Da (in)admissibilidade da prova ilícita no processo penal e o principio da razoabilidade



1 INTRODUÇÃO

  

No presente artigo analisaremos a (in) admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, sendo que tal análise será realizada no contexto da Constituição Federal de 1988, do Código de Processo Penal, dos direitos e garantias individuais e dos princípios do direito processual penal, sendo que uma eventual colisão entre princípios de direito processual penal, será analisada de acordo com o critério da razoabilidade, observando-se a ponderação de tais princípios, utilizando-se o critério da necessidade e da adequação.

 

Pretende-se para tanto abordar tópicos do Constitucionalismo no Estado Democrático de Direito, bem como do Direito Processual Penal.

  

2 PROVA ILÍCITA CONCEITO

  

A Constituição Federal de 1988 dispõe que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI), também o art. 157, caput, CPP, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.690/08, reproduz a mesma vedação. Julio Fabbrini Mirabete esclarece-nos de que

 

“a partir da vigência da nova Carta Magna, pode-se afirmar que são totalmente inadmissíveis no processo civil e penal tanto as provas ilegítimas, proibidas pelas normas de direito processual, quanto as ilícitas, obtidas com violação das normas de direito material. Estão assim proibidas as provas obtidas com violação de correspondências, de transmissão telegráfica e de dados, e com a captação não autorizada judicialmente das conversações telefônicas, (art. 5º XII), com violação do domicílio, exceto nas hipóteses de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou determinação judicial (art. 5º, XI); com violação da intimidade, como as fonográficas, de fitas gravadas de contatos em encontros de caráter privado e sigiloso (art. 5º, X); com abuso de poder, como tortura, p. ex.; com a prática de outros ilícitos penais como furto, apropriação indébita, violação de sigilo profissional etc.” (MIRABETE, Julio Fabbrini, 1998, pag. 260).

 

Cumpre esclarecer, que as garantias individuais supracitadas, arroladas na Constituição, têm por objetivo limitar a atuação do Estado, uma vez que este é responsável, através de seus órgãos, pela persecução penal, que consiste na investigação, acusação e julgamento.

 

Analisando as aludidas normas, Eugênio Pacelli de Oliveira nos ensina que “a vedação das provas ilícitas atua no controle de regularidade da atividade estatal persecutória, inibindo e desestimulando a adoção de práticas probatórias ilegais por parte de quem é o grande responsável pela sua produção”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, 2011, pag. 344).

 

Ressalte-se ainda que o Código de Processo Penal de 1941 foi elaborado em um período ditatorial, servindo de instrumento de opressão, não garantindo efetivamente os direitos do réu à ampla defesa, contraditório e isonomia, razão pela qual, o Constituinte originário de 1988 se preocupou em positivar no art. 5º CF direitos individuais e garantias processuais, garantindo aos cidadãos efetivamente direitos que garantam uma persecução penal, pelo menos em tese garantista.

 

Passaremos agora a análise da (in) admissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, seja a favor do réu ou da sociedade.

  

3 DA ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS ILICITAMENTE Pro Societate

  

Alguns doutrinadores, pautados no princípio da verdade real sustentam a possibilidade da utilização da prova obtida ilicitamente em favor da acusação. Um dos argumentos defendidos por parte da doutrina seria o de que a gravidade das questões penais seria suficiente para permitir uma busca mais ampla e mais intensa da verdade, ao contrário do que ocorre, por exemplo, no direito administrativo, civil etc.

 

Fernando Capez disserta a respeito da admissibilidade da prova obtida ilicitamente, trazendo à luz o princípio da proporcionalidade, afirmando que:

  

“entendemos que o princípio da proporcionalidade deve ser também admitido pro societate, pois o confronto que se estabelece não é entre direito ao sigilo, de um lado, e direito da acusação à prova, do outro. Trata-se de algo mais profundo. A acusação, principalmente a promovida pelo Ministério Público, visa a resguardar valores fundamentais para a coletividade, tutelados pela norma penal. Quando o conflito se estabelecer entre a garantia, o sigilo e a necessidade de tutelar a vida, o patrimônio e a segurança, bens também protegidos por nossa Constituição, o juiz, utilizando de seu alto poder de discricionariedade, deve sopesar e avaliar os valores contrastantes envolvidos. Suponhamos uma carta apreendida ilicitamente, a qual seria dirigida ao chefe de uma poderosa rede de narcotráfico internacional, com extensas ramificações com o crime organizado. Seria mais importante proteger o direito do preso ao sigilo de sua correspondência epistolar, do qual se serve para planejar crime, do que desbaratar uma poderosa rede de distribuição de drogas, a qual ceifa milhares de vidas de jovens e crianças?” ( CAPEZ, Fernando, 2009, pag. 253).

 

Neste contexto, os doutrinadores que defendem a admissibilidade da prova obtida ilicitamente, defendem a tese de que a proibição absoluta da prova ilícita na persecução penal iria trazer vários inconvenientes, inclusive, a manutenção da liberdade de criminosos de alto risco para a sociedade.

