Concubinato e a união estável: distinções e os direitos da concubina à luz dos princípios constitucionais



CONCUBINATO e a união estável:

Distinções e os direitos da concubina à luz dos princípios constitucionais*

 

 

Camila Sales Coelho**

Rafaella Costa Marques***

 

 

Sumário: Introdução; 1 Constituição Federal de 1988: inovações trazidas pelos princípios constitucionais no âmbito do direito de família; 2 União Estável x Concubinato; 3 O reconhecimento dos direitos da concubina à luz dos princípios constitucionais; Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

Estudo teórico sobre as modificações trazidas pela Constituição Federal de 1988 no direito de família com relação ao reconhecimento da união estável, e os possíveis direitos das concubinas, vez que tal relação não pode ser ignorada atualmente. Primeiramente, será feito uma análise das inovações que os princípios constitucionais trouxeram ao direito de família. Adiante, será realizada a distinção entre a união estável e o concubinato. E, por fim, quando já discutida a questão do reconhecimento das relações não eventuais, quais sejam, a união estável e o concubinato, decorrerá sobre o possível reconhecimento dos direitos da concubina à luz dos princípios constitucionais.

 

PALAVRAS-CHAVES: Constituição Federal de 1988. Princípios constitucionais. União Estável. Concubinato.

 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 chega vitoriosa, baseada em uma sociedade justa e um Estado democrático. A razão do sucesso desta Constituição está em ter conseguido oferecer aos cidadãos: legitimidade, limitação do poder e, claro, os valores, a incorporação no texto constitucional dos direitos e deveres dos homens, respeitando tanto os direitos individuais como os coletivos, consagrando as conquistas sociais, políticas e éticas. Nota-se que a Constituição Federal passou a desfrutar não somente da supremacia formal, mas também da supremacia material, axiológica, potencializada pela normatividade dos seus princípios. Passa a ser não só um sistema por si só, pois influi em todos os ramos do direito, inclusive o direito de família.

É certo que, gradualmente, o concubinato e a união estável adquiriram relevante importância nas esferas do direito, seja o direito de família, sucessório ou qualquer outro. Atualmente não há como ignorar tais relações livres, podendo e devendo serem reconhecidos direitos e deveres. Por isso, com o advento da Carta Magna foram consagrados princípios fundamentais que modificaram as concepções antigas, havendo uma maior abrangência nas relações dos direitos de família, dentre eles há o destaque para o princípio da igualdade entre os cônjuges e companheiros, afetividade e pluralidade de entidade familiar.

De acordo com o art. 226, §3°, é conhecida também, como meio de proteção, a união estável entre homem e mulher. O §4° do mesmo artigo, diz ainda que os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Já quanto ao concubinato, o Código Civil de 2002 fez uma importante distinção em seu art. 1.727, referindo-se ao “concubinato impuro”. Ser conhecido como impuro pressupõe uma relação não eventual. Dessa forma, o concubinato possui algumas restrições, direitos que são vedados ao concubinato impuro, mas não ao puro (união estável).

Por fim, as jurisprudências, bem como alguns doutrinadores vêm acatando que seria possível sim que a concubina (o), ou “amante”, possua direitos a serem tutelados. Pois não há como desconsiderar a união estável, já reconhecida, como também a existência do concubinato.

 

1. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: INOVAÇÕES TRAZIDAS PELOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA.

A nova Constituição Brasileira, que foi elaborada e promulgada em 1988, ocasionou a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário e violento, no qual foi anteriormente palco de ditaduras e opressões, excluindo dos cidadãos direitos e liberdades, para um Estado democrático de direito. Entende-se como um avanço, como uma nova interpretação dos princípios constitucionais, proporcionando o conhecimento de sua força normativa, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional.1

A Constituição é a lei fundamental de um Estado, em seu bojo são contidos conjuntos de normas jurídicas, é disciplinada a organização e formação do próprio Estado, sua forma de governo, o modo de exercício do seu poder, a separação desses poderes, seu órgãos, limites, e claro, os direitos fundamentais dos homens e cidadãos – os princípios fundamentais. Conclui-se que a Carta Magna é a que dispõe e organiza todos os elementos e principais diretrizes do Estado.2

