Desigualdade social e o princípio da co-culpabilidade.



Desigualdade social e o princípio da co-culpabilidade

 

Vivian Flores BRANCO[1]

 

 

RESUMO: O presente artigo trata do início da desigualdade social e do círculo vicioso que a mesma traz, sendo passada de geração em geração. Esse problema traz consigo o princípio da co-culpabilidade, sendo que o estado e a sociedade em geral tem parte da culpa por certos delitos em que a liberdade do autor se limita devido suas condições de vida.

 

Palavras-chave: Estado. Desigualdade. Culpabilidade. Sociedade.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

O enfoque do presente artigo é a desigualdade social e os vários problemas que dela provém, sendo que a co-culpabilidade se enquadra nesses problemas como um grave tema. A justificativa e a relevância social da abordagem desse tema estão relacionadas ao fato de que esse assunto está diretamente ligado à sociedade, sendo um dos motivos os quais o Brasil fica estagnado e não consegue progredir, um dos motivos da grande tristeza de milhares de brasileiros que não deveriam e nem mereciam levar a vida que levam, onde seus lares são a favela, a rua ou a cadeia.

O objetivo dessa abordagem é fazer com que as pessoas que estão em condições favoráveis enxerguem além de suas janelas e parem de fechar os olhos para tudo que acham que não as convém; o objetivo é ainda aguçar o altruísmo das mesmas, fazendo com que o estado e essas pessoas de melhor condição assumam parte da culpa dos crimes cometidos por aqueles que vivem marginalizados e que esses se juntem para conseguirem seus direitos e mostrarem que a igualdade não está sendo posta em prática pelo órgão que governa a sociedade e que muitas injustiças continuam sendo feitas. O que não dá é o povo continuar sem fazer nada, acomodados com a miséria e indignidade.

A pesquisa utilizou livros, doutrinas, a Constituição Federal e outros artigos para constituir sua base. O presente artigo está dividido em duas partes: a primeira fala da origem da desigualdade social e como foi acontecendo com o passar do tempo, passando de pai para filho devido à falta de oportunidades para os mesmos conseguirem atingir um melhor patamar de vida. A segunda parte trata de um grave problema da desigualdade social: a co-culpabilidade, falando sobre a limitação da liberdade dos marginalizados ao cometerem um crime devido às condições as quais vivem, o que fazem as escolhas desse cidadão se limitar, sendo que o estado e a sociedade devem assumir parte dessa culpa.

 

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

 

A Revolução Industrial destruiu o antigo regime feudal e sua nova realidade trouxe perturbação, crise, e desordem. A partir dessa revolução, o homem vai sendo substituído pela máquina e a grande maioria começa a ser explorada pelos detentores das mesmas, tendo péssimas condições de trabalho e de vida, sendo essa massa de explorados chamada de proletários. A partir daí, a desigualdade começa a se atenuar, e os explorados, cansados de suas condições, começam a se organizar em sindicatos, fazendo greves e reivindicando por melhores condições e igualdade. 

Ao longo da história, muitos direitos foram conquistados e as condições de trabalho melhoraram significantemente, mas até hoje a desigualdade é um fator expressivo em nossa sociedade, onde parte dessa sociedade é composta por pessoas que vivem na total miséria, sem ter moradia, alimentos e meios mínimos para uma vida digna. Essa desigualdade a qual estamos tratando é chamada de desigualdade moral ou politica, como diz Rousseau (2005; p.31):

 

“Concebo na espécie humana duas espécies de desigualdade: uma, que chamo de natural ou física, porque é estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito, ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e que é estabelecida ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens. Consiste esta nos diferentes privilégios de que gozam alguns com prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros, ou mesmo fazerem-se obedecer por eles.”