É também o entendimento do renomado constitucionalista Alexandre de Moraes, (2003, pag. 130) vejamos:

 

[...] as liberdades públicas não podem ser utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito Dessa forma, aqueles que ao praticarem atos ilícitos inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e criminal perante o Estado.

 

Em síntese, o argumento utilizado pela doutrina que defende a admissibilidade das provas obtidas ilicitamente em favor da acusação, é sustentado pela eventual injustiça que poderia ocorrer caso o direito previsto no art.5º CF, LVI for considerado absoluto.

Tal entendimento tem fundamento também no princípio da proporcionalidade, que será tratado mais adiante, bem como a resposta estatal para com o criminoso visando a segurança jurídica.

Examinaremos agora, os argumentos que inadmite a prova obtida ilicitamente em desfavor do réu, mas tão somente em favor deste.

  

4 DA ADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILICITAS Pro Réu

  

Grande parte da doutrina entende que é possível a admissão de provas ilícitas em benefício do réu. Dentre vários fundamentos que possibilitam a produção de tais provas, destacamos a desigualdade que o réu se encontra perante o Estado na persecução penal, uma vez que a este compete as funções de investigação, acusação e julgamento. 

Neste sentido, seria totalmente ilógica a proibição da utilização de tais provas em favor do réu, como bem salientou Eugenio Pacelli de Oliveira

 

“a prova da inocência do réu deve sempre ser aproveitada, em quaisquer circunstâncias. Em um Estado de Direito não há como se conceber a ideia da condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente. Em tal situação, a jurisdição, enquanto Poder Público, seria, por assim dizer, uma contradição em seus termos. Um paradoxo jamais explicado ou explicável.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, 2011, pag. 377).

 

Outro fator que possibilite de admitir provas obtidas ilicitamente em favor do réu é considerar o principio da ampla defesa perante a obtenção da prova obtida ilicitamente, sem no entanto, desconsiderar o principio da proibição da prova ilícita. Há assim, a colisão entre tais princípios, sendo que a razoabilidade guia-nos a concluir que em favor do réu, o principio da ampla defesa deve prevalecer sobre o da proibição de prova obtida ilicitamente. Neste sentido, Fernando Capez assevera que:

 

“A aceitação do princípio da proporcionalidade pro reo não apresenta maiores dificuldades, pois o princípio que veda as provas obtidas por meio ilícitos não pode ser usado como um escudo destinado a perpetuar condenações injustas. Entre aceitar uma prova vedada, apresentada como único meio de comprovar a inocência de um acusado, e permitir que alguém, sem nenhuma responsabilidade pelo ato imputado, seja privado injustamente de sua liberdade, a primeira opção é, sem dúvida, a mais consentânea com o Estado Democrático de Direito e a proteção da dignidade humana". (CAPEZ, Fernando, 2009, pag. 306).

  

Sendo assim, temos entendimento de que prevalece se as provas ilícitas forem o único meio capaz de se demonstrar a inocência do acusado poderão ser utilizadas no processo. É o que se entende por prova ilícita pro reo.

  

5 CONCLUSÃO

  

No presente artigo, analisamos através de ensinamentos doutrinários a (im) possibilidade da prova obtida ilicitamente no processo penal. Podemos perceber que tanto em favor da sociedade como em favor do réu, a obtenção da prova ilícita é analisada levando em conta o princípio da proporcionalidade.

A maioria da doutrina defende que o princípio da proporcionalidade deve ser invocado apenas para admitir a prova ilícita quando for benéfica ao réu.

Pensamos ser este o melhor entendimento, pois, por mais que o juiz deve ser racional e imparcial, esta analise de colisão de princípios feita pelo julgador, pode ser dotada de um grau de subjetividade, levando o juiz a permitir a utilização de prova obtida ilicitamente pela acusação, por fatores pessoais acarretando em uma possível condenação injusta e ainda mais, legitimando o Estado a agir fora da lei realizando uma persecução penal sem limites buscando uma condenação num verdadeiro “custe o que custar”.

 

Referências

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16 ed. São Paulo, 2009.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1998.

 

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15 ed. Belo Horizonte: Lumen Juris, 2011.

 

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli. Processo e Hermenêutica na Tutela Penal dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.


Autor: Guilherme Aparecido Rodrigues De Araújo


Artigos Relacionados


Das Provas Ilícitas

A Busca Da Verdade Real E A Produção De Provas Ilícitas No Processo Penal Brasileiro

Provas No Processo Penal E Sua Inadmissibilidade

A Inadmissibilidade Das Provas Ilícitas

A Inadmissibilidade Das Provas Ilícitas No Direito Processual Brasileiro

Prova Ilícita Pro Reo E Pro Societate

A Inconstitucionalidade Da Teoria Do Interesse Predominante