Interdisciplinaridade: discurso ou praxiologia docente



 

Introdução

“A capacitação e o desenvolvimento das habilidades para a docência que se espera na educação contemporânea, se constitui necessariamente em praxiologias docentes que contemplem a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a atitude de eternos aprendizes.“

 

                        Circundam nos meios acadêmicos, pesquisas e trabalhos de teóricos e educadores, articulações e discussões sobre as tendências epistemológicas e metodológicas como alternância a uma educação que se faz necessária para o século XXI. Nestas possíveis aplicações, embora ainda não se tenha uma métrica padrão estabelecida, a questão da interdisciplinaridade, bem como da transdisciplinaridade, tem promovido debates e questionamentos se estes paradigmas seriam considerados novos paradigmas ou possíveis retomadas às categorias epistemológicas existentes desde o início dos séculos a.C., quando Platão, Sócrates e seus discípulos detinham os conhecimentos abrangentes sobre as ciências, muito antes de o modelo cartesiano ser implantado nos meios educacionais.

Se o uso de tais metodologias ou epistemologias numa perspectiva teórica da complexidade sugere um movimento convergente para que se faça uma revisão sistemática das propostas de produção do conhecimento como alternativas ao paradigma dominante, dicotomizado, cartesiano, hiperespecializado, também sugere que estas discussões saiam do conforto do discurso pragmático e se embale no dorso altivo da praxiologia docente, para então se começar a vislumbrar matizes dessa educação que se vislumbra para o século XXI. Soethe (2003)

Muitos pensadores, discutindo a teoria da complexidade, movendo-se em direção a interdisciplinar visão contemporânea da interpretação dos fenômenos observáveis, têm promovido um movimento científico que privilegia, senão o nascimento de novos paradigmas, pelo menos, a retomada de velhos ideais não lineares de se fazer ciência. Entre os teóricos, Edgar Morin (pensamento complexo e os sete saberes necessários à educação do futuro), Edward Norton Lorenz(1917-2008) (efeito borboleta), Ilya Prigogine (1917-2003) (teoria das estruturas dissipativas), Karl Ludwig Von Bertalanffy (1901-1972) (teoria geral dos sistemas), unanimemente acreditavam que o todo seria maior que a soma das partes, isto é, que uma visão interdisciplinar de se fazer ciência levaria o Homem a reconhecer qualidades, que não são vistas na composição da visão disciplinar e unilateral de cada ciência. Estes pensamentos vêm articulando sistematicamente alternativas para superação das possíveis debilidades do pensamento reducionista disciplinar atuante no ementário educacional contemporâneo, numa clara e verdadeira especialização excessiva, tornando o ensino, segundo Japiassu (1976), uma patologia do saber. Leal (1996) Lorenz (1993)

No cenário nacional, desde a década de 70, se discute as interdisciplinaridades e transdisciplinaridades no contexto do surgimento das novas ciências e nas mudanças de paradigmas educacionais. Alguns expoentes como os trabalhos de Ivani Fazenda (2006), PUC-SP, Hilton Japiassu, PUC-RJ, e em Portugal, Olga Pombo, University of Lisbon, deixam bem claro que a discussão está apenas começando, embora alguns frutos já estejam sendo colhidos.

Longe ainda de um fractal utilização sistematizada nos meios acadêmicos por metodologias que privilegiem a descentração e a característica relativa do ensino transdisciplinar, cresce nos desejos docentes, a consciência de uma praxiologia baseada na construção de modelos, de fórmulas e soluções que sugerem o uso intensivo do arsenal multifacetado e diversificado das ciências e sua comunhão epistemológica. Nicolescu (2001)

Mais e mais cientistas, pesquisadores, professores universitários e docentes dos ensinos básico, fundamental e médio, buscam o estudo dos fenômenos, misturando conceitos, epistemologias, hibridização e mestiçagem de métodos e teorias, ultrapassando as fronteiras dicotômicas disciplinares, para considerar contextos mais totalizantes e globalizantes, num movimento de desinsularização das disciplinas. Mesmo que muitas vezes ocorram incoerências científicas, ambigüidades nos pareceres, é uma prática que se avoluma e se aprofunda dentro de perspectivas epistemológicas transdisciplinares e interdisciplinares e de possíveis práticas pedagógicas capazes de responder aos anseios das hipóteses e questões de pesquisa. Jantsch (1995)

Mas o que é discurso e o que é praxiologia docente na implantação de cultura inter ou transdisciplinar nos meios educacionais?

