Diálogo entre a aprendizagem dos filhos e a função da família na escola: a presença dominante dos aparelhos ideológicos de estado



Família e escola em contato

Qual seria o importante papel da família na escola? Em que medida o Estado contribui para garantir a presença da família na escola? Como promover o diálogo entre pais e mestres? Por que aprender, se não posso utilizar os conhecimentos que aprendo em casa? Esses questionamentos surgem no meio do debate que trata de questões sociológicas e educacionais e promovem a necessidade de pesquisar o assunto em um nível mais específico. Como um tsunami, a família “como a medida de todas as coisas”[1] contribui para melhorar a aprendizagem dos filhos em idade escolar e a centralidade de sua participação nas atividades escolares, ainda, é considerada de caráter numa sociedade estabelecida pela hierarquia de classes econômicas.

Com fundamento na família, iniciamos a pesquisa na proposta de localizá-la no centro da comunidade escolar. Sendo parte do ambiente escolar, a família reúne os conhecimentos imprescindíveis ao desenvolvimento humano porque fortalece o espírito de grupo, promove a constituição da ética, evidencia as características sociais e consolida a maturidade comportamental. As características apresentadas revestem a família da capacidade de construir o ser humano em sua alteridade e perspectivas futuras, grande desafio diante do contexto escolar.

Neste ponto, entendemos que as características individuais do ser humano são consolidadas pela família e que sua atuação junto ao ambiente escolar desencadeia uma sucessão de “aprendizados” que delineiam e transformam o ser humano naquilo que o determina no grupo social. Se a família constrói o sujeito social, em que local situamos a escola?

Ao analisar a função da escola, destacamos sua importância como espaço de desenvolvimento organizado do conhecimento e do saber. Se a prática escolar é limitada ao ensino e sua ação se consolida na aquisição de saberes, há indícios que estejam condizentes com a realidade social. Se os saberes precisam ser aprendidos, há algo (ou alguém) que determina esse conhecimento e as estruturas de aprendizagem. Alguém que não é a família. Mas, alguém que conduz e reproduz os destinos das famílias.

De fato, se há reprodução das condições de aprendizagem e a família não participa diretamente desse processo, esta se vê impedida de desenvolver o ser humano na direção das características específicas do conhecimento. Ou melhor, do conhecimento que interessa ao desenvolvimento do ser humano.

Parece que o desenvolvimento do ser humano é estabelecido por um marco regulatório que determina a fronteira entre a perspectiva social do conhecimento e o saber organizado. Essa discussão aponta para uma escola que metaboliza a condição social técnico-científica e, ao mesmo tempo, impede que a família socialize o desenvolvimento humano. Em síntese, temos um lugar para aprender a ser educados e outro lugar para aprender conhecimentos específicos e sistematizados. Então, educação não é conhecimento, mas, conhecimento precisa ser educação.

Até aqui, entendemos que família e escola não se complementam como espaços integradores do desenvolvimento humano, mas locais em que as dimensões humanas não se efetivam, tampouco se ajudam. Ao divergirem em sua forma de estabelecer conhecimento terminam por estabelecer uma inversão de situações em que o contexto social inviabiliza o conhecimento escolar. Então, a escola se estabelece como um aparelho reprodutor de ideias ou, se preferir, um aparelho ideológico de estado e não uma instituição acolhedora, sincera e atenta às condições reais de aprendizagem.

Considerando o que foi apresentado sobre a função da família, este artigo procura subsidiar uma teoria que contextualize o conceito de família e escola, na busca pela visão integradora do ser humano. Para tanto, partimos do pressuposto de que o conhecimento escolar é indissociável das questões sociais e que sua realização depende da forma como a escola irá debater o social, princípio, meio e fim dos problemas escolares.

Sobre a temática família e escola, acreditamos que a escola, ainda, tem uma visão daltônica da família e, por isso, percorre caminhos mais longos para promover a educação. Para consolidação dessa afirmação, é importante que tenhamos em mente que a educação deve dar conta de um mundo repleto de informações e interpretações que necessitam de tradutores da realidade que se aproximem da realidade. Inserida no princípio das questões sociais, a família está credenciada para ser a tradutora da realidade social.

