Responsabilidade civil dos pais em relação aos filhos crianças e adolescentes e a indevida isenção de solidariedade frente à ruptura familiar



O inciso I do artigo 932 do Código Civil prevê que: “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”. Significa dizer, portanto, que os pais são responsáveis pela reparação civil decorrentes de atos ilícitos praticados pelos filhos crianças e adolescentes que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.

Nesse contexto, Araujo (2009) afirma a existência de três elementos essenciais quanto à referida responsabilização civil: os filhos precisam estar na menoridade; sob a autoridade dos pais, e em companhia destes.

Para Cavalieri Filho (2010), o fundamento dessa responsabilidade se baseia no poder familiar. Esse vínculo jurídico impõe aos pais certos deveres, tais como a vigilância, a assistência material e moral, entre outros. Nesse passo, o autor entende que o filho está sob autoridade e companhia quando vive no mesmo teto, pois possibilita uma eficiente vigilância e poder de influência dos pais sobre a criança e o adolescente.

Então, viver em companhia significa morar no mesmo teto, permanecer na mesma casa. A princípio tal fato favorece a vigilância dos pais perante os filhos, sendo que a falta de “companhia” dificulta ou exclui a fiscalização e, respectivamente, a responsabilidade civil (AQUINO, GERLIANN, 2008).

A partir deste raciocínio, particularmente inadmissível, Venosa (2007, p. 76), considera que frente à dissolução da vida conjugal, pelo ato ilícito cometido:

[...] responderá apenas o pai ou a mãe que tem o filho em sua companhia. A regra, porém, não é inexorável e admite [...] o detido exame do caso concreto: o menor pode ter cometido o ato ilícito, por exemplo, quando na companhia do genitor, em dia regulamentado de visita. A responsabilidade dos pais deriva, em princípio, da guarda do menor e não exatamente do poder familiar (grifo nosso).

Por certo, cumpre salientar que o disposto pelo artigo supracitado denota o sentido de que, após a ruptura familiar, somente o guardião dos filhos será responsável civilmente pelos atos danosos cometidos por eles, fato que revela uma verdadeira faceta do poder familiar (VIEIRA, 2002).

Perceptivo, pois, que na constância da união conjugal, paralelamente ao instituto da função parental, a responsabilidade civil dos pais pelos atos dos filhos infantes é cumprida de forma natural. A problemática se revela a partir da dissolução conjugal. Por óbvio, durante a união dos pais tal responsabilidade é solidária. Contudo, frente à desordem conjugal, e, consequentemente, o deferimento da guarda, a suposta solidariedade se encerra e o encargo passa a apenas um dos pais (SANTOS, 2005).

Contrária a esta posição, Dias (2009, p. 389) expõe que a responsabilidade dos pais em relação aos filhos crianças e adolescentes é objetiva, ou seja, independe de culpa, pois, mesmo que a referência legal diga respeito somente aos pais que estiverem com o filho em sua companhia, impossível não responsabilizar solidariamente o não guardião. A autora esclarece que não há como reconhecer a limitação da responsabilidade civil dos pais pelos atos praticados pelos filhos à circunstância de estarem eles na companhia dos pais no momento do dano, “afinal, nem mesmo a guarda unilateral limita ou restringe o poder familiar (CC, 1.583 e 1.584). Há que se reconhecer que a responsabilidade parental decorre do poder familiar, que é exercido por ambos [...]” os pais. Se não está o filho em sua companhia, está sob a autoridade parental.

Gonçalves (2010) concorda com tal entendimento. Aduz que, nos termos do artigo 933 do Código Civil, a responsabilidade dos pais sempre independe de culpa pelo fato de não ter bem educado o filho infrator ou por não ter exercido corretamente vigilância e cuidado sobre ele. Desta maneira, dispõe o parágrafo único do artigo 942 do Código Civil, a solidariedade dos pais: “São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932”. Refere o autor, então, que a solidariedade não existe só nos casos de pluralidade de agentes.