Nota-se que a Constituição de 1988, passa a ser não só um instrumento por si só, mas sim uma forma de direção e interpretação dos demais ramos do direito. As normas que regem o ordenamento jurídico brasileiro devem sempre atentar e resguardar os princípios e regras estabelecidos na Lei Maior, realizando os valores nela consagrados. Qualquer operação de direito sempre irá consistir na aplicação, seja direta ou indireta, da Constituição, das suas normas e seus princípios.3

Com relação ao direito de família, apesar da Constituição e o Código Civil serem ordenamentos contemporâneos, esses não se comunicavam entre si, para que houvesse essa interação foi preciso passar por determinadas fases, sendo este um processo lento. Hoje a Carta Magna é o centro jurídico, tendo o Código Civil que se adaptar àquele. Assim, a Constituição consiste em um filtro axiológico, desde logo prevendo a plena igualdade entre os filhos, o fim da supremacia do marido no casamento, sempre elevando os já conhecidos direitos da igualdade, liberdade, solidariedade, razoabilidade e a dignidade humana. Observa-se a aplicação dos direitos fundamentais nas relações do direito civil, no direito de família.4

Os princípios constitucionais são de suma importância, considerados as leis das leis, o mandamento nuclear de um sistema, a base da norma jurídica. Constituem princípios definidores do Estado, da sua estrutura, caracterizando e traduzindo as vontades políticas, sociais e constitucionais de todos. É certo que os princípios constitucionais trouxeram inúmeras mudanças em todos os âmbitos, inclusive no de família, pois todo o modo de ver o direito emerge da própria Carta Magna, uma verdadeira carta de princípios.

Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas.5

 

Em certo tempo as normas constitucionais foram se tornando limitadas, acanhadas, não sendo essas suficientes para realizar as diretrizes constitucionais. Com a constitucionalização do direito civil e do princípio da dignidade da pessoa humana, os princípios passam a direcionar todo o ordenamento jurídico de maneira que em todas as relações sempre objetive resguardar a dignidade humana.

Portanto, é no direito de família, segundo Maria Berenice Dias, que mais se percebe a presença de tais princípios. Há a consagração desses como valores e fundamentos dominantes da sociedade. Os preceitos fundamentais têm que está de acordo com a atual concepção de família e suas mais variadas formas, sendo impossível negligenciar as mudanças ocorridas e suas multiplicidades. A doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo diversos princípios constitucionais no âmbito do direito de família, alguns implícitos, outros explícitos.6 Os que mais se destacam para o presente artigo são os princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade entre cônjuges e companheiros, do pluralismo das entidades familiares, e, finalmente, o princípio da afetividade.

Em busca de encontrar soluções para as inovações ocorridas no âmbito do direito de família, tais como a conquista de poder pela mulher, liberdade sexual, proteção dos mais fracos, igualdade entre os filhos advindos ou não do casamento, também com os avanços tecnológicos – exame de DNA, investigação de paternidade – dentre outros, não foi possível simplesmente não enxergar essas mudanças, bem como não se pode negar a existência do homossexualismo, do concubinato.

Em virtude disso, alterações foram feitas para que o direito possa seguir em harmonia com as situações fáticas, com as relações sociais vividas por todos. Objetiva-se proteger os valores de família que ao longo do tempo foram se formando, a evolução dos costumes. Finalmente, é dada a entidade familiar um tratamento mais moderno e condizente com a realidade social, devendo sempre atender a todas as necessidades.7

 

 

2. UNIÃO ESTÁVEL X CONCUBINATO

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”; “Art. 226, §3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Com a leitura desses enunciados constitucionais, nota-se que tanto o casamento, como a união estável são protegidos na Constituição Federal, bem como no Código Civil. Ao concubinato resta apenas discriminação. Enquanto os primeiros são reconhecidos os seus direitos e deveres, a relação impura é desamparada pelo direito, estando prevista somente de forma discriminatória no art. 1.727 do Código Civil.