Pensamento científico disciplinar

O conceito do que é disciplinar é tão antigo quanto cartesiano, e implicava necessariamente em fragmentar a realidade em segmentos onde a ciência pudesse se tornar objeto de observação científica cada vez mais fragmentada e conseqüentemente o objeto de conhecimento erigido por leis e teorias epistemológicas cada vez mais reduzidas. E este conhecimento racional, sob o ponto de vista da análise e da síntese, segundo Locke (1988), numa simplificação reducionista, conceberia o conhecimento como uma especialização, caminhando contra a ideia da visão totalizadora das ciências.

Desta maneira, a estratégia utilizada pela metodologia baseada fundamentalmente na experiência foi o desenvolvimento paulatino e crescente da noção de especialização, privilegiando a “perfuração vertical” e epistemológica em detrimento da abertura das análises e sínteses mais abrangentes e totalizadoras nos estudos dos fenômenos observáveis.

Na contramão do movimento de criação cada vez mais delimitado das ciências, os grandes cientistas, tanto na fase renascentista (Da Vinci), quanto no período iluminista do enciclopedismo (movimento filosófico-cultural que buscava catalogar o conhecimento humano), onde se permitiam formações tão adversas quanto contraditórias como filosofia, física, química, matemática, astronomia, biólogos, artistas plásticos, e até literatos, serviam como exemplo de como os saberes podiam ser vistos como parte de uma totalidade mais ampliada da produção do conhecimento. Silva (2001)

Historicamente, a super valorização, no campo científico, de produção em subdivisões da ciência em partições disciplinares, tomou força e velocidade no período mecanicista da história que começou a privilegiar a aprendizagem técnica em detrimento da observação de um fragmento do objeto, tornando o sujeito científico cada vez mais especialista.

Muito antes disso, no início dos séculos d.C. na Roma Antiga, a relação entre mestre (magister) e seus discípulos (discipuli), se encaminhava para estabelecer os princípios de uma filosofia de aprendizagem em função de determinar escolas como classificação epistemológica. Sendo assim, os seguidores dos grandes mestres optavam por uma escola filosófica, contida numa ação de aprender, instruir e ensinar, segundo os preceitos de uma corrente epistemológica que evoluiu, distanciando-se uma das outras.

No século XIV, com o surgimento das primeiras universidades, sob forte contexto escolástico (religioso), instituíram-se o conceito de disciplina, designada como matéria, que mais tarde se chamaria de ciência. O avanço científico, portanto das ciências foi o modelo epistemológico reducionista cartesiano que passou a tratar ciência como uma corrente específica do pensamento e a observação dos fenômenos reduzidos a um objeto simples. Este reducionismo atravessou toda a fase industrial e cada vez mais, diminuindo cientificamente o foco do objeto de estudo. Colaboraram mais ainda as sucessivas descobertas científicas nos campos das tecnologias e metodologias para um novo paradigma que se instalaria por todo o ocidente – disciplinaridade. Quanto mais especialista for o estudo ou o estudioso, mais credibilidade teria seu trabalho científico. Minayo (1992)

Sua institucionalização transcorreu sem nenhum trauma paradigmático, até que as proposições de tais especializações começaram a não mais dar conta do objeto observado, necessitando reconhecer que para determinados casos seriam necessárias a prognóstica colaboração de duas ou mais ciências a serviço da análise e da síntese, inda mais se considerar que tudo que está no mundo social-histórico é indissolúvel e entrelaçado com o simbólico. (Castoriadis, 2000)

Tudo começou a ser esclarecido, quanto certo, que ciências advindas do hibridismo e da mestiçagem começassem a provocar mudanças em seus enunciados epistemológicos fundamentais, recorrendo aos fundamentos da abordagem analítica. Nesta perspectiva, produzir conhecimento não era mais possível tendo em vista que a fragmentação exposta, cartesiana, disciplinar, não permitiria a composição ou montagem de seus construtos epistemológicos. (Morin, 2003)

