O Mudo
Quando eu era menino havia dois mudos em Paquetá: um velho pescador, que morava na Colônia Z-3, na Praia da Guardae um rapaz, que tinha uma irmã também muda e que eram filhos do seu Amarilho e da dona Dina "parteira", pais do Murilo "gato" ...
Mas hoje eu vou falar do primeiro: o mudo pescador ...
Êle era magrinho, tinha a pele tostada pelo sol e os cabelos completamente brancos, a indicar a sua idade já bem madura ...
Êle costumava pescar sòzinho, de arco, ao redor das pedras da Ilha e mostrava grande habilidade no manejo desse petrecho ...
Era uma rede que de um lado era trançada numa vara encurvada e no outro tinha uma corda e que ele colocava com muita habilidade ao redor das pedras e ia as circundando e batendo na água com uma vara para obrigar os peixes a entrarem na rede ...
Às vêzes eu encontrava com êle pescando na Ilha das Folhas e êle sempre me cumprimentava com longos acenos de mão e com uma série de sons guturais que soavam mais ou menos assim:ki-ki ...ki-ki ... ki-ki ... ki-ki-ki ... ki ... ki-ki ...
Depois de pescar o mudo colocava os seus peixes num carrinho de mão e ia vendê-los nas ruas do centro ou, então, para os peixeiros que tinham suas bancas na Praça do Bom Jesus ...
Os preços êle sempre indicava com os dedos da mão, sempre acompanhados pela sua série deki-ki-kis ...
Mas uma lembrança muito engraçada que eu tenho do mudo é a de uma vez em que eu estava na barbearia esperando a minha vez para cortar o cabelo e êle estava fazendo a barba com o seu Ricardo quando,de repente, êle deu um pulo da cadeira e, soltando a sua série de ki-ki-kis, ficou abanando o nariz com uma das mãos e, com a outra, gesticulando nervosamente numa série de gestos obscenos que fazia ao colocar o dedo em riste na cara do seu Ricardo e apontar para a navalha, como se quisesse dizer que iria cortar o pescoço dele ...
E foi então que o outro barbeiro disse assim p'ro Ricardo:
- "Eu acho melhor você pedir licença ao freguês e dar um pulinho rápido ali no banheiro porque, se você soltar mais um desses, o mudinho vai acabar falando" ...
Autor: Marcelo Cardoso
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