Darcy ribeiro - O povo brasileiro (Cap. IV - Os brasis na história)



RIBEIRO, Darcy. Os Brasis na História. In: ______. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Cap. 4, p. 266-444.

 

Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claros no dia 26 de outubro de 1922 e faleceu de câncer 74 anos mais tarde, em 17 de fevereiro de 1997 na capital Federal. Foi um grande homem, e nos deixou uma obra à sua altura. Além de antropólogo, político e romancista, foi um intelectual, homem polivalente, complexo, humano, irreverente, desafiador e polêmico. Em seus anos de vida, teve seu foco principalmente na causa dos índios e defendeu fervorosamente o acesso e qualidade da educação no país.

Ribeiro compôs um quadro da História brasileira em cinco cenários regionais, neles nos é dito que a identidade dos brasileiros se explica pela precocidade de sua constituição e pela flexibilidade, que permitiram uma adaptação milenar, ajustamentos locais e a sobrevivência dos ciclos produtivos. Ao introduzir os Brasis, Ribeiro destaca que “nenhum povo vive sem uma teoria de si mesmo” (p. 267).

 O autor identificou cinco tipos de Brasis, ou seja, cinco regiões extremamente diferentes, com costumes, tradições e culturas diversas: “é simplesmente espantoso que esses núcleos tão iguais e tão diferentes se tenham mantido aglutinados numa só nação” (p. 271).

O Brasil crioulo localizado na região do recôncavo baiano, no nordeste brasileiro, tem no centro de seu contexto, os grandes engenhos. Em resumo, este Brasil inicialmente era dominado pelos senhores de engenho e tinha na cana-de-açúcar a sua principal fonte produtiva. Em um primeiro contato do português com o indígena, ocorre a tentativa infeliz de escravizá-lo, desta forma, a solução para o problema de mão-de-obra para o ciclo de produção da cana-de-açúcar aparece com o comércio de escravos (negros), para suprir a escassez da mão-de-obra. Ribeiro determina que “nessas circunstâncias, é no mundo do engenho que se plasma o núcleo fundamental da área cultural que designamos cultura crioula” (p. 286). Com a produção de açúcar holandesa nas Antilhas, a economia brasileira começou a entrar em declínio. No fim do século XIX, com a abolição da escravatura, os negros passaram a ganhar um pedaço de terras para trabalhar como agregados e poder adquirir produtos do senhor de engenho.

O Brasil caboclo ocorre na Amazônia, com a tentativa de explorar seus recursos naturais, como a madeira, o ouro, as pedras preciosas, e especialmente os seringais. O autor explica que “mesmo nas zonas de maior densidade, os seringais cobrem enormes extensões, impedindo que a população se organize em núcleos consideráveis” (p. 323). Além disso, ocorreu a introdução de novas culturas, como a criação de gado e o plantio de lavouras, tudo isto feito de forma desordenada, e sem consciência ecológica, empurrando o índio “mata a dentro” cada vez mais, dificultando o processo de tentar convertê-los ao catolicismo. Neste contexto, alguns indígenas foram escravizados, na tentativa de utilizar de suas técnicas na floresta para realizar o extrativismo das chamadas “drogas da mata”, especiarias como cacau, cravo, canela, baunilha, sementes, entre outras.

O Brasil sertanejo desenvolveu uma economia associada à produção de uma subcultura própria caracterizada por uma vestimenta, culinária e visão de mundo bem típicas. Primeiramente o pastoreio se fazia pelos próprios senhores de engenho, mas com o tempo a atividade tornou-se especificidade de criadores. O gado era recebido pela família do vaqueiro e seus ajudantes, sendo que as relações eram menos desiguais nesse sistema, o que atraía muitos mestiços à atividade. Este sistema surge como dependente da atividade açucareira, utilizando das pastagens e do gado trazidos pelos portugueses de Cabo Verde. A necessidade de recuperar e apartar o gado levou à cooperação entre as pessoas, acabando por transformar a convivência entre as mesmas. Desta convivência surgiram festas, bailes, casamentos e uma maior atividade social no movimento de expansão. O sertão era cortado e ocupado pelos homens que marchavam de pouco em pouco, avançando cada vez mais para o interior, “as populações sertanejas, desenvolvendo-se isoladas da costa, dispersas em pequenos núcleos através do deserto humano que é o mediterrâneo pastoril, conservaram muitos traços arcaicos” (p. 353). Aos poucos, os lugarejos iam se transformando em vilas e cidades, fazendo crescer os locais de habitação urbanos, tornando-se um grande negócio para as oligarquias regionais, que perduram até os dias de hoje.