Destarte, primeiramente é necessário conceituar e diferenciar união estável e o concubinato. Uma das maiores mudanças que ocorreram no Código Civil foi a inserção da União Estável no ordenamento jurídico, inovação essa devida a Constituição de 1988 que previu no seu bojo a união estável como entidade familiar, bem como a igualdade entre os cônjuges e companheiros. A união estável, portanto, está prevista na Constituição Federal de 1988 em seu art. 226, §3º, como uma forma de entidade familiar reconhecida e protegida pelo Estado. “A conceituação da união estável é a mesma dada pela Lei n' 9.278/96, ou seja, convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituição de família”.8

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, para entender o que é união estável é imprescindível que primeiro se conheça o que é família. Sendo que não é fácil conceituar união estável, bem como a própria família. Anteriormente família possuía um sentindo de núcleo econômico e reprodutivo, a partir do momento em que alcançou também um cunho de afeto e amor passou a surgir uma pluralidade de entidades familiar.9 Foi assim resguardado o princípio do pluralismo das entidades familiares, pois as estruturas familiares adquiriram novos contornos, passando o Estado a reconhecer e aceitar que existem sim variadas formas de famílias. Contudo, verifica-se que ainda existem barreiras quanto ao reconhecimento de determinadas formas de relações.

Dessa forma, a união estável vai incidir em uma série de fatores, quais são: estabilidade, durabilidade, convivência sob o mesmo teto, filhos, relação de dependência econômica.10 Se não for caracterizado algumas dessas condições não quer dizer que não vá configurar união estável, pois esse conjunto de elementos serve para delimitar, não sendo necessário o estrito cumprimento a todos, pois se não constar um desses elementos, mas estiver presente o afeto, carinho, companheirismo é tido como uma entidade familiar, pois “o essencial é que se tenha formado com aquela relação afetiva e amorosa uma família”.11

Enquanto ao concubinato, este é presente no Brasil desde o início da formação étnica brasileira. Sempre foi tratado de forma discriminatória, como pecado. As relações livres foram marginalizadas, mesmo depois de reconhecidos os mais diversos direitos, inclusive o do divórcio. Tornou-se necessário que tais relações fossem reguladas, com o Código Civil de 1916, em nada foram reconhecidos os direitos do concubinato, permanecendo assim até os dias de hoje.12

O concubinato é fato, esteve presente em todos os tempos e em todas as civilizações, consequentemente incidindo na vida jurídica. A palavra denominada para esse tipo de relação livre – concubinato – carrega um estigma preconceituoso. E, a título de curiosidade, na cultura brasileira a palavra concubina é empregada somente no feminino, para as mulheres, sendo incomum existir um “concubino”. Entretanto, houve a revolução feminista, as mulheres deixaram de ser objetos dos homens, passaram a ter poder sobre si mesma, e as relações extramatrimoniais começaram a aumentar.13

Com a Carta Magna de 1988 o concubinato foi conhecido apenas como indivíduos que constituem relações e que, pelo menos um deles, é impedido para tal relação. Havendo ainda quem diferencie o concubinato em puro e impuro, sendo puro a união estável, e impuro aqueles que são impedidos de terem relação, seja impedimento biológico ou legal. Assim, tem-se por concubinato aquele que agiu de má-fé, foi desleal, adulterino ou incestuoso.14

Tanto a doutrina, como a jurisprudência costuma distinguir o concubinato e a união estável, não somente como uma forma de proteção às relações “puras”, mas também para tutelar e aplicar medidas e consequências jurídicas nessas relações, os direitos e deveres. Pois é sabido que a união estável, prevista e protegida pela Constituição Federal e pelo Código Civil, goza de proteção no âmbito do Direito de Família, já o concubinato, desconhecido como entidade familiar e descriminado pelas sociedades, podem ser buscados os seus direitos no campo do Direito das Obrigações, mas isso não seria uma injustiça?

3. O reconhecimento dos direitos da concubina à luz dos princípios constitucionais

Devido à pluralidade de entidades familiares que se encontram presentes nas relações sociais, bem como resultante das modificações culturais, “família” é entendida em sentindo amplo, atualmente não é somente o casamento de homem e mulher, mas sim também reconhecidas a união estável, as relações homossexuais, as família monoparentais, dentre outras, porque não se reconhecer também o concubinato?

