, 2008, p 38.

[9] DANTAS, 2006, p. 253.

[10] DINAMARCO. 2003, p. 34

[11] WAMBIER. 2004, p. 507.

[12] OTERO. 1993, p. 76.

[13] NUNES; ARAÚJO, 2005, p. 179.

[14] PASSOS. 1996, P.92.

[15] Op. cit. 2002, P.01.

[16] Ibid. p. 03.

[17] SALLES, 2002, 147.

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