Direitos e deveres do preso a luz da constituição federal de 1988: uma visão crítica



 

A Constituição Brasileira de 1988 abraçou os direitos humanos, consagrando-os principalmente na parte de direitos e garantias fundamentais, mas, também se faz presente em outros títulos da carta maior, sendo exemplo disso, o artigo 1º, inciso III que diz ser “a dignidade da pessoa humana” um dos fundamentos da República constante na parte dos princípios fundamenteis.

A constitucionalização dos direitos humanos na parte dos direitos e garantias fundamentais, assim como em outras partes da lei máxima, é resultante direta de dois acontecimentos históricos:

       I.        A saída do Brasil de um regime militar violento, opressor e sanguinário, onde muitos foram presos, torturados, humilhados, e muitos outros foram covardemente assassinados. Diante desse triste e recente passado, os constituintes pensaram em positivar constitucionalmente esses direitos na tentativa desesperada de isso não mais acontecer em solo brasileiro.

  1.     II.        A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ratificada pelo Brasil, foi praticamente toda constitucionalizada em nossa carta magna, como disse, não somente na parte dos direitos e garantias fundamentais, mas também na parte de direitos sociais, políticos, etc.

 A Constituição de 1988 representou e representa até hoje, o maior avanço político, legislativo e jurídico da história do Brasil, deixando no passado eventos tenebrosos. Os ganhos foram enormes, a começar pelos direitos humanos, passando por muitos outros, e consolidando-se com os direitos sociais e ambientais.

É bem verdade, que nossa Constituição é magnífica, se comparar com outras cartas de países periféricos, mas, infelizmente, a efetivação desse conteúdo constitucional ainda é um desafio, pois muitas das vezes o próprio Estado Brasileiro descumpre os preceitos constitucionais e infraconstitucionais, enfraquecendo a construção axiológica nascente e/ou renascente, agora em um Estado Democrático de Direito.

Importante se faz saber que o artigo 4º e inciso II da Constituição de 1988, diz que “A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: prevalência dos direitos humanos.”

Contudo, no plano interno, a prevalência dos direitos humanos é incipiente, e também controverso, como exemplo temos as milhares de crianças que vão a óbito todos os anos no país, por não terem sequer, um teto para reclinar-se ou um pão para alimentar-se.

Outro estado crítico é, sem dúvida, a sobrevida dos apenados brasileiros, pois na maioria dos cárceres o convívio dos indivíduos é insalubre e indigno, contrariando a Declaração Universal dos Direitos Humanos e Constituição de 1988. Infelizmente o que se vê é a incúria de autoridades demagogas e hipócritas, que tem tratado esses seres humanos como se lixo fosse.

O caput do artigo 5º da Constituição quando determina: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza... e seu inciso III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Isso é válido inclusive para o preso, no entanto, o que se visualiza na vida simples, cotidiana e injusta da maioria das pobres, é que todos não são iguais perante e que a distinção existe sim, e é muito grande em todos os rincões desse estado e desse país.

Com relação ao sobredito no inciso III, pode-se afirmar que existe tratamento desumano e degradante sim, tanto nos locais destinados a presos provisórios, como nos locais de presos condenados.

O Brasil constantemente tem sido repreendido por organismos internacionais de direitos humanos, inclusive os vinculados a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OEA (Organização dos Estados Americanos), como um país onde a prática da tortura nos estabelecimentos penais ainda é muito grande, além de ser corriqueira.

O que se apreende do conteúdo até agora discutido, é o desrespeito total aos direitos de homens e mulheres que reclinam suas cabeças nos presídios de todas as unidades da federação.

Lenza (2011, p.919) escrevendo sobre os direitos dos presos elencado na Constituição, repete o texto constitucional dizendo: “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”.

Infelizmente tem que se dizer que os incisos supracitados não têm servido, no dia a dia dos cárceres, de garantia para a efetivação desses direitos humanos constitucionalizados. O descumprimento das normais constitucionais e infraconstitucionais em todo Brasil é uma realidade pulsante, e o que é mais cruel, pelo próprio Estado Democrático de Direito.