Assim como as demais relações o concubinato também se caracteriza da convivência more uxório, isto é, uma relação como se marido e mulher fossem, constituindo família, adquirindo bens em comuns, como qualquer outra entidade familiar, essas relações encontram cada vez mais incidência fática, sendo impossível ignorá-las.Nas palavras do doutrinador Arnoldo Wald: “não é mais possível ignorar a união estável e o concubinato, pois, além de serem um fato, constituem, hoje, situações jurídicas, que ensejam importantes conseqüências no campo do direito”.15

Por vezes, este paralelismo se alonga no tempo, criando sólidas raízes de convivência, de maneira que, desconhecê-lo, é negar a própria realidade. Tão profundo é o seu vínculo, tão linear é a sua constância, que a amante (ou o amante, frise-se) passa, inequivocamente, a colaborar, direta ou indiretamente, na formação do patrimônio do seu parceiro casado, ao longo dos anos de união. 16

 

Entretanto, o concubinato não é visto assim por alguns doutrinadores e jurisprudências, na verdade o que existe atualmente é um conflito de entendimentos, ora há quem defenda o concubinato e os direitos da concubina, ora existem aqueles que dizem que as concubinas não podem ter direitos reconhecidos, nota-se esse conflito inclusive nas jurisprudências dos tribunais.

Analisando duas jurisprudências, uma do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e outra do Superior Tribunal de Justiça, vê-se o conflito, a dificuldade e obstáculos que são impostos nas relações de concubinato:

AÇÃO ORDINÁRIA DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO - CONCUBINATO - PEDIDO JULGADO PROCEDENTE - APELAÇÃO

O simples concubinato não autoriza, por si só, a divisão de bens entre os concubinos. Para tanto, necessário se faz que seja comprovado, por parte do que pretende a divisão que efetivamente contribuiu para a formação do patrimônio tendo havido sociedade de fato. "A vida em comum, more uxorio, implica a presunção de que o patrimônio adquirido, durante a existência de sociedade de fato entre os concubinos, resulta do esforço comum. Predomina, entretanto, a opinião de que, para incidência da Súmula nº 380, do STF, é mister comprove o concubino que, efetivamente, contribuiu para a formação do patrimônio, cuja partilha pretenda"17

 

Direito civil. Família. Recurso especial. Concubinato. Casamento simultâneo. Ação de indenização. Serviços domésticos prestados.

- Se com o término do casamento não há possibilidade de se pleitear indenização por serviços domésticos prestados, tampouco quando se finda a união estável, muito menos com o cessar do concubinato haverá qualquer viabilidade de se postular tal direito, sob pena de se cometer grave discriminação frente ao casamento, que tem primazia constitucional de tratamento; ora, se o cônjuge no casamento nem o companheiro na união estável fazem jus à indenização, muito menos o concubino pode ser contemplado com tal direito, pois teria mais do que se casado fosse.

- A concessão da indenização por serviços domésticos prestados à concubina situaria o concubinato em posição jurídica mais vantajosa que o próprio casamento, o que é incompatível com as diretrizes constitucionais fixadas pelo art. 226 da CF/88 e com o Direito de Família, tal como concebido.

- A relação de cumplicidade, consistente na troca afetiva e na mútua assistência havida entre os concubinos, ao longo do concubinato, em que auferem proveito de forma recíproca, cada qual a seu modo, seja por meio de auxílio moral, seja por meio de auxílio material, não admite que após o rompimento da relação, ou ainda, com a morte de um deles, a outra parte cogite pleitear indenização por serviços domésticos prestados, o que certamente caracterizaria locupletação ilícita.

- Não se pode mensurar o afeto, a intensidade do próprio sentimento, o desprendimento e a solidariedade na dedicação mútua que se visualiza entre casais. O amor não tem preço. Não há valor econômico em uma relação afetiva. Acaso houver necessidade de dimensionar-se a questão em termos econômicos, poder-se-á incorrer na conivência e até mesmo estímulo àquela conduta reprovável em que uma das partes serve-se sexualmente da outra e, portanto, recompensa-a com favores.