Quanto à escola, Ceccon (1982) destaca que a mesma não procura conhecer nem tem valorizado tudo aquilo que o aluno sabe a experiência de vida que ele aprendeu em casa e na vida e que ele traz para escola. Para a escola, o aluno não sabe nada, não traz conhecimentos positivos e, muitas vezes, é uma tabula rasa. 

Nesse sentido, Ventura (1999) concorda com Ceccon (1982) e garante que o sistema escolar construiu barreiras culturais contra as famílias e as comunidades. As atrizes sociais em questão foram marginalizadas, ora com o argumento político (a legitimidade do Estado para decidir em matéria educativa), ora com o argumento profissional (a competência especializada dos professores em matéria educativa). A legitimidade do Estado e a especialização do professor produziram a ausência dos pais, ou seja, a família.

O processo de aculturação educacional visualiza a intervenção dos pais e das comunidades como uma espécie de intromissão. Ora, é fundamental que as famílias tenham capacidade de decisão (e poder) no seio das escolas, mas essa condição só pode ser apreendida no âmbito de uma gestão democrática da educação que não pode ser entendida como intromissão, mas participação dos entes sociais.

No entanto, se a participação representa uma presença familiar constante e objetiva, há espaço para o surgimento do preconceito com o seu novo status quo que apresenta outra organização familiar, com plenos poderes para deliberar sobre o fenômeno educativo. Ergue-se uma condição importante da família como coadjuvantes na educação escolar. A interpretação real desse contexto é que são os pais (reorganizados ou não) que farão com que a escola não seja somente um lugar de ensino-aprendizado, mas também de interação social.

De forma ampla, há diversas abordagens sobre a importância da família e a necessidade de sua existência. Se, por um lado, a família possui um vínculo com as tradições religiosas e se faz agente desse processo ideológico, por outro lado, encontra-se no meio da discussão ideológica de sua constituição social como rede de pessoas e conjunto de bens adquiridos. Essa condição patrimonial da família exacerba a acentuada textura familiar.

A perspectiva social ensina que pertence ao senso comum a ideia de que a escola é a segunda casa dos filhos e mais: todos sabem que no atual contexto isto não é regra. A escola, a priori, deveria ser instancia de educação continuada que começa com os pais e independente de sua meta de escolarização. A família é a construtora dos conhecimentos sociais que permitem entender o mundo e a natureza, onde a criança aprenderia as bases do convívio com o outro, a interação na sociedade sem laços sanguíneos e o conhecimento que as pessoas são diferentes.

No entanto, para longe das discussões acadêmicas, temos atualmente um cenário distante do real. Possuímos uma escola com currículos com a tessitura do gesso, ambientes escolares inflexíveis, processos pedagógicos tradicionais e um professor que não é o mediador do conhecimento, mas alguém que leciona, muitas vezes segrega, reproduz o preconceito e não assume que as pessoas são diferentes. É, de fato, uma escola feita pra poucos, não obstante as óbvias exceções que existem no ambiente escolar em que professores procuram dar sentido ao que estão ensinando e aprendendo.

Uma visão adequada dessa afirmação está em Freire (1996), que identifica nas tarefas essenciais da escola, o centro de produção sistemática de conhecimento.Trata-se de trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas, fatos e sua comunicabilidade. É imprescindível, portanto, que a escola instigue constantemente a curiosidade do educando em vez de amaciá-la ou domesticá-la.

De fato, numa reflexão mais elástica, percebemos que a família tem sua parcela de omissão, pois caberia a ela também notar estes problemas e buscar junto a escola motivos e possíveis soluções. No entanto, o que temos é uma família reativa, em sua maioria, que vê a escola como uma creche, local em que se entrega o filho para poder desfrutar no final do ano de um boletim com notas altas.         

O autor da Pedagogia da Autonomia ressalta que a falta da relação escola-família-escola se torna um fator que atravanca os meios para chegar a novas respostas, novos conceitos, novos resultados. Temos que considerar as várias situações do ambiente social: as novas concepções de família, a (des)escolarização dos pais e, finalmente, o desconhecimento sobre as atividades desenvolvidas pelos professores.

No atual contexto social do trabalho em que a família está fora dos ambientes escolar e familiar, não há tempo para ir à escola acompanhar o processo de aprendizagem do filho(a). Conversar com o professor, na prática, pode ser uma tarefa árdua para a família, não só do ponto de vista da ausência mas, também, no que se refere a ajuda ao filho com as tarefas escolares.  Sentar com o filho para ajudá-lo é difícil, imagine perguntar como foi o seu dia na escola que, além de ser uma pergunta sem sentido, não produzirá efeitos práticos. Pense, por que perguntar por uma situação que você não acompanha diariamente?