Epistemologias híbridas e mestiças

Ocorre que, as estratégias utilizadas nos experimentos científicos para análise segundo suas epistemologias não respondiam mais as múltiplas determinações exigidas pelas ciências, necessitando, portanto, de uma alternativa que fosse menos monotemática. É necessário, portanto, avançar e “abrir” as ciências em diálogo, entrelaçando suas epistemologias, seus repertórios de técnicas e procedimentos, que sozinhos não mais dão conta das observações. Cada vez mais se ouve falar em trabalhos de pesquisa interdisciplinar entre pesquisadores com contornos bastante diferenciados e que conseguem dialogar e encontrar aderências no plano científico, o que é bom por um lado, entretanto, por outro, os trabalhos começam a destroçar possibilidade de permanência das disciplinas em seu plano físico, por se tornarem esvaziadas, necessitando obrigatoriamente de uma ampla discussão epistemológica, para reposicionamento das disciplinas menos especializadas e mais abrangentes. Não se trata de unificar ciências, é preciso rever construtos, epistemologias, tratados. Como exemplo pode-se citar as novas disciplinas das ciências que surgem da técnica com a metodologia, da tecnologia com as biociências, e das matemáticas aplicadas às outras ciências como construto de formulações e resoluções matemáticas na busca da demonstração clássica dos enunciados científicos formais. Trata-se de reconhecer em si mesmo e nos outros não só os saberes teóricos, mas os práticos, existenciais. (Sommerman, 2006)

Já estamos a mais de duas décadas, desenvolvendo no campo científico mudanças de configuração na construção de modelos, teorias, fórmulas e conceitos que avançam para as outras necessidades de hibridização e mestiçagem. Segundo Capra (1999), tudo tem uma ligação ecológica ou científica, e não se pode visualizar com olhar clínico de uma só ciência.

Como se não bastassem às aplicações das novas nascentes de ciências nos problemas antigos, surgem novos objetos científicos, sociais, de comportamento, que exigem das ciências pareceres igualmente científicos. Como as novas ciências ainda não possuem maturidade para estes estudos, uma discussão sem precedentes estão pulverizando nossas universidades e institutos de pesquisa. Um clássico exemplo dessas discussões é a questão do uso das tecnologias na relação ensino-aprendizagem. Não importa mais estudar os efeitos da tecnologia nesta relação e sim como podemos resolver os problemas práticos da nossa civilização tais como: educação para todos, acesso indiscriminado as tecnologias, preços reduzidos dos equipamentos e programas de computador, mercado de trabalho e acesso irrestrito aos saberes.

Novas ciências, novas docências

No cenário entre as mutações das várias ciências ocorrendo em nosso tempo, a preocupação que parece unânime em todos os contextos é, sem dúvida alguma, a questão do domínio dos métodos e das práticas educacionais para utilização das novas ciências que emergem na sociedade e nos meios acadêmicos mais precisamente. As universidades para dar conta dessa relação ensino-aprendizagem submetem os docentes aos constantes cursos de educação continuada, pois que sempre haverá uma nova ideia, técnica ou metodologia para ser apreendida pela docência, em qualquer nível e série analisada.

Ocorre que, estando à universidade longe do mercado e, portanto, do objeto de observação, o docente não encontra com facilidade o meio experimental de que necessita para desenvolver seus estudos de pesquisa e recorre, portanto ao conhecimento que os alunos trazem desse mercado. Nas ciências advindas do mercado, necessariamente, elas são supostamente atendidas por profissionais professores deste mesmo mercado. Tais mercados como administração, economia, contabilidade, gestão do conhecimento, ciências da informação, informática, e tantas outras, buscam diminuir o distanciamento existente entre a universidade e o mercado de corporações e empresas. Os insucessos somados a esse distanciamento são uma das causas prováveis de tanto nascimento de universidades corporativas que encontram nesta possibilidade, diminuir este distanciamento e resolver de vez com a questão da capacitação e formação de seus indivíduos pela via formal, sob o ponto de vista acadêmico.  Lück (2000)

Noutras ciências, ditas puras como: física, biologia, química, engenharias, educação, sociologia, psicologia, e tantas outras, são por excelência campos do saber que pouco ou quase nada interagem com o mercado, podendo desenvolver seus estudos em laboratórios próprios ou em parcerias com institutos de assuntos correlatos. As áreas mais afetadas pelas mudanças de paradigmas são aquelas que, unidas numa só, buscam refazer seus construtos epistemológicos.

