Possibilidades dos métodos de história oral na produção historiográfica



POSSIBILIDADES DOS MÉTODOS DE HISTÓRIA ORAL NA PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA – Professor Me. Ciro J. Toaldo

 

  

Marieta de Moraes Ferreira  em  seu livro “Entre-vistas: a aborgens  e usos da História Oral”, argumenta que “a discussão acerca dos problemas metodológicos da história oral tem despertado pouco interesse entre os historiadores, pois, com a consolidação da disciplina da história e a profissionalização do historiador no século XIX,  impuseram o domínio absoluto dos documentos escritos como fonte, em detrimento da tradição oral, expulsando a memória em favor do fato.” (pág. 01)

Após ter desfrutado de amplo prestígio durante todo o século XIX, este modelo entrou em processo de declínio. A fundação, na França da revista dos Annales, em 1929 impulsiona um profundo movimento de transformação no campo da história. Passou a se  questionar a hegemonia da história política e a se defender uma nova concepção, em que o econômico e social ocupam lugar privilegiado.

Mas será na virada dos anos 70 e no decurso da década de 80 registraram-se transformações expressivas nos diferentes campos de pesquisa histórica: incorporou-se o  estudo de temas contemporâneos, revalorizou-se a análise qualitativa, resgatou-se a importância das experiências individuais, ou seja, depois de uma longa predominância da história estrutural e da desvalorização da análise do papel dos indivíduos e, consequentemente, do uso de relatórios pessoais das histórias de vida e das biografias, esse quadro alterou-se de forma radical. A comunidade acadêmica em particular, e a sociedade de modo geral, têm demonstrado um interesse crescente pela recuperação da memória coletiva e individual  e pela valorização do papel do sujeito na história. A memória é também uma construção do passado, mas pautada em emoções e vivências; ela é flexível, e os ventos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente.

Neste direção, Roger Chartier, na introdução de seu livro “A História cultural”, alerta para o grande desafio para o pesquisador do tempo presente: “é fundamental a articulação entre, de um lado, a descrição e percepção dos atores, e, de outro, a identificação das determinações e das interdependências desconhecidas que tecem os laços sociais”.

Paul Thompson, figura proeminente no “movimento” da história oral, defende o valor das fontes orais na história social moderna, como proporcionando presença histórica àquelas, cujos pontos de vista e valores são demarcados pela “história vista de cima”, escreve “a geração mais velha dos historiadores que ocupam as cátedras e detêm as rédeas é instintivamente apreensiva em relação ao advento de um novo método. Isso implica que eles não mais comandem os jovens que percorrem as ruas com seus gravadores” .( Burker, 1992: 165 )

A história oral é legitima como fonte porque não induz a mais erros do que outras fontes documentais históricas. O conteúdo de uma correspondência não é menos sujeito a distorções fatuais do que uma entrevista gravada. A diferença básica é que, enquanto no primeiro caso a ideologia se cristaliza em um momento qualquer do passado, na história oral a versão representa a ideologia em movimento e tem a particularidade, não necessariamente  negativa de “reconstruir” e totalizar, reinterpretar o fato. A história oral tem também o mérito singular de introduzir o pesquisador na construção da versão, o que significa introjetar no documento produzido o controle sistemático da produção da própria fonte. E induz a afirmar que a contribuição da história oral será cada vez maior na sociedade do futuro, na qual as fontes não-escritas tendem a perder terreno e as fontes orais vão se tornar cada vez mais confiáveis e fidedignas( Aspásia Camargo, na apresentação do livro História Oral, a experiência do CPDOC/FGV ).

Em abril de 1994, foi realizado no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC - da Fundação Getúlio Vargas – FGV – no Rio de Janeiro, o segundo  encontro  Nacional de História Oral, onde foi criada a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL,  demonstrando que na produção historiográfica essa corrente é valorizada. Marieta de Moraes Ferreira afirma que a expansão  da história Oral no Brasil, até o começo dos anos 90, mostrou-se limitada, contudo, lembra do CPDOC/FGV criado em1975, que passou a captar depoimentos da elite política nacional.. Contudo, a História Oral ainda não merecia figurar nos currículos dos cursos universitários. Era objeto de pouca reflexão metodológica específica e nem constava nas programações de seminários e simpósios.