Sim, o contexto social da família determina ao professor uma ação proativa que deveria ter sido ungida na formação acadêmica. Falta aos professores uma formação de qualidade, oportunidades de cursos e especializações, espaço para opiniões e realização de mudanças que tem assento na escola.

Nesse sentido, Ceccon (1982) enfatizava que todo mundo espera que a escola cumpra seu papel que é o de fornecer instrução, qualificação e diplomas a todos. Na verdade, a escola produz muito mais fracassos do que sucessos. Trata uns melhor do que outros e convence os que fracassam de que fracassam porque são inferiores. Ela só educa e instrui uma minoria. A grande maioria é excluída e marginalizada. Este é o fato.

O autor remete-nos a uma reflexão adequada nos dias atuais sobre a escola que é "a finalidade da escola, tal como ela existe hoje, é formar essa minoria privilegiada que ... vai pensar, dirigir, planejar e dar ordens aos outros. Já o destino da maioria marginalizada pela escola será o de cumprir as ordens e os planos feitos pelos donos do poder e do saber."

Quando Althusser (1980) diz que “ ... os de aparelhos ideológicos do Estado são certo número de realidades que apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas", devemos lembrar que família e escola são aparelhos reprodutores de ideias da ideologia dominante. Esse funcionamento, na medida de sua unificação ideológica, não considera diversidade, contradições e idiossincrasias, sob o manto da classe dominante e as determinações da racionalização do ensino.

Na atualidade, temos o trabalho de Falleiros e Lledó (2012) que destacam em seu artigo que os filhos são nossos, mas também são do mundo. Se educar é decisão de cada família, às vezes, esquecemos que parte da aprendizagem é compartilhada com a escola. De outro modo, a sociedade ensina em todos os seus espaços: pais, coleguinhas e professores. É estranho, portanto, que a gente nunca se pergunte: Quem é o dono do giz? E a lousa, é de quem? A quadra de esportes é de todos?[2]

A matéria divulgada na Revista do Correio traz o anseio de uma parte da classe média disposta a pedir de volta o direito de matricular os filhos em uma escola pública de qualidade. Essa minoria não fica de braços cruzados e se sintoniza com as questões da comunidade escolar para que a formação dos filhos não dependa somente de verbas atrasadas ou projetos educacionais engavetados.

Pensar a escola dos filhos e expulsar índices deficientes de qualidade são indicadores de responsabilidade social e de zelo pelo bem público, qual seja, nosso bem. Além disso, representa o auxílio à escola como coadjuvantes de destaque. Mas quem são esses pais? O que eles fazem pela escola pública?

Por apostar numa educação diferenciada para as filhas, em que precisam acompanhar diariamente o desenvolvimento das filhas em casa e na sala de aula, os pais defendem o ensino público numa perspectiva mais ampla que é a consciência social. Aqui, não está descartada a impossibilidade de arcar com as despesas com uma escola particular, mas, a possibilidade de trazer de volta ao cenário a educação de qualidade, conforme sua declaração: “Já fomos recriminados por gente que tem condição financeira pior que a nossa”, lembra Angélica. “Falam que não estamos dando o melhor para nossas filhas”, conta Diego.

Mesmo assim, os pais de Sofia e Laura não se arrependem da escolha, ainda que tenham cogitado matricular as meninas em um colégio particular. No entanto, eles desistiram por não encontrar nenhuma escola onde pudessem acompanhar tão de perto a formação da filha e participar das decisões da escola. Para o casal, a opção pelo ensino público só valerá a pena enquanto for benéfica à formação das filhas. “O bem-estar das meninas vem antes. Não tenho esse absolutismo ideológico. Temos que pensar nelas primeiro”, destaca Diego.

O         estabelecimento de um ponto de vista social, no que se refere ao processo educativo dos filhos, vai ao encontro de uma visão participativa e democrática da educação. Não representa, somente, a consciência social da educação, mas a vontade de garantir às gerações futuras a perpetuação de uma linhagem familiar única e indivisível, prova incontestável de ascensão social.