 

Essa espécie de convenção autorizada pelo consentimento dos homens a qual Rousseau também trata é a organização da sociedade, que se faz por meio de um contrato com o governador, onde se tem direito e deveres, portanto, se a população doa parte de sua liberdade e tem deveres para com a sociedade, é certo que se exijam também os direitos fundamentais, mas os mesmos não são dados a todos. Isso acontece pois o interesse da minoria sobressai aos da maioria, fazendo o estado enfraquecer, como se pode analisar nesse trecho:

 

“Quando o vínculo social afrouxa e o Estado enfraquece; quando começam a sentir-se os interesses particulares e as pequenas sociedades a influir na grande, o interesse comum se altera, acha opositores, e não reina mais nos votos a unanimidade; a vontade geral não é a de todos, agitam-se contradições e debates, e o melhor parecer não voga sem disputas” (Rousseau, 2006, p.93/94).

 

Devido a esses aspectos, inúmeras pessoas em todo o mundo não tem uma vida digna, onde a falta de alimentos, roupas, educação, etc. e a intensa vivência em ambientes onde é comum o uso de drogas e entorpecentes fazem com que as mesmas se tornem criminosas, seja para poder comprar um pão para os filhos, pela revolta para com a sociedade e o estado, pela falta de emprego e meios de subsistência, e outros. Isso acaba se tornando um círculo vicioso, pois essas pessoas começam a criar os filhos em um ambiente inadequado, onde as crianças terão um crescimento inapropriado. Já dizia Aristóteles (2007, p.80):

 

 “Quem deseja o que é ignóbil e que se desenvolve rapidamente deve ser refreado a tempo, e isso se aplica sobretudo ao apetite e à criança, já que efetivamente as crianças vivem à mercê dos apetites, e nelas o desejo do que é agradável é mais forte. Se não forem preparadas para ser obedientes e submissas ao princípio racional, irão a grandes extremos, pois em um ser irracional o desejo do prazer é insaciável; além disso, o exercício do apetite aumenta-lhe a força inata, e quando os apetites são numerosos e violentos, acabam destruindo a própria capacidade de raciocinar.”

 

Daí entende-se que os filhos dependem muitos do que lhes é passado e a criação dos mesmos depende diretamente do comportamento dos pais, da preparação para serem submissos a eles; mas tendo em vista a má criação dos pais devido dificuldades socioeconômicas, as quais geram muitas outras dificuldades citadas anteriormente, percebe-se que esse ciclo parece não ter fim e que essas pessoas nunca conseguirão ascender na vida, tendo inúmeras limitações.

Então, segundo Eduardo Luiz Santos Cabette, essa limitação de condições sócio-econônimas impõe certo reconhecimento pela sociedade e pelo estado de um grau variável de corresponsabilidade pela conduta delituosa a que em parte foi o autor impelido por tais condições adversas. Daí começa o princípio da co-culpabilidade.

 

 

2.1 Do princípio da co-culpabilidade

 

 

O princípio da co-culpabilidade, de acordo com Luiz Cabette, mostra o grau de liberdade com que o agente contava ao seguir o caminho estreito do crime. Esse grau de liberdade é visto pelas condições de vida do autor do crime, sendo que muitas vezes faz-se necessário tal crime para o mesmo sobreviver, visto que o estado não cumpre seu papel de dar as condições necessárias para o bem estar de todos os cidadãos.

Priscila Costa, repórter da revista Consultor Jurídico fez uma pesquisa sobre a população carcerária de São Paulo, sendo esse o resultado encontrado:

 

“O último censo penitenciário feito em São Paulo (estado que concentra 34% da população carcerária do país), no ano de 2000, aponta que a maioria é presa por ter cometido crime contra o patrimônio. Em 2000, 47% da população carcerária em São Paulo foi condenada por roubo. O segundo maior índice é o crime de furto, 12%. O quadro não é diferente para os presos provisórios. O mesmo censo indica que 29% das prisões preventivas no estado de São Paulo são decretadas também para acusados por roubo. A segunda acusação, com 23% dos presos, é a de homicídio. 10% dos presos provisórios são acusados de furto.”.