No entanto, na última década do século XX o quadro vem se alterando de forma substantiva, indicando um crescimento inusitado da História Oral. Diferentes fatores podem explicar esse clima favorável na utilização dos métodos da História Oral na produção historiográfica, tais como: uma nova articulação acadêmica que tem se empenhado na organização de encontros de História Oral e a própria  criação da Associação Brasileira de história Oral, mas o elemento explicativo mais forte pode ser detectado a partir de uma forte demanda social.

A metodologia da História Oral constitui um, espaço privilegiado para uma reflexão sobre as modalidades e os mecanismos de incorporação do social pelos indivíduos de uma mesma formação social. Os relatos pessoais, matéria-prima da História Oral, constituem um lugar para verificar a liberdade de que as pessoas dispõem e para se observar como funcionam concretamente os sistemas normativos. São essas questões que explicam a vitalidade e a demanda de que a História Oral é alvo na atualidade.

Verena Alberti, no seu livro História Oral : a experiência do CPDOC, coloca que por se tratar de um método de pesquisa, a História Oral só se justifica se no  contexto de uma investigação científica, onde deve existir um Projeto de Pesquisa previamente definido e este se articule com os métodos de pesquisa da História Oral.

Antes mesmo  de pensar em História Oral é preciso saber muito bem os conteúdos da pesquisa. ter clareza naquilo que se pretende investigar. “Assim, um projeto de pesquisa institucional que dê conta, ao mesmo tempo, dos objetivos da pesquisa e da constituição da documentação, é fundamental para a implantação de um programa e para o seu desenvolvimento de seus trabalhos. Sem ele é impossível resolver que procedimentos serão adotados em todas as etapas a serem cumpridas: quem, como e quantos entrevistar, o que pesquisar e como fazer os roteiros, qual a duração das entrevistas, quantos profissionais estarão envolvidos e quais serão suas especialidades, como processar os documentos e, finalmente, como catalogar e organizar o acervo.” (Alberti, 1990.p.12)

Ecléia Bosi, em “Lembranças de Velhos” ( Livro Memória e Sociedade), entrevista 8 personagens, dentro do método da História Oral. Este livro é mais uma importante obra dentro da historiografia oral, mostrando que as possibilidades de aplicação da História Oral é possível.

A respeito do uso da História Oral, as palavras de José Carlos Sebe Bom Meihy, são relevantes para validar  utilização desse recurso historiográfico: “ Como pressuposto, a história oral implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. A presença do passado no presente imediato das pessoas é razão de ser da história oral. Nesta medida, a história oral não só oferece uma mudança para o conceito de história, mas, mais do que isto, garante sentido social à vida de depoentes e leitores que passam a entender a seqüência histórica e a sentirem –se parte do contexto em que vivem”  (1996, p. 10).

O professor Osvaldo Zorzato em suas “Anotações sobre a História Oral”: Vive-se, hoje, aquilo que convencionou-se chamar a ‘crise dos paradigmas’ que tem afetado as ciências sociais como um todo. O fim de um certo ‘monoteísmo teórico’ resultou na perda de referência para muitos pensadores. Mas isto permitiu o afloramento e o desdobramento de um bom número de formas de pensar e repensar o rico universo das experiências humanas. No campo da história, a chamada história oral parece ser uma dessas formas.” (1992, p.7)

Pelo exposto, ainda que objeto de poucos estudos metodológicos mais consistentes,  a história oral, não como uma disciplina, mas como um método de pesquisa que produz uma fonte especial, tem-se revelado um instrumento importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão da construção das estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos em uma dada sociedade.

 

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Autor: Ciro Toaldo


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