Nesse sentido, destaca Perrot (2006, p. 189) em seu texto sobre a família, que quadros ou fotos, galerias de antepassados são uma forma de visualizar a linhagem. Além de representações, são meios de preservar uma memória que vai adquirindo uma importância crescente num século evolucionista cuja duração se inscreve no encadeamento das gerações. No final do século XIX, as famílias burguesas e suas genealogias mantém uma esperança secreta, talvez, de descobrir uma origem elevada, e mais provavelmente, quando tiveram êxito, para dar provas de sua ascensão social.

Qualquer tentativa de estudar a família esbarra no conceito de ideologia. Chauí (1980) enfatiza que um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em tomar as ideias como independentes da realidade histórica e social, de modo a fazer com que tais ideias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias elaboradas.

A autora não poupa esforços ao dizer que "... os homens produzem ideias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas ideias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Oculta a realidade social chama-se ideologia."

É possível chegar a uma concepção de ideologia em que o homem usa o campo das ideias (baseado nas suas relações reais) para estabelecer relações imaginárias que agiriam sobre o real, quando na verdade o real acaba agindo no campo das ideias sem o consentimento do homem. Ele usa a ideologia para justificar o real, quando o que ocorre é o contrário.

A ideologia, amálgama da sociedade capitalista, tende a ser usada para dar a entender aos homens que as suas atuais relações sociais são assim, por forças superiores, alheias às vontades e que sempre foi assim e assim continuará.

Nessas condições surgem os Aparelhos Ideológicos de Estado - AIE, instituições que em geral fazem parte do privado e que tendem, por meio da ideologia e da violência, reproduzir e manter as relações de classe. Os AIE usam a ideologia da classe dominante para que se continue a reproduzir as condições e meios de produção do capital.

Considerando que há no tecido social da sociedade capitalista vários AIE que ajudam a reproduzir a ideologia dominante, a escola não está isenta desse processo. São parte deles a Igreja, a família e a cultura. Nesse contexto, são mais influentes a escola e a família, pois exercem a ideologização no homem desde sua fase mais suscetível (primeira infância) e continuam a fazê-la por bons anos, tornando-se assim ótimos aparelhos ideologizadores.

 

Métodos e procedimentos

A finalidade dos instrumentos usuais de coleta de dados foi obter informações a partir do ponto de vista dos pesquisados. Para este artigo propusemos como instrumento de pesquisa o questionário que é definido “como a técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito de obter informações (...)” (GIL,2006, p.121) Ao propor este instrumento de pesquisa, buscamos entender como  alguns dados da pesquisa relacionam escola, família e ideologia, bem como se as questões propostas iriam descortinar o tema pesquisado.

Em grande parte, os questionários foram propostos por escrito e de forma autoaplicada e, além disso, os respondentes não necessitaram complementar respostas com uma entrevista. Foram elaboradas nove questões, oito de natureza fechada e uma de natureza aberta. Nas questões de natureza fechada pediu-se para o pesquisado escolher uma alternativa dentre as apresentadas em uma lista, já em relação às questões abertas o pesquisado oferece sua própria resposta acerca do tema, possibilitando que sua opinião flua como lhe convém.

Para fundamentar este estudo procuramos encontrar nos interlocutores os conceitos que perpassam suas vidas. De forma geral, o conceito de família define o local em que práticas, rituais, intrigas e conflitos, representam o aconchego humano. O conceito de escola é, em síntese, o local de ensino, aprendizagem e continuidade do saber.

Foram entrevistadas 10 famílias com 5 componentes cada uma que não se caracterizaram pela tradicional forma de enxergar o grupo familiar. No total, foram 15 entrevistados e a amostra foi composta por pessoas da família.

Procurou-se mensurar a frequência de respostas relação com ao problema de pesquisa, a fim de permitir maior integridade com os dados coletados. A abordagem junto às famílias ocorreu de forma individualizada e foi centralizada nas pessoas que detém o poder econômico da família, situação que não contemplou um gênero em especial. Para garantir o retorno dos instrumentos de pesquisa, os pesquisadores acompanharam o preenchimento dos questionários para e, ao longo do preenchimento, puderam responder eventuais questionamentos e dúvidas.

A pesquisa foi realizada na região administrativa de Sobradinho-DF e foram entrevistados componentes de diferentes classes econômicas, sendo aqueles maiores de 18 anos e grau de escolaridade variado.