 

De acordo com esses dados, podemos perceber que a grande maioria dos crimes cometidos é de roubo ou furto. Isso nos leva a refletir a que classe social pertence essas pessoas para precisarem cometer esse tipo de crime e quais dificuldades as mesmas estão passando, pois é certo que uma pessoa de classe média ou alta não tem necessidade de subtrair coisa alheia de alguém para uso e nem gostaria de fazê-lo. Isso também pode ser comprovado por Priscyla Costa, quando afirma que o criminoso padrão é pobre e sem formação cultural, sendo que de acordo com o censo penitenciário de 2000, feito em São Paulo, mostra que a maioria dos homens e das mulheres que estão presos tem o ensino fundamental incompleto e vivem nos subúrbios das grandes cidades.

E assim podemos perceber que os criminosos de hoje são os que estavam à margem da sociedade ontem, sem uma boa educação ou mesmo sem nenhuma, tendo que ajudar no sustento da família enquanto deveriam estar frequentando a escola, e desse modo, o estado deve assumir parte da culpa pelo cometimento de tais crimes, pois está explícito que seu objetivo não foi cumprido, de acordo com o artigo 3º, incisos 1,3 e 4 da Constituição Federal, que são, respectivamente: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”; “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”; “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O Brasil reconhece a co-culpabilidade através da doutrina e da jurisprudência. Fazer esse reconhecimento é muito importante, sendo que a vulnerabilidade social deve ser inversamente proporcional à culpabilidade. Assim, as pessoas tomariam mais consciência do mundo ao seu redor e veriam a importância do altruísmo para a sociedade, além de o estado também perceber que muitas coisas devem ser modificadas para o Brasil finalmente conseguir progredir, e não retroagir.

 

 

3 CONCLUSÃO

 

 

Conclui-se que a desigualdade social está diretamente ligada ao princípio da co-culpabilidade, sendo que esta culpa da sociedade e do estado se abrandaria de acordo com a diminuição das desigualdades. O estado deve se preocupar mais com o bem estar da sociedade como um todo e não só atender às necessidades das camadas mais altas e poderosas constituintes da minoria. Assim, se daria o verdadeiro sentido da necessidade de haver um estado para organizar a sociedade, promovendo uma melhora significativa quanta à violência, assaltos, etc, visto que é o desempregado e marginalizado que tem a necessidade de cometer roubos, furtos ou participação em atos violentos para conseguir fazer seu sustento e o dos que dele dependem.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Texto integral, tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2007.

 

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Saraiva, 13ª edição, 2012.

 

 

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Sociedade, desenvolvimento e liberdade. Conectando o pensamento econômico de Amartya Sen com o princípio jurídico- penal da co-culpabilidade. Disponível em: http://clubejus.com.br/?artigos&ver=2.17549. Acesso em: 04/04/2012.

 

 

COSTA, Priscyla. Estado deveria assumir co-culpabilidade pelos crimes. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-fev-21/numero-presos-diminuiria-estado-reconhecesse-parte-culpa. Acesso em: 05/04/2012.

 

 

MARTINS, Carlos Benedito. O Que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2001.

 

 

MARX e ENGELS. Manifesto do partido comunista. Texto integral, tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

 

 

NETO, Otacílio Gomes da Silva. Rousseau e a relação entre liberdade e propriedade. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/061/61neto.htm. Acesso em: 01/04/2012.

 

 

PINTO, Simone Matos Rios. O princípio da co-culpabilidade. Disponível em: http://www.ejef.tjmg.jus.br/home/files/publicacoes/artigos/0162008.pdf. Acesso em: 01/04/2012.

 

 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Texto integral, tradução: Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2005.

 

 

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Texto integral, tradução: Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2006.

 

 


[1] Discente do 1º ano do curso de Direito das Faculdades Integradas “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente. [email protected]

 

Download do artigo
Autor: Vivian Flores Branco


Artigos Relacionados


Crime De Amor...

Os Crimes Sexuais No Brasil

Encantadora

Voce Faz Parte De Minha História

Disfarce

Sedutora

Abandono