Outro Brasil que o autor identificou foi o Brasil caipira. Enquanto os açucareiros do nordeste cresciam e enriqueciam, a população paulista se via numa economia de pobreza, que, inclusive, está na base das motivações e dos hábitos e caráter do paulista antigo. Isso fazia deles um bando de aventureiros sempre disponíveis para qualquer tarefa desesperada, porém, mais predispostos ao saqueio que à produção. Com a descoberta das minas, multidões vindas de todo o país e até de Portugal chegaram até elas, ricos, remediados e pobres, todos tentavam a sorte nas minas. Inicialmente, o ouro se encontrava à flor da terra para simplesmente ser apanhado. Logo apareceram graves conflitos contra invasores e contra a Coroa. A sociedade mineira, centro da mineração, adquiriu feições peculiares com influências paulistas, européias, escravas e de outros brasileiros de outras regiões. A rede urbana ampliou-se, cresciam edifícios públicos, igrejas e a arquitetura barroca. Desenvolveu-se uma classe de ricos comerciantes e burocratas. A literatura, a música e a política libertária também tiveram um grande desenvolvimento. Abaixo das castas superiores estavam o mulato e o negro, que faziam serviços domésticos e trabalhos braçais. Na base da sociedade estavam os negros escravos trabalhadores das minas.

Com o esgotamento dos aluviões, a região entra em decadência. Mineradores se fazem fazendeiros de lavouras de subsistência e de gado, essa situação duraria pouco, pois logo surgiria uma nova forma de produção agroexportadora: o plantio do café, que revitalizaria a região. As cidades voltam a crescer, o domínio da oligarquia se remonopoliza e ocorre um processo de reordenação social. A produção diminui e torna-se pequena, se comparada à produção de sua época áurea. O café representou um papel modernizador e integrador para o país, porém movia-se sempre para a frente, deixando para trás áreas devastadas e erodidas. A massa de estrangeiros que aqui chegavam iam se abrasileirando e deixando suas influência para este Brasil caipira.

A expansão dos paulistas atingiu a região sulina, antes dominada por espanhóis, tendo sido esta a causa que anexou a região Sul ao Brasil. Surge desta forma, o Brasil sulino. Houveram também as missões jesuíticas, que vieram para catequizar os índios guaranis, depois se deram os conflitos com os bandeirantes que dizimaram muitos índios guaranis, forçando os jesuítas a se bandearem pras missões argentinas e paraguaias. Os três componentes sociais do Brasil sulino são o nativo de origem açoriana, o gaúcho (mestiço do espanhol ou do português com o indígena guarani) e o gringo (descendente do imigrante). O terceiro grupo, o dos gringos, de origem germânica e italiana principalmente, diferencia-se do restante da população por seu bilingüismo, seus hábitos europeus, seu nível educacional mais elevado e um modo de vida confinado em pequenas propriedades, com uma produção diversificada, com base em bovinos, plantio, vinho, entre outras culturas. Imigrantes europeus foram obrigados a aprender o idioma português e a alistar-se nas forças armadas brasileiras. No Brasil sulino ocorreu ainda a distribuição de terras de forma legal, as chamadas sesmarias, na região de Rio Grande, Pelotas, Viamão e Missões. Os estancieiros viram caudilhos e mais tarde se tornam patrões e em tempos menos distantes, tornam-se proprietários de frigoríficos e matadouros. Ribeiro lembra que “as gerações seguintes, beneficiárias dos resultados desses sacrifícios pioneiros, encontraram condições mais propícias” (p.438).

Podemos definir o livro O Povo Brasileiro como um livro de maturidade, escrito por um dos mais importantes intelectuais brasileiros, o mais contemporâneo de todos. O livro é o resultado e a síntese de tudo o que já havia escrito, e assim se sente à vontade para teorizar sobre a formação étnica do povo brasileiro e sobre a estrutura social do país, fazendo uma reviravolta nas idéias até aqui aceitas. Discorre ainda sobre as classes sociais aqui existentes e suas lutas, bem como sobre a revolução que está por vir e será democrática e pacífica.

Recomendamos este livro para todos os brasileiros, pois assim poderão entender melhor a formação histórica do povo deste país. Em especial, indicamo-lo aos estudantes de Antropologia, Sociologia e Ciências Sociais.


Autor: Antônio Carlos Minella


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