- Inviável o debate acerca dos efeitos patrimoniais do concubinato quando em choque com os do casamento pré e coexistente, porque definido aquele, expressamente, no art. 1.727 do CC/02, como relação não eventual entre o homem e a mulher, impedidos de casar; a disposição legal tem o único objetivo de colocar a salvo o casamento, instituto que deve ter primazia, ao lado da união estável, para fins de tutela do Direito.18

 

Diante das jurisprudências citadas, percebe-se que o concubinato está no vácuo, desamparado pelo direito, sem qualquer amparo legal a não ser o discriminatório. Porém, é esquecido que anteriormente, quando a união estável ainda não era reconhecida, foi necessário se valer das jurisprudências para se aplicar o direito à espécie, a um fato que não podia ser negado, e isso também acontece com o concubinato, contudo nesses casos se nota a discriminação, as barreiras que são impostas para que algo de direito seja concedido, não se está pedindo o impossível, o que inexiste, pelo contrário, trata de uma direito.19

Frisa-se também que as jurisprudências supracitadas estão sendo tutelados direitos às concubinas, mas não no âmbito do direito de família, e sim nos direitos das obrigações. Ou seja, as concubinas têm como única opção de terem seus direitos efetivados por meio de uma obrigação, “um serviço prestado”, ignora-se que houve afeto, amor, uma verdadeira entidade familiar, que dessa convivência, pode advir, inclusive, filhos. Há sim na relação de concubinato um vínculo profundo, que ambos os conviventes contribuam para o sustento da casa, aquisição de bens, é inegável tal veracidade.20

Mas é claro que não seria qualquer relação livre, lê-se concubinato, que seria aplicado o direito de família, tem que está devidamente comprovado que houve uma relação duradoura, socioafetiva, constituindo uma paralela instituição familiar. Pois se forem analisados os princípios do direito de família, constata-se que existe no concubinato uma relação de família, cabendo a incidência do próprio direito de família.

Como já foi posto no primeiro tópico, os princípios constitucionais trouxeram inovações ao direito de família, sendo reconhecidas situações que jamais se cogitavam admitir. Assim, segundo o princípio da dignidade humana, princípio maior do Estado Democrático de Direito, a pessoa humana tem que ser tratada com dignidade, esse princípio possui valor nuclear na ordem constitucional, não podendo ser desrespeitada, nem ter seus direitos desprotegidos. O princípio da dignidade humana, nos dizeres de Maria Berenice Dias, significa “igual dignidade para todas as entidades familiares”21, e não há como negar que o concubinato pode sim configurar uma relação familiar, como as demais, incidindo os mesmos fenômenos, portanto, é indigno dar tratamento diferenciado ao concubinato em relação à união estável, ou até mesmo o casamento.

Não está aqui tratando de modo especial e superior o concubinato em relação ao casamento ou união estável, como exposto no julgado do STJ, mas está buscando por efetiva justiça, que o direito seja aplicado de forma correta. Pois o que a concubina está pleiteando não é nada mais do que o seu direito, assim como a esposa ou companheira tem, vez que a concubina realmente teve uma relação duradoura, afetiva, solidária, constituindo uma família. Então esta deve ficar desamparada, mesmo sendo clara a sua condição e acréscimo à relação?

Outro princípio de suma importância a ser abordado é o da afetividade. É indispensável às entidades familiares que existam afeto, o amor é que une tais relações. A questão da afetividade tomou grande proporção, sendo inclusive identificadora de paternidade e maternidade socioafetiva. Os laços de afeto derivam da convivência, da solidariedade, do sentimento que cresce em seus membros. Nas relações de concubinato ninguém é impedido de amar. Não é só de sexo que vive o concubinato, pode possuir também um sentimento afetivo, amoroso, e é certo que “o afeto não tem preço de mercado, mas o valor da dignidade de quem foi cativado, de quem ama e amou alguém a vida inteira, tem”.22