As ciências ditas novas, como a biomecânica, eletro-eletrônica, neurociências, psicolingüística, e tantas outras, possuem em suas novas formulações conceitos e categorias epistemológicas próprias e que se articulam entre as ciências das quais se originaram dando novos saberes e exigindo dos professores novas posturas para exercício da docência. Novos conhecimentos demandam novas formações na docência e na programação dos ementários, levando os professores a novas preparações exigidas pelo novo pensamento que compartilha dos campos de saberes das disciplinas originárias. E como tudo está interligado, munido de interatividade, a essência da autopoiese preconizada por Maturana, (2001), demonstra por analogia que somos essencialmente seres sociais e que aprendemos naturalmente uns com os outros, e que se pode alterar a todo o momento não só o conhecimento disciplinado, mas as metodologias pelas quais se produz e constrói este conhecimento. Portanto, novas ciências exigem novas ontologias da realidade.

Também nas escolas de ensino básico, fundamental e médio, os professores passam pelas mesmas alterações nos programas e ementários das Secretarias de Ensino. Pressionados pelos programas nacionais advindos da perspectiva enunciada nas novas diretrizes e bases para educação, onde a interdisciplinaridade é vista como um avanço necessário para uma nova compreensão do mundo, os gestores de escolas públicas e privadas se sentem pressionados pelo corpo docente e pelos alunos, a realizarem mudanças drásticas na composição dos saberes para se adequarem a uma nova realidade.

Também pressionados pelo alunato que chega à escola com uma avançada tecnologia de informação e comunicação, necessitando compreender os avanços tecnológicos e tentando encontrar razões de inserção desta tecnologia, para que o aluno encontre o sentido de querer aprender (sensemaking), este professor sente dificuldades inerentes a sua docência, posto que não fora preparado para tais realidades, e se vê, de repente, com duas verdades distintas, alterando seu universo docente: interdisciplinaridade e pesquisa científica em sala de aula.

Quanto mais experiências no âmbito educacional, privilegiado pelas circunstâncias tecnológicas que são expostas diariamente, melhor será para o aluno, posto que a vivência às ocorrências fenomenológicas científicas ocorridas no espaço educacional permitirá responder inúmeros questionamentos, que de outra maneira, teórica, não seriam possíveis, ou levariam tempo demais.

Certo disso, o docente, ao oportunizar tais ambientes de experimentação também se vê em situações novas, onde precisará de integração de distintos campos disciplinares, para responder as necessidades de pesquisa. Desta forma, os docentes, devem se colocar a disposição, na forma interdisciplinar, de oferecer seus conhecimentos e campos epistemológicos a serviço das explicações exigidas pelas ciências envolvidas.

Surge neste contexto ambiental escolar o desejo de toda a comunidade de professores, profundas reformulações que os habilitem a recomporem seus redutos epistemológicos, em detrimento de uma nova ordem, que privilegie uma aprendizagem mais autêntica, expoente, significativa (Ausubel, 2003), rico em questionamentos, baseada na pesquisa feita pelo aluno, que já tem o domínio da tecnologia e que precisa encontrar uma utilização mais eficaz para os propósitos educacionais.

Os gestores de escolas e universidades possuem o desafio da mobilização de suas equipes para vivenciar as mudanças que precisam ocorrer, frente à prevalência, no âmbito escolar, de superações reducionistas que fragmentam a realidade e engessam as ciências. Mas para lidar com essas contradições, é preciso o apoio do olhar da complexidade sobre a escola, posto que a gestão precise lidar com níveis de imprevisibilidade e incertezas, mas que encontra no seu corpo docente o apoio e a estrutura adequada para a transição ou transposição das práticas pedagógicas vigentes para metodologias dialógicas em que alunos e professores encontrem em si mesmos as produções e construções do conhecimento de ambos, e que em suas novas abordagens vislumbrem a competência como cenário possível para as mudanças paradigmáticas possíveis. (Perrenoud, 2000)

Mas como os professores e pais vêem, hoje em dia, esta nova vertente do ensino-aprendizagem que privilegia o estudo dos fenômenos observáveis, baseado mais na experimentação do que na argumentação teórica ou dialética?