O objeto de pesquisa estava centrado no entendimento dos indivíduos como escola, família e ideologia estão diretamente ligadas no atual contexto social. Outro importante aspecto trabalhado foi a questão relacionada ao senso comum, sempre presente no discurso da escola e família, conforme Althusse, “Aparelho Ideológico do estado”. A maneira como o estado utiliza a reprodução da ideologia e evidencia o controle da área social, também foi objeto de pesquisa e análise.

A pesquisa buscou identificar como a família exerce a sua participação nas questões escolares e como escola e família estão ligadas ao fracasso escolar. Por conta da reprodução do sistema e a forma como esta está inserida no contexto familiar, algumas respostas foram entendidas na passagem de sua ideológica para o senso comum. Portanto, relacionar os conceitos é uma forma de identificar como o controle é exercido por meio de uma ideologia e como a mesma é perpetuada pela família e a escola. 

Resultados

Visto que o posicionamento das pessoas variou quanto a frequência das respostas, utilizou-se como estratégia para a análise dos dados a comparação entre as mesmas. Dessa forma, foi possível hierarquizá-las conforme a importância atribuída como explicação a pergunta solicitada. Os itens que indicaram resultados significativos são apresentados a seguir, porque se relacionam com as temáticas, escola, família e ideologia.

Ao serem questionados sobre os serviços da escola, os entrevistados foram enfáticos ao afirmar que “a escola serve para preparar a pessoa para o mercado de trabalho de trabalho” e, além disso, “para ensinar bons modos”. De fato, a educação na condição de formação prepara para o mercado de trabalho, porque não estudamos para ter conhecimento, mas estudamos para trabalhar.

Segundo Ceccon (1982), as pessoas esperam que a escola cumpra o papel de fornecer instrução, qualificação e diplomas a todos. Esse pensamento traz a sensação de que a escola forma para o trabalho e que seu modelo atende os critérios de qualificação e instrução, condições que direcionam o indivíduo ao chamado mercado de trabalho.

No entanto, a afirmação de que a escola serve para aprender bons modos, reduz a atividade educativa ao princípio da autoridade que ensina a fazer as coisas do jeito considerado certo. Então, a formação para o trabalho deve estar aliada ao princípio dos bons modos que são, de fato, a forma particular, a maneira e a prudência para desempenhar atividades cotidianas no mundo do trabalho. Certamente, o imaginário dos entrevistados encontra na escola a saída para os problemas sociais que persistem ao longo dos anos, quais sejam, a ausência de postos de trabalho e o surgimento dos bons modos.

Outro resultado importante foi aquele que tratou da imagem do professor da escola. Na opinião dos entrevistados, “os professores nas escolas são os intelectuais, aqueles que ‘dão aula’ ou são ‘tecnológicos’, aqueles que usam computadores em sala de aula”. Essa visão expressa de maneira objetiva a função dicotômica do professor como repetidor de informações e ser alienado em relação ao processo educativo de seus alunos.

Cunha (2000) reafirma que temos uma visão daltônica do mundo da educação que foge muito do ideal imaginado. Temos uma escola que tem currículos extremamente tecnicistas e quase nada flexíveis, uma escola tradicional e um professor que não é mediador do conhecimento ao aluno e sim, uma pessoa que ‘dá’ aulas.   

Sobre a escola servir como garantia ao futuro, na visão dos entrevistados a escola não garante o futuro do estudante ou garante em parte, caso complete o Ensino Médio. Se a escola serve para a formação para o trabalho e não garante o futuro, infere-se que a escola é dirigida para algumas pessoas, ou seja, só aqueles que terão a certeza de ter alguma possibilidade no mundo do trabalho.

Para Ceccon (1982) e Freire (1996), a finalidade da escola, tal como ela existe hoje, é formar uma minoria privilegiada que, mais tarde, irá: pensar, dirigir, planejar e dar ordens aos outros. Na mesma medida, o destino da maioria marginalizada pela escola será o de cumprir as ordens e os planos feitos pelos donos do poder e do saber, ou seja, de dirigirem-se ao mercado de trabalho em funções subalternas e sem a possibilidade de atingir postos mais altos na hierarquia social.

O questionamento que envolve a educação dos filhos tem uma profunda relação com hábitos e bons modos. Os hábitos corretos estão vinculados a bons modos e tem uma estreita relação com ações entendidas como boas para todos. Com esta afirmação, os entrevistados concluíram que a melhor forma de educar os filhos é em casa ou preparando-os para construir uma sociedade melhor.