Com o reconhecimento da união estável, foi devidamente consagrado o princípio da afetividade, pois é considerada uma entidade familiar mesmo sem o selo do casamento, tido por muito tempo como a única entidade familiar. Esse princípio ocasionou tanto o reconhecimento da união estável, bem como a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva, a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos, as família monoparentais, formadas por irmãos, netos e avos23, e porque não, também com base nesse princípio, ser reconhecido o concubinato? Deve-se ter um novo olhar para as entidades familiares, agora atribuindo o devido valor jurídico ao afeto, mesmo porque na atualidade estão se tornando minorias aqueles que ainda recorrem ao casamento, visto o reconhecimento da união estável, está mais prático, acessível, apesar do casamento ainda ser expressamente a primazia na Constituição Federal.

Todos têm a liberdade de escolherem o seu par, de definir sua opção sexual, bem como o tipo de entidade familiar que deseja constituir, devendo haver um tratamento igualitário entre essas relações. Assim, desde a Constituição Federal e as instituições de seus direitos fundamentais, com o Novo Código Civil as estruturas familiares adquiriram novos contornos, ressaltando-se que o concubinato no Brasil existe desde muito antes da promulgação da Carta Magna de 1988, mas este foi condenado à invisibilidade. No entanto, a partir do reconhecimento da união estável, e não do casamento como única forma de constituir família é presente o princípio do pluralismo das entidades familiares, isto é, o Estado com esse primeiro passo reconheceu que não existe somente uma forma de entidade familiar – o casamento – mas também diversas outras possibilidades.24

A união extramatrimonial, era e ainda é tida como impura, nunca foi considerada a sua natureza familiar, e sim encontrando abrigo no campo obrigacional como sociedade de fato, tanto que para postular os seus direitos é necessário entrar com uma ação de cobrança por serviços prestados. Mas, ao mesmo tempo em que o concubinato não é aceito, as uniões homossexuais também não encontram amparo no ordenamento legal, contudo essas relações contêm evidentemente afetividade, amor, todas as essenciais características das entidades familiares reconhecidas no direito, e por direito, merecerem serem alcançadas também no âmbito da família, pois como ressalta Maria Berenice Dias:

Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça.

 

 

O que se almeja não é desconsiderar, menosprezar a união estável, muito menos o casamento, mas abrir os olhos para a realidade, segundo o Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, Lourival Serejo, que foi o juiz titular da 3ª Vara de Família desta Capital, “assegurar direitos à concubina não significa, como diz o acórdão do STJ, uma forma canhestra de buscar o direito sucessório. Trata-se, sim, de dar uma solução justa a um caso que clama por atenção. A jurisdição, hoje, orienta-se pela ética do cuidado”.25

Por fim, percebe-se pelo analisado neste artigo, que os próprios princípios constitucionais autorizam ao direito o reconhecimento dos direitos da concubina. O concubinato não pode ser ignorado pela sociedade, muito menos pelo direito. O direito não pode se escusar de fazer justiça, nem suprir uma lacuna no ordenamento, essas relações não podem continuar desamparadas, nem serem descriminadas pelo próprio sistema, é um fato e é presente, precisa ser devidamente reconhecido e regulado. O concubinato é uma entidade familiar assim como todas as outras, goza de liberdade de escolha, afetividade, durabilidade, estabilidade, como dizer que não é uma família? Não há como.

 

CONCLUSÃO

Há de se pensar no Direito de Família de forma mais atualizado, desprendendo-se dos conceitos antigos e discriminatórios e se voltando para as mudanças ocorridas, inclusive com os princípios constitucionais advindos da Constituição de 1988. Diversas são as mudanças que podem ser elencadas, bem como variados são os princípios que se consagraram no sistema, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade entre os cônjuges e companheiros e o princípio da pluralidade de entidades familiares, que acabam por abranger perfeitamente as relações concubinárias.

Tais princípios constitucionais tiveram enorme incidência no âmbito do Direito de Família, concedeu à relação livre, como a união estável, uma grande relevância no âmbito do direito, permitindo que essas relações não sejam excluídas. Contudo, o concubinato, assim como nos moldes anteriores, continuou sendo invisível e desconhecido pelo ordenamento. O Código Civil de 2002 também trouxe grandes mudanças, contudo este fez uma diferenciação entre a união estável e o concubinato, de acordo com o artigo 1.727.