Esta é uma questão que ainda não sabemos quais são suas implicações mais a frente. O que se pode afirmar, contudo, é que alguns sintomas de melhoria começam a se vislumbrar, quando se analisam os resultados dos alunos que tiveram estes enunciados na educação. Escolas que já implantaram este modelo educacional se vangloriam dos resultados dos seus alunos nas entradas das universidades, com índices bastante representativos de aprovação. Certo ou errado, quanto à metodologia ou objetivos, é que a quebra dos paradigmas advindos da necessidade de se ver o mundo com olhos mais totalizantes e menos especialistas, impulsionadas pelas próprias necessidades oriundas das ciências, que migrando para situações menos especialistas e cartesianas, juntam-se às alternativas de campos disciplinares que se somam para construírem um novo saber ou visão mais sistêmica da observação e produção de conhecimento. Segundo Morin (2003), os níveis de complexidade das sociedades contemporâneas necessitam de estudos inter-poli-transdisciplinares para resultar em análises satisfatórias de tais complexidades.

Geração Y, X, Z, e a aprendizagem

Paralelamente aos paradigmas dos docentes a serem superados quanto a sua formação, por estarem vivenciado transições e mudanças praxiológicas, também os alunos enfrentam seus receios quanto à enorme variedade de possibilidades e inter-relações que são vivenciadas desde cedo. Estes medos diante das tecnologias, não estão ligados ao uso que eles fazem da mesma, visto que são naturalmente digitais, e apelidados de “nativos digitais”, ou geração X, Y, e mais recentemente Z. Senge (1994)

Os nascidos na década de 80 e 90 possuem características de uma época de grandes transformações sociais, políticas, econômicas e científicas, principalmente, àquelas ligadas às tecnologias. São extremamente exigentes, cresceram numa sociedade de disputa, de carreira, de certo egoísmo frenético, são pacifistas, por natureza, embora seus passatempos prediletos sejam os jogos de guerra, são consumistas de tecnologias, cuidam de suas carreiras desde cedo, estudam com mais naturalidade e continuam estudando mesmo após a universidade. Possuem forte conceito de educação continuada. Para eles a educação à distância não é um mistério a ser desvendado, mas uma metodologia que precisa ser menos evasiva, mais criativa e menos ortodoxa. Nós que estamos passando pela transição é que costumamos a complicar seus mecanismos e entendimentos. E se existe algo de novo que possa surgir “é através das crianças que o novo virá, são eles que trarão as respostas que não encontramos”, (D’Ambrósio, 1998).

Entendem facilmente a interdisciplinaridade pelas próprias posturas que praticaram diante das correlações de ciências, das vivências em comunidades sociais, das experiências com amizades virtuais. As experiências científicas em sala de aula são vistas como interessantes, educativas, e producentes. Mas os modelos de avaliação que cobram esta construção de conhecimento ainda são retrógrados, antiquados e poucos traduzem os níveis de aprendizagem que os alunos obtiveram.

Encontrar razões que levem os alunos a se interessarem pela pesquisa científica e pela aprendizagem significativa é o grande desafio docente de nossa era. Não se trata de metodologias, técnicas ou práticas pedagógicas e sim de posturas docentes diante da praticidade do saber e da praxiologia tão necessária ao aprendizado. Os alunos vêem de uma cultura onde tudo é explicado na forma de regras de um jogo eletrônico bem definido, ou de armadilhas que eles precisam conhecer para vencer tais inimigos virtuais. Como as ciências se protegem diante de seus construtos epistemológicos e buscam fortalecer seus pareceres para continuarem a existir, também os alunos precisam de uma regra distinta, de senso prático, do que, do como, e pra que, aprender, a ciência precisa fazer sentido, ou não será apreendida.

Os alunos da atualidade são naturalmente polivalentes, assumem várias tarefas ao mesmo tempo, são dialéticos naturais, espontâneos, ao mesmo tempo em que lêem um livro, ouvem música, falam no celular, conversam nas comunidades virtuais, fazem pesquisa pra escola, a TV ligada, isso dá a eles a sensação de que não estão sozinhos. “Deve ser por isso que os alunos acham a escola um lugar chato porque as tarefas são realizadas uma de cada vez e, assim, ficam contando os segundos para terminar o tempo de aula”. Se há necessidade de rever a ciência do ensinar, a tecnologia está mostrando outro viés possível para a aprendizagem. Há quem diga que a revolução educacional já começou, e ela iniciou-se pelos próprios alunos, que em silêncio, estão alterando o atual modelo educacional, quer sejam pelos resultados nas avaliações, pelas informações que trocam nas redes e comunidades, pela evasão muito alta nos ensinos presenciais e virtuais, pelo acesso indiscriminado às informações sem orientação, e a contestação natural de insatisfação demonstrada através das ações de indisciplinas e carências de ética e comportamento.