Segundo Correia (2011), a família representa um determinado número de pessoas que estabelece relações prioritariamente sanguíneas e dividem o mesmo ambiente. À família, cabem várias funções: zelar pela saúde da família, acumular bens, perpetuar a família, educar para o convívio em sociedade, entre outros.

A contribuição da família nas escolas é uma temática a parte no processo de educação dos filhos. Para os entrevistados a família pode contribuir na educação dos filhos participando das atividades escolares ou participando dos conselhos de classes. Não foram acrescentadas informações adicionais sobre a participação da família, porque não cabe a família invadir o espaço sagrado do conhecimento.

Sobre o conhecimento, Nóvoa (1992) indica que o aparelho escolar edificou-se contra as famílias e as comunidades, marginalizadas, ora com o argumento político (a legitimidade do Estado para decidir em matéria educativa), ora com o argumento profissional (a competência especializada dos professores em matéria educativa).

Por isso, a intervenção dos pais e das comunidades na esfera educativa sempre foi encarada como uma espécie de intromissão. Nesse sentido, é fundamental que as famílias tenham capacidade de decisão (e poder) no seio das escolas e essa condição será possível, apenas, quando for estabelecido mecanismo de decisão coletiva que é representado pelo modelo de gestão democrática. Se a família tem a obrigação de educar, a escola tem a obrigação conhecer esta educação.

Sobre a questão trabalho e riqueza, os entrevistados acreditam que “família rica é a certeza de que a riqueza é amiga da exploração”. Uma resposta em especial tratou a riqueza na sua direção direta com a compreensão do mundo e das coisas. De outra forma, o conhecimento leva a riqueza que traz inteligência. 

A imagem da riqueza é entendida da seguinte forma por Chauí (2005), "...os homens produzem idéias ou representações pelas quais procuram explicar e compreender sua própria vida individual, social, suas relações com a natureza e com o sobrenatural. Essas ideias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia."

A opinião dos entrevistados diverge quando o assunto refere-se a segurança porque a maioria acredita que a escola não é um local seguro, tendo em vista as recentes discussões e confusões que evidenciam problemas como o bullying. Na direção oposta, a minoria acredita que a escola é um local seguro e que é lá que as pessoas aprendem a se tornar cidadãos.

A expressão teórica da segurança esbarra na alienação que promove a impossibilidade do indivíduo distinguir entre ser vítima da violência simbólica e tornar-se um ator social. Apesar da escola revestir-se do manto do conhecimento e da educação, a mesma não educa cidadãos, mas legitima o poder simbólico da classe dominante.

Essa condição é personificada pela ação pedagógica que determina a violência simbólica por meio do ensino do conteúdo e da relação autoritária em sala de aula. De forma simples, a autoridade pedagógica não pode (e não deve) destruir a violência simbólica porque incorreria em um processo autofágico de destruir  a si própria, pois se trata do poder que legitima a violência simbólica.

Nenhum dos entrevistados de fato tem ciência do que é ideologia, considerando que responderam com base em conceitos prontos de dicionário ou internet. Esta é uma afirmação perversa porque, conforme Althusser (1985), os Aparelhos Ideológicos de Estado – AIE - são instituições que em geral fazem parte do privado e que tendem através da ideologia (e por vezes da violência) reproduzir e manter as relações de classe como a reproduzir a ideologia dominante. São parte deles a Igreja, a família e a escola, bem como a cultura.

Os AIE usam da ideologia da classe dominante para que se continue a reproduzir as condições e meios de produção do capital. "Designamos pelo nome de aparelhos ideológicos do Estado um certo número de realidades que apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e especializadas." (ALTHUSSER, 1985, p. 68)


[1]  Protágoras de Abdera - (em grego antigo ΠρωταγÌρας; Abdera480 a.C. - Sicília410 a.C.) foi um sofista da Grécia Antiga, responsável por cunhar a frase: "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são." (Disponível em:

 http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/sofistas/protagoras.htm)

 

[2]  FALLEIROS, Gustavo Torres; LLEDÓ, Maria Júlia. Dever de casa, da escola e da família. Revista do Correio. Brasilia, 29 de janeiro de 2012, ano 7, número 350.

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Autor: Helio Fabeliano Lobato Cunha


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