Contudo, como se mostrou inevitável a desconsideração dessas relações, de caráter more uxorio, constituindo patrimônio e filhos em comum, havendo amor, afeto, durabilidade e até mesmo estabilidade, torna-se necessário que o concubinato também tenha, assim como ocorreu com a união estável, que ser reconhecido como uma entidade familiar, passível de direitos, no âmbito do Direito de Família, não mais sendo necessário que estas socorram ao Direito das Obrigações para tentarem buscar o que é seu por direito. O concubinato é fato, não pode continuar a ser ignorado, bem como o direito não pode continuar a fugir da obrigação de suprir essa lacuna no ordenamento, ignorá-las e discriminá-las não é a solução.

 

REFERÊNCIAS

 

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STJ – Resp 872.659 – Rel. Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma – DJU: 25/08/2009.

 

TJSC - AC 48.867 - Rel. Des. Wilson Guarany – DJU: 20./10/95.

 

WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

 

 

 

* Paper elaborado a disciplina de Direito de Família e Sucessões, ministrada pela professora Simone Vinhas da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

** Aluna do 6° período do curso de Direito de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). E-mail: [email protected]

*** Aluna do 6° período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB). E-mail: rafaellacmarques@ hotmail.com

1BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Nº 9. Bahia: Revista Eletrônica sobre a reforma do Estado, 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 de Maio de 2010, p. 03 – 04.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 37 – 38_.

3 BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Nº 9. Bahia: Revista Eletrônica sobre a reforma do Estado, 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 de Maio de 2010, p. 20 – 21.

4 BARROSO, Luis Roberto. Op. Cit. p. 23 – 26.

5 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro: Pós modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Ano I. Vol. I. N° 6. Bahia: Revista Diálogo Político, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_6/DIALOGO-JURIDICO-06-SETEMBRO-2001-LUIS-ROBERTO-BARROSO.pdf>. Acesso em: 10 de Maio de 2010, p. 20.

6 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, P. 56 – 57.

7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: direito de família. Vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 17.

8 OLIVEIRA, Euclides de. Novas perspectivas do direito de família. Justitia, São Paulo, v. 64, n. 197, p. 121-141, jul./dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 10 de Maio de 2010.

9 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Da união estável in DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o Novo Código Civil. Coordenação Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, P. 226 – 227.

10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. Cit,, P. 226 – 227.

11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. Cit., P. 227.

12FERNANDES, Luciana Vidal. A família matrimonializada e o concubinato adulterino: questões patrimoniais. Unopar científica : ciências jurídicas e empresariais, Londrina, v.4, n. 1/2, p. 57-62, mar./set. 2003. Disponível em: . Acesso em: 10 de Maio de 2010, p. 58.

13 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. Cit., p. 230.

14 FERNANDES, Luciana Vidal. Op. Cit., p. 59.

15 WALD, Arnoldo. O novo direito de família. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 294;

16 GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da (o) amante - na teoria e na prática (dos Tribunais). Disponível em <http://www.lfg.com.br> 15 de Julho de 2008. Acesso em: 10 de Maio de 2010.

17 TJSC - AC 48.867 - Rel. Des. Wilson Guarany – DJU: 20./10/95.

18 STJ – Resp 872.659 – Rel. Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma – DJU: 25/08/2009.

19SEREJO, Lourival. Em defesa da concubina. Disponível em: <http://www.lourivalserejo.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=39:em-defesa-da-concubina-analise-do-recurso-especial-n-872659mg&catid=14:familia&Itemid=10>. Acesso em: 10 de Maio de 2010.

20 GAGLIANO, Pablo Stolze. Op. Cit.

21 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit., P. 62.

22 SEREJO, Lourival. Op. Cit.

23 DIAS, Maria Berenice. Op. Cit.,P. 69-70.

24 __________________. Op. Cit., P. 66.

25 SEREJO, Lourival. Op. Cit.

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