O maior desafio à docência é trazer o aluno para querer aprender, depois é buscar um método ou mídia a que ele se adapte, goste, contemple e participe. E por fim, que o aluno aprenda a dizer o que aprendeu e da maneira mais científica possível, o que achou do aprendizado que teve e o que pretende fazer com ele. Se o aluno puder vivenciar estas três dimensões do saber, o docente terá realizado sua função de facilitador da aprendizagem, mas se falhar em uma ou duas ou nas três, então os seus paradigmas precisam ser revistos, modificados, reavaliados.

Não se pode esperar que ocorra aprendizagem sem que haja a conivência do próprio aluno em querer aprender, sem que lhe seja perguntado o que ele espera aprender, para quê, por que, e como.

Conclusões não conclusivas

De todas as idiossincrasias de nosso tempo, também chamada de a era do conhecimento, que possam ocorrer diante dos conflitos cognitivos, das construções das estruturas intelectuais, da habilidade de lidar com a complexidade e os objetos complexos, a mais controvertida delas é sem dúvida alguma, a resolução acadêmica de julgar que os guetos epistemológicos possam dar conta de uma multiplicidade de análises e sínteses, de hipóteses cujas problemáticas necessitam de expoentes em várias ciências.

Se o momento é de unir esforços nas habilidades e capacidades de ações transformadoras e de colocar sujeitos diante de objetos em observação capazes de ver além da visão especializada do tecnicismo e pragmatismo das disciplinas e das dispersões dos saberes, também é o momento de propor soluções novamente iluministas e renascentistas, unindo não só as ciências, mas os olhares amplificados, renovados, humanísticos, que o movimento enciclopedista volte e pinte as ciências com matizes de todas as epistemologias, metodologias e práticas pedagógicas que se locupletem.

Se o que se busca é um novo aluno, também se quer um novo docente, se a sociedade precisa de um novo cientista, também deseja pesquisas que nos levem a compreender os ecossistemas, as economias de mercado para matar a fome de todos os habitantes da Terra, que as inteligências possam se unir para erradicar as doenças fabricadas pelo homem a fim de vender curas, e que os povos, de diferentes ideologias, idiomas e religiões se unam para entender as crenças e a ciência, como lados de uma mesma costura planetária.

Se o Homem foi capaz de criar um mundo virtual, cibernético, que mudou as velocidades da informação e da comunicação, que permitiu alterar o ciclo de conhecimento de 50 anos para 5, revolucionou as relações comerciais, permitiu o acesso irrestrito a informação e ao saber, transformando o irreal em possível, então também pode revolucionar o jeito de fazer ciência, de ensinar e de aprender.

Se as novas ciências que nascem todos os dias, mudarem a face da pesquisa e levar o Homem para o entendimento maior dos objetos complexos, dos avanços promovidos pelo uso da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade como processo e estratégia de ação e não como dicotomias unidisciplinares, possibilitando uma rede de intrincados campos científicos, alterando o modo de produção e construção do conhecimento, então se estará avançando para uma sociedade menos materialista-histórica. Porque assim como uma só ciência não explica a menor partícula do universo, também uma só ciência não explica os intrincados segredos escondidos do universo. E como as mudanças e alterações nos construtos epistemológicos e pedagógicos são lentas e graduais, é necessário discutir muito a situação atual, na observação da decadência, obsolescência e declínio de um modelo cartesiano que não serve aos propósitos das sociedades contemporâneas. As próprias ciências se levantam contra o atual sistema e se unem para responder ou adaptarem-se as exigências do mercado, da sociedade e do universo científico das novas descobertas.

O grande avanço das metodologias e práticas pedagógicas para o uso de experiências científicas em sala de aula está no cerne das discussões da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade enquanto abordagem sistêmica, não mais como discurso, posto que já se conheça suas implicações, mas como praxiologia urgente para continuar avançando, a velocidades cada vez maiores no entendimento das ciências e das sociedades, exigindo dos pesquisadores um tratamento mais sintético, totalizante, holista e globalizante.

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