Nessa senda, o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhece a responsabilidade do pai não-guardião, conforme acórdão ementado:

AÇÃO DE COBRANÇA. AQUISIÇÃO DE ROUPAS EFETUADA POR MENOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS PAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Em que pese estar a menor sob a guarda exclusiva da mãe, responde o pai pelos atos por ela praticados, nos termos do art. 932, inc. I e art. 1.632, ambos do Código Civil, pois o poder familiar não se altera pela separação judicial. Assim, o réu é legítimo para figurar no pólo passivo da ação. 2. Tendo a filha menor do réu realizado a compra, o que foi admitido em sede recursal, tem o demandado o dever de efetuar o pagamento correspondente, respondendo assim pelo ato da menor. Sentença confirmada por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71001717693, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 09/10/2008) (grifo nosso).

A autoridade parental é uma situação jurídica subjetiva existencial, caracterizada pela atribuição aos pais do poder de interferência na esfera jurídica dos filhos crianças e adolescentes, no interesse destes e não dos titulares do poder (os pais). Entretanto, tal instituto:

[...] tem sido mal enquadrado, dogmaticamente, na figura do direito subjetivo, o que acaba por restringir a atenção doutrinária às relações patrimoniais [...], ou a seu momento patológico – nos casos de extinção ou suspensão da autoridade parental. Perde-se de vista, assim, sua função primordial, de natureza existencial, apta a deflagrar a responsabilidade de ambos os pais no processo educacional dos filhos, independentemente de quem os tenha em sua guarda (TEPEDINO, 2010, p. 431).

“A ideia de autoridade tem relação com o poder familiar. Somente tem autoridade sobre o filho aquele que tem poder familiar, nos termos do art. 1.634 do Código Civil vigente” (ARAUJO, 2009, p. 356). Diante disso, cabe averiguar onde está a obrigação proposta pelo instituto constitucionalmente garantido? O poder familiar pressupõe a autoridade e o cuidado dos pais em relação a tudo que diz respeito aos filhos, não há como simplesmente colocar limites desnecessários, até porque o exercício da guarda, qualquer que seja a modalidade, pode ser uma convenção celebrada entre os pais, o que nem sempre significa o melhor para os filhos.

Alvino Lima apud Vieira (2002) explica que a responsabilidade do pai não-guardião existe quando o dano for causado por sua culpa, ou melhor, se ainda permanece no exercício do poder familiar, com direito à fiscalização da conduta do filho, terá culpa na violação do cuidado e vigilância, de maneira pela qual não se reputará a exclusão de sua responsabilidade (VIEIRA, 2002).

Nesse sentido, são os seguintes julgados:

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. USO DE IMAGEM PARA FIM DEPRECIATIVO. CRIAÇÃO DE FLOG - PÁGINA PESSOAL PARA FOTOS NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. RESPONSABILIDADE DOS GENITORES. PÁTRIO PODER. BULLYING. ATO ILÍCITO. DANO MORAL IN RE IPSA. OFENSAS AOS CHAMADOS DIREITOS DE PERSONALIDADE. MANUTENÇÃO DA INDENIZAÇÃO. PROVEDOR DE INTERNET. SERVIÇO DISPONIBILIZADO. COMPROVAÇÃO DE ZELO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE PELO CONTEÚDO. AÇÃO. RETIRADA DA PÁGINA EM TEMPO HÁBIL. PRELIMINAR AFASTADA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. AUSENCIA DE ELEMENTOS. Apelo do autor Da denunciação da lide I. Para restar configurada a denunciação da lide, nos moldes do art. 70 do CPC, necessário elementos demonstrando vínculo de admissibilidade. Ausentes provas embasando o pedido realizado, não há que falar em denunciação da lide. Da responsabilidade do provedor de internet II. Provedores de internet disponibilizam espaço para criação de páginas pessoais na rede mundial de computadores, as quais são utilizadas livremente pelos usuários. Contudo, havendo denúncia de conteúdo impróprio e/ou ofensivo à dignidade da pessoa humana, incumbe ao prestador de serviços averiguar e retirar com brevidade a página se presente elementos de caráter ofensivo. III. Hipótese em que o provedor excluiu a página denunciada do ar depois de transcorrida semana, uma vez ser analisado assunto exposto, bem como necessário certo tempo para o rastreamento da origem das ofensas pessoais - PC do ofensor. Ausentes provas de desrespeito aos direitos previstos pelo CDC, não há falar em responsabilidade civil do provedor. Apelo da ré Do dano moral IV. A Doutrina moderna evoluiu para firmar entendimento acerca da responsabilidade civil do ofensor em relação ao ofendido, haja vista desgaste do instituto proveniente da massificação das demandas judiciais. O dano deve representar ofensa aos chamados direitos de personalidade, como à imagem e à honra, de modo a desestabilizar psicologicamente o ofendido. V. A prática de Bullying é ato ilícito, haja vista compreender a intenção de desestabilizar psicologicamente o ofendido, o qual resulta em abalo acima do razoável, respondendo o ofensor pela prática ilegal. VI. Aos pais incumbe o dever de guarda, orientação e zelo pelos filhos menores de idade, respondendo civilmente pelos ilícitos praticados, uma vez ser inerente ao pátrio poder, conforme inteligência do art. 932, do Código Civil. Hipótese em que o filho menor criou página na internet com a finalidade de ofender colega de classe, atrelando fatos e imagens de caráter exclusivamente pejorativo. VII. Incontroversa ofensa aos chamados direitos de personalidade do autor, como à imagem e à honra, restando, ao responsável, o dever de indenizar o ofendido pelo dano moral causado, o qual, no caso, tem natureza in re ipsa. VIII. Quantum reparatório serve de meio coercitivo/educativo ao ofensor, de modo a desestimular práticas reiteradas de ilícitos civis. Manutenção do valor reparatório é medida que se impõe, porquanto harmônico com caráter punitivo/pedagógico comumente adotado pela Câmara em situações análogas. APELOS DESPROVIDOS. (Apelação Cível Nº 70031750094, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 30/06/2010) (grifo nosso).

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR MORTE DE FILHA MENOR. DISPARO DE ARMA DE FOGO. HOMICÍDIO CULPOSO. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS PAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Na época dos fatos, o autor do disparo contava com 17 anos de idade. Os pais respondem objetivamente pelos atos praticados pelos filhos menores sob sua autoridade e em sua companhia. Os demandados (pais) são responsáveis pelo ato ilícito praticado pelo filho menor, que se utilizou de arma de fogo e vitimou a filha dos autores, porquanto faltaram com o dever de vigilância ao deixar arma de fogo ao alcance do rapaz. A culpa dos genitores é, ao mesmo tempo, in vigilando e in omittendo. Inteligência dos artigos 932, I, e 933 do Código Civil. PENSIONAMENTO MENSAL. É devida indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência da morte de filho menor, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima. Correta a sentença que determinou o pagamento de pensão mensal, em favor dos autores, no valor de 2/3 do salário mínimo nacional, a contar do fato danoso até a data em que a vítima completaria 25 anos de idade, quando então a pensão passa a ser de 1/3 do salário mínimo nacional, devida até a data em que a vítima completaria 65 anos, se antes não ocorrer o falecimento dos beneficiários. Precedentes do STJ e desta Corte. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. NECESSIDADE. Consoante orientação jurisprudencial uniformizada na 2ª Seção do STJ é necessária a constituição de capital para assegurar o pagamento das prestações futuras do pensionamento. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO IN RE IPSA. Evidentes os danos morais sofridos pelos autores em decorrência da trágica morte da filha, com apenas 17 anos à época. Desnecessária a produção de prova a respeito do dano moral, por representar modalidade de dano in re ipsa, que decorre do próprio fato. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O valor fixado para fins de indenização deve observar o princípio da razoabilidade, de forma que a soma não seja tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva, além de levar em conta a intensidade da ofensa. Quantum fixado em R$46.500,00 para cada um dos autores. APELAÇÃO DOS AUTORES DESPROVIDA. APELO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70034854711, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 27/05/2010) (grifo nosso).

