O menino e o curió
O MENINO E O CURIÓ
Me chamo Raimundo Pereira da Silva. Quer nome mais brasileiro que o meu? Sou Professor de Matemática e trabalho numa pequena escola do interior.
Um dia desses, domingo, estava eu sentado na área de minha casa, corrigindo atividades que havia proposto aos alunos do ensino fundamental, na Escola Padre Cícero, no Recanto dos Botos, Povoado do Brazilzão onde moro. Levantai os olhos para dar uma descansada na visão e, na rua em frente à minha casa vi passando Rodrigo, aluno do 6º ano da escola onde trabalho. Percebi que ele carregava uma pequena gaiola em suas mãos. Bem próximo do corpo, como se não quisesse que percebessem o que carregava. Mas dava pra ver que no interior da armadilha havia um pequeno pássaro. Gritei:
- Rodrigo! Chegue aqui. Me mostre o que tem ai!
O menino parou, relutou e, como já estava um pouco adiante de minha casa, fez meia volta e se aproximou.
Quando chegou perto de mim, já na área da casa, percebendo sua desconfiança, falei:
- Deixa eu ver o que tu tens aí? Olha que beleza, um Oryzoborus angolenzis!
- Não professor, isso é um Curió! Retrucou imediatamente o garoto.
- Você tem toda razão, este é realmente um curió. Mas, eu o chamei pelo seu nome científico, Oryzoborus angolenzis. Você sabia que na linguagem Tupi Guarani,Curió significa “Amigo do Homem”? Isso porque ele se adapta facilmente ao ambiente humano, não se importando com sua proximidade. Outra coisa: esta é uma ave da fauna brasileira que, devido a essa característica de docilidade, está ameaçado de extinção.
- O que é fauna brasileira e ameaçado de extinção, professor?
- A fauna brasileira significa toda vida animal do Brasil. Ou seja, aqueles animais que vivem soltos no mato, em todas as regiões brasileiras. E animal ameaçado de extinção é aquele que corre o risco de desaparecer da face da terra, por alguma razão. No caso do Curió, é devido ao seu comércio ilegal. Por que você pegou este passar Rodrigo? Para criar ou para vender?
- Oia fessô, eu gosto de criá, mas esse eu peguei pa vendê pu Berruga. Ele me falô qui ta juntano uns pa leva pa Sonpaulo...
- Você sabia que a cria ilegal dessas aves é crime e dá cadeia Rodrigo? Segundo o Art. 29 da Lei 9.605/98: matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécies da fauna silvestre nativa ou em rota migratória sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida. E tem pena prevista de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção, e multa? E tem mais: tanto quem pega pra criar quanto quem pega para vender está sujeito às mesmas penalidades...
- Fessô, num vô mais leva esse bicho não! Tô cum medo de sê preso. Vô solta ele aqui mermo!
- Não! Você deve soltar ele no mesmo lugar onde pegou. Se soltar aqui, outro pode pegar!
- Num vô não! Nesse sol quente, neeemmmmm!
- Bem, se você quiser, eu posso ir lá soltar ele pra você. Onde foi que o pegou?
- Lá perto da bêra do cipó. Aquele corguin qui tem lá perto da charca do seu Rumão!
- Tá bom! Falta pouca coisa pra eu corrigir. Aproveito e passo no posto pra abastecer o carro.
O menino colocou gaoilinha no peitoril da área e saiu correndo. Logo em seguida, coloquei o alçapão no banco do carona e sai. Passando pelo posto e abasteci. Mas,quando abri a porta do carro para sair, retomando a via que sai do povoado, eis que me acontece o imponderável: dou de cara com a viatura da Polícia Ambiental. Eles já pararam quase em minha frente, parecendo temer que eu arrancasse e fugisse. Um por um lado do carro e o outro pelo outro. Um falou com tom de autoridade:
- Desça do carro cidadão!
O outro, como numa situação de extremo perigo, colocou a mão sobre o coldre da arma e percebi que desafivelava a capa...
- Recebemos uma denuncia que tem alguém contrabandeando pássaros silvestres aqui e, justamente quando íamos passando por seu carro vimos a gaiola ai no banco. O tem ai?
- Olha policial, esse pássaro...
- Policial não, Sargento! Num ta vendo as divisar não?
- ... desculpe Sargento, mas o caso deste pássaro é o seguinte: eu sou Professor...
- AH! O senhor é professor? Muito bonito, um professor contrabandeando animais silvestres...
-...bem, estava ainda há pouco lá na área de minha casa e vi um de meus alunos passando com este pássaro, o chamei e o convenci a soltar o bichinho. Como ele não se dispôs a fazê-lo, eu mesmo me ofereci para...
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Há! Que tal cabo Stalone? que conversa bonita, heim? Olha meu jovem, o fato é o seguinte: você diz que é professor, não te conhecemos. Tu nem tem cara de professor e nós estamos fazendo nosso serviço. Tem alguém que possa comprovar tua história?
- Infelizmente não. Minha esposa estava deitada, eu estava sozinho na área lá de casa e mais ninguém viu!
- Alguem por aqui pode confirmar que você é professor?
- Acho que o rapaz do posto! Ele já estudou na escola que trabalho.
- Ei! Chega mais! Cê conhece o cidadão aqui?
- Ele vem veis in quandu aqui abastecê o carro... mais num lembro de...
- Ei, Ronisklei, você não o filho da Tonha do Baiano? Não é você que nos últimos três anos se matricula na escola e freqüenta apenas a primeira semana...?
Falei já aborrecido com a cara de descaso do frentista.
- Ahhhh! Sim, é o sinhô prufessô Remundo?
Nesse momento o sargento me olhava de cima a baixo. No meu short compridão, minha chinelinha de dedo, minha blusinha regata...
- Bem, senhor “professor”, o caso é o seguinte: embora o frentista ai te conheça, você tem ai uma carteira de professor? Assim, como nós temos a nossa. Essa, como foto e tudo?
- Não! Infelizmente professores não portam carteiras para se anunciarem como tal. Professores exercitam o magistério, regem a sala de aula e assim são reconhecidos.
- Bem, to vendo que o senhor ainda é metido a engraçadinho. Já que não tem a tal carteira que diga que realmente é um professor, vamos te enquadrar como traficante de animais silvestres. Você vai ser encaminhado até a delegacia, onde será lavrado o auto de apreensão da ave e o delegado, depois de fazer os procedimentos, irá estipular uma fiança pra você. É isso, ou vai ficar de 6 meses a dois anos no xilindra, meu velho!
Também, quem mandou não passar no concurso da polícia...
Por, Emivaldo Aires da Silva, Professor de História, Escola Estadual Machado de Assis, Araguanã – TO. (63) 9238-6131
Autor: Emivaldo Aires Da Silva
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