Névoa e fumaça



                Foi há muito tempo que isso ocorreu.

                Eu estava na floresta morta. Meus pés se queimavam nas cinzas e era tudo escuro. Em meu corpo furado e em meus torpes devaneios, eu era Tirésias.

                Então ele veio. Ele era como luz, que iluminava meu caminho. Não era mais Tirésias e não mais floresta havia. Em seu lugar, uma estrada. Ele era Febo,em sua solar carruagem,e eu era Cassandra.

                E eu segui meus Hélios, minha chama, minha vida. Eu era Fênix renascida, fogo redivivo. De minhas cinzas me despi e não mais fumaça havia. Em minhas purulentas feridas, ele era Esculápio, e curava-me.

                Delfíno era; mas eu era Pinotisa, e ao mesmo tempo Píton. Porém Píton se ocultava de mim, e somente meu Febo sentia-a se movimentando.

                E ele me curou e me purificou. Não mais cinzenta, antes alva tornara-me. Eu era Selene, e era Diana e forte ele era, meu caçador, meu Órion e meu Lício.

                Entretanto em mim Píton moveu-se e somente meu Febo a sentiu. E a Píton se trans-figurou em escorpião e ao meu belo caçador feriu.

                E meu Órion morreu. E o escorpião sobre Febo avançou. Mas não como Herácles o derrotou; antes enquanto Lício sobre mim o atiçou. E ele feriu meu ventre, e seu veneno queimou-me.

                Não mais Diana era, pois impura tornara-me. Minha alvície estava de sangue tinta. Eu poderia ter sido Ariadne e ele Baco. Mas agora Febo extinguiu-se e ele era Pã. E eu, sua ninfa, dançava, apesar da horrenda face e da dor, por não poder virar caniço. Eu era sua flauta, mas de mim nenhum som saía. E sua podridão chegava as minhas narinas, e mais me contaminava. Eu era Édipo, pois causara tal desgraça, e era Jocasta.

                E uma onda me atingiu e me feriu e me arranhou. Ele era Poseidon e eu era Medusa, Górgona maldita, recriminada pelos homens, pelas Erínias e por Atena.

                Fui lançada de novo na floresta Morta. Ao meu redor, as Eumênides se lançavam. Alecto feriu-me, mas não sangrei. Antes, em mim estancou meu sangue, sendo este o meu infortúnio.

                Pois em meu dorso se formou minha rocha, minha Ismênia e Antígone. Pulei no Estige, meu rio de dor, e fui levada até o Tártaro dos homens.

                Remei com Caronte, minha dor, meu amigo, até a terra Obscura. Tentei me desfazer de minha rocha e da liberdade provar teu fruto, mas eu era Sísifo e Tântalo.

                Naquele reino, eu era Prosérpina e ele era Hades, minha reminiscência fria, minha Me- gaira, minha Fúria.

                Como Prosérpina, era Cora, e de mim Demetra cobrou seu preço. E a superfície subi e vi no céu meu Órion, meu Herácles e meu escorpião e Píton

Distantes estavam; e ao meu lado minha rocha e minha Esfinge. Eu era Édipo, mas para tal questionamento em minha vida resposta não achara.

E a esfinge, meu Órion e meu Febo, sorriu e devorou-me.                  

XXX

Acordei na sarjeta, com o cheiro de fumaça e a seringa ainda na mão. Uma dor tomava conta de minha barriga.

Sorri.

Pois Ismênia não mais encerrava-se em mim.


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