Nucci (2010, p. 409) quando escreve sobre o direito do preso à execução provisória da pena, coloca o seguinte: “Tem sido posição dominante, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, poder o condenado a pena privativa de liberdade executá-la provisoriamente, em especial quando pretende a progressão de regime, pleiteando a passagem do fechado para o semiaberto.”

O parágrafo anterior, como se percebe, é uma das coisas que tem entendimento majoritário no campo doutrinário e jurisprudencial. Isso é bom, pois é por meio de entendimentos desse tipo que o sistema pode começar a funcionar melhor e dentro da lei.

Ainda no artigo 5º da CF 88, pode-se levantar as seguintes garantias:

 XLVII - não haverá penas: e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

 Para completar a parte dos direitos dos presos, cita-se a Lei de Execução Penal:

 Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. (Incluído pela Lei nº 10.713, de 2003)

Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.

Art. 42 - Aplica-se ao preso provisório e ao submetido à medida de segurança, no que couber, o disposto nesta Seção.

Art. 43 - É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento.

Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo Juiz da execução.

 Os artigos 40, 41, 42 e 43 da Lei de Execução Penal (Lei nº Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) se compatibilizam perfeitamente com CF 88, pois tais artigos foram recepcionados pela carta maior, estando até o momento em vigor. Tais artigos detalham e clareiam do reais direitos garantidos no texto constitucional aos apenados.

Nesse último momento, vale ressaltar os deveres dos presos, pois não é possível que um sistema prisional subsista somente com direitos, sem que os detentos tenham que cumprir regras específicas do sistema jurídico e do sistema penitenciário, por exemplo.

Os deveres dos presos passam necessariamente pelo exercício dos seus direitos, pois direitos e deveres estão interligados e relacionam diariamente, pois os presos tem direitos constitucionais, mas também têm deveres para com os sistemas aos quais estão subordinados.

Cita-se os artigos da Lei de Execução Penal que tratam dos deveres do presos:

 Art. 38. Cumpre ao condenado, além das obrigações legais inerentes ao seu estado, submeter-se às normas de execução da pena.

Art. 39. Constituem deveres do condenado:

I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;

II - obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;

III - urbanidade e respeito no trato com os demais condenados;

IV - conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;

V - execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas;

VI - submissão à sanção disciplinar imposta;

VII - indenização à vitima ou aos seus sucessores;

VIII - indenização ao Estado, quando possível, das despesas realizadas com a sua manutenção, mediante desconto proporcional da remuneração do trabalho;

IX - higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento;

X - conservação dos objetos de uso pessoal.

Parágrafo único. Aplica-se ao preso provisório, no que couber, o disposto neste artigo.

 Deve-se observar que os artigos citados acima, são necessários para que o preso possa andar com retidão dentro do estabelecimento penal, e pagar suas dívidas com a sociedade e com o sistema judiciário.

O apenado deve atentar diariamente para a disciplina, a organização e o bom desempenho de suas atividades, sob pena de incorrer em atos de indisciplina, e agravar sua situação junto a vara de execução penal.

O preso antes de cometer o crime tinha o dever de cumprir as leis, como não o fez, e agora está pagando sua dívida com a sociedade, ele deve necessariamente cumprir as normas do estabelecimento penal, assim como a lei de execução penal.

É importante, frisar que o preso é um ser humano e precisa, como a constituição preceitua, ser tratado com dignidade. Por outro lado, esse ser humano está pagando pelo erro que cometeu contra a sociedade, e, por isso, além de cumprir sua pena, tem que cumprir com os seus deveres de apenado.

Por fim, vale ressaltar, que assim como os direitos dos presos não são respeitados integralmente (como já discutido) nesse país; os deveres também não são cumpridos na íntegra em maioria dos estabelecimentos carcerários, especialmente os estaduais, tanto por livre decisão do preso, quanto pelo descaso dos agentes públicos que deveriam zelar pelo cumprimento dos deveres do preso e não o fazem.


REFERÊNCIAS

 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

Acesso em: 07/04/2012

________. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7210.htm

Acesso em: 07/04/2012

_________. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm

Acesso em: 07/04/2012

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.


Autor: Ney Silva


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