 

A relação paterno-filial deve estar munida da responsabilidade dos pais em relação às necessidades dos filhos, tal como argumenta Hironaka (2002). Os pais não podem simplesmente deixar de lado suas responsabilidades e alegar que não estavam presentes no momento em que o filho cometeu algum ato causador de dano a outrem (ARAUJO, 2009).

Desses rumores doutrinários, surgem algumas tentativas de solucionar a divergência. Azevedo apud Araujo (2009, p. 357-358) compreende que:

[...] tratando-se de menor infans (com até sete anos de idade), o detentor do direito de guarda é o responsável pelos danos causados pelo filho. Já quando se ultrapassa a idade de sete anos, há que se analisar caso a caso. Isso porque, sendo o dano causado por deficiência na educação do menor (decorrente da falta de bons conceitos morais e éticos, por exemplo), ambos os pais devem ser responsabilizados, independentemente de quem estiver com a guarda, pois este dever pertence a ambos os genitores (grifo nosso).

Grisard Filho (2009) acredita que as prerrogativas do poder familiar devem contemplar a solidariedade no exercício das funções parentais, aumentando-se a participação dos pais na proteção do desenvolvimento e da educação de seus progênitos e, incluindo-se, na opinião particular, o dever de indenização pelos danos causados pelos filhos crianças e adolescentes.

Nesse pensar, dispõe o artigo 229 da Constituição de 1988 que: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores [...]”. Há que se ponderar, pois, que a separação da vida conjugal dos pais não pode provocar alterações nos direitos e, principalmente, nos deveres que estes têm para com seus descendentes genuínos.

 “O filho precisa sentir que ambos os pais cuidam dele e o protegem. Naturalmente, quanto menor a criança, mais necessitará de vinculação afetiva estável e de cuidados físicos e materiais” (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 120). Logo, compreende-se que a função parental se mantém, estando ou não os pais em união conjugal, salvo os casos prejudiciais ao crescimento da criança.

Cabe ressaltar, por conseguinte, que a dissolução da vida conjugal não pode interferir na responsabilização dos pais em relação aos atos danosos praticados pelos filhos crianças e adolescentes, pelo simples fato de isentar o pai do dever de proteção.

Groeninga (2009) menciona que a realidade implica na consideração do princípio da proteção integral da criança e do adolescente que, necessariamente, congrega o exercício das funções paterna e materna. A separação em sentido lato compreende um trabalho mental de distinção entre casal conjugal e casal parental. A dificuldade condizente ao exercício da autoridade parental pós-dissolução conjugal estão relacionados ao impasse de diferenciar tais funções, tidas como normais durante a união afetiva dos pais.

A decisão jurisprudencial colacionada a seguir demonstra a atual tendência de impor aos pais a obrigação de reparação civil advinda de condutas ilícitas praticadas pelos filhos crianças e adolescentes, pois exercem sobre eles a autoridade parental, que prevê inúmeros deveres parentais, dentre os quais está o dever de vigilância e cuidado:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELO FILHO MENOR DE IDADE NA ÉPOCA DA PRÁTICA DO ATO ILÍCITO. ART. 932, I DO CCB. MÉRITO. ATO ILÍCITO RECONHECIDO NA ESFERA CRIMINAL. DANOS MATERIAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 928 DO CCB. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA DOS VALORES. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. ATO ILÍCITO. SÚMULAS 43 E 54 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDOS. I - Nos termos do art. 932, I do Código Civil os pais são responsáveis pela reparação decorrentes dos atos ilícitos praticados pelos filhos menores, justamente porque sobre eles exercem o poder familiar, sendo que dentre as várias obrigações está o dever de vigilância. Ilegitimidade passiva afastada. II - O art. 928 do CCB deve ser interpretado de modo que o incapaz venha a responder com seu patrimônio se o responsável por ele venha a sofrer uma redução patrimonial que limite os meios necessários a sua manutenção. Não há falar, por conseguinte, em ausência de responsabilidade decorrente dos parcos rendimentos mensais percebidos pela genitora. III - Danos materiais. A impugnação dos valores referentes aos danos materiais sem aportar aos autos documentos que comprovem que o valor pretendido extrapola a normalidade, não deve ser considerada. IV - Tratando-se de responsabilidade extracontratual os juros de mora e a correção monetária devem observar o disposto nas Súmulas 43 e 54 do STJ. V- Mantêm-se os honorários advocatícios na forma fixada na sentença quando bem atende ao disposto no art. 20, §3º do CPC. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70029335395, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 24/02/2011) (grifo nosso).

Na realidade, como afirma César-Ferreira (2007), independentemente da ruptura familiar, os pais precisam de atitudes amadurecidas para que os efeitos emocionais desfavoráveis aos filhos não causem a fragilidade na relação paterno-filial.

Como expõe Barreiro (2010, texto digital):

O ser humano tomado pelo maior gigante da alma, o egoísmo, olvida-se do melhor interesse da criança ou do adolescente, tão somente, lembrando-se de atender aos seus desejos mais egocêntricos, quando do fim de uma sociedade conjugal, chegando ao ponto, muitas vezes, de cometer a alienação parental.

Compreende-se que impor somente ao pai que esteja em companhia do filho no momento em que este causa dano a outrem é um desrespeito ao princípio da igualdade nas relações familiares e ao princípio da convivência parental/familiar. Ademias, estar em companhia e sob sua autoridade, não pode estar relacionado com a guarda do filho após a dissolução da vida conjugal.

Porém, concretamente, não é o que se verifica na realidade. O ordenamento jurídico nacional, infelizmente, não prevê objetivamente a responsabilidade civil dos pais. Salienta-se que a permanência da solidariedade entre os pais é essencial no exercício regular do poder de família, pois, como já dito, naturalmente, são os responsáveis pelo bom desenvolvimento e educação de seus progênitos.

Como se sabe, a participação de crianças e adolescentes na prática de atos causadores de danos é uma realidade social. Atualmente, a sociedade passa por uma constante transformação, vez que a evolução natural dos tempos modifica o pensar e o agir dos indivíduos que compõem o ambiente social. 

Diante disso, obviamente a família acompanha o universo das modificações e atualiza seus conceitos e estruturas. O modelo rígido e patriarcal já não é aceito, pois o princípio da igualdade preconiza a todos os entes familiares formas iguais de direitos e deveres.

Nota-se que a previsão do Código Civil vigente refere que os pais são responsáveis pela reparação civil diante de atos danosos cometidos por seus filhos crianças e adolescentes que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Entende-se, assim, que a união dos pais impõe o dever de terem seus filhos sob sua autoridade e de que estes estejam em sua companhia.

Plausível observar, portanto, que o rompimento conjugal entre os pais seja digno de contínuas responsabilidades. Mesmo separados os pais devem ser responsabilizados pelos atos que causarem prejuízos praticados por seus filhos crianças e adolescentes, sendo que o contrário isenta o dever de proteção daquele que não exerce a guarda, sobrecarregando responsabilidades ao guardião e acomodando o outro. Apenas nos casos em que o ato seja cometido durante a visita do não guardião, a responsabilização civil está ligada à culpa deste para o ocorrido.

O caminho da responsabilidade civil dos pais necessita ser visualizado por outro ângulo. As questões de cunho patrimonial devem ser deixadas de lado, pois o que importa aqui é a permanência de todos os direitos inerentes ao exercício da autoridade parental, não interessando o relacionamento existente entre os pais. O não-guardião também merece ser responsabilizado pelos prejuízos causados por sua prole infanto-juvenil, vez que as correlacionadas funções materna e paterna são isentadas somente nas situações em que o poder familiar já não se constitui.

Assim, resta claro questionar a disciplina legal. Não há esclarecimentos sobre a referida questão, o que caracteriza incompatibilidade das normas vigentes com a atualidade social. Evidentemente o que se forma é uma lacuna jurídica que, por sua vez, clama por preenchimento, junto ao propósito de promover corretamente o exercício dos direitos e deveres concernentes às relações familiares.

Compreende-se, nessa direção, que impor a responsabilidade civil somente ao pai que esteja em companhia do filho no momento em que este causa dano a outrem é um desrespeito ao princípio da igualdade nas relações familiares e ao princípio da convivência parental/familiar. Após a dissolução da vida conjugal, ambos os pais continuam exercendo os mesmos deveres relacionados ao exercício da autoridade parental, em prol da proteção dos direitos da criança e do adolescente.

Frente ao desenvolvimento da sociedade contemporânea, demonstram-se as reais transformações pelas quais vem passando a família num contexto geral. A entidade familiar atual já não depende das antigas ordens patriarcais. A dignidade, o afeto, a solidariedade, a igualdade e o resguardo hodiernamente vêm em primeiro lugar, com o afinco de estabelecer o benefício das relações familiares e, automaticamente, de todo o âmbito social.

Enfatiza-se, ainda, que o instituto da guarda revela a importância das boas relações familiares, das quais se permite a regularidade do convívio parental, propiciando-se a todos os indivíduos que compõem a unidade familiar um sadio, apropriado e promissor desenvolvimento.

A pessoa durante sua infância padece de necessidades afetivas e da convivência perante seus pais, sendo que a visitação não pode ser apontada como convívio. A visita imposta aos pais que não detêm da guarda de seus filhos acompanha a insuficiência da natureza que permeia o objeto da autoridade familiar, ou poder familiar. Independentemente do estado afetivo e conjugal entre pai e mãe, suas funções perpassam qualquer conflito. Tenha-se em mente que a “visita” não coopera com o melhor interesse dos pupilos, vez que não oferece a garantia da convivência.

Critica-se, pois, os limites ainda estabelecidos pela legislação quanto à responsabilização civil dos pais perante os atos danosos causados por seus filhos crianças e adolescentes. A situação posta frente à ruptura familiar com a consequente desresponsabilidade do não guardião e a sobrecarga de obrigações ao guardião é inadmissível na realidade contemporânea.

Estas considerações possibilitam conclamar aos operadores do Direito a efetiva autorização de um marco regulatório legal que discipline a corresponsabilidade civil dos pais, qualquer que seja a situação conjugal.

Acredita-se que entre o pai e a mãe – não causadores de risco aos filhos – a solidariedade objetiva deve ser reconhecida, abarcando-se como essencial ao exercício regular da autoridade parental, pois, como já mencionado, naturalmente, a sociedade e a família precisam alcançar a excelência educacional de seus indivíduos.

É inviável considerar como referência à reparação civil dos pais a singela proximidade física destes com seus filhos no momento em que o dano a outrem se propaga, sendo viável, portanto, interligar a responsabilização com a autoridade parental.

Pressupõe-se que a responsabilidade civil objetiva dos pais é complementação do dever de proteger e manter vigilância sobre sua prole. Sustenta-se a presunção relativa da solidariedade de culpa paterno-maternal, atendendo aos interesses de justiça e proteção à dignidade humana. Em síntese, a responsabilidade civil é inerente aos exercícios da função e da autoridade parental, que impõem considerável arranjo de deveres aos pais para com seus filhos.

A não incumbência do exercício da guarda dos filhos é injustificável para a ausência do convívio paterno-filial, vez que a visitação é insatisfatória para a conduta evolutiva da prole. O direito de visitas é inadequado, pois os respectivos encargos da autoridade parental não se limitam a assegurar aos pais o direito de ter o filho em sua companhia em determinados períodos de tempo. Visitação não é convivência. Ausência de convívio não é proteger.

Sem dúvida, não há como deixar de reconhecer que os conviventes edificam sua formação de uma personalidade. A única hipótese em que a convivência deve ser impedida é tida nos casos incompatíveis com a proteção integral infanto-juvenil. Ora, é conhecida a naturalidade de transmissão de influência que os pais têm sob seus filhos. Salvo nas situações que promovam perigo aos filhos, a obtenção de um bom desenvolvimento psicossocial depende da regular, estável e próxima convivência destes com seus pais, independentemente da guarda que esteja estabelecida.

Em suma, a regra geral deveria ser a objetividade da responsabilidade civil dos pais pelos atos danosos causados pelos filhos crianças e adolescentes, sendo que sua isenção ficaria caracterizada apenas, e tão somente, como uma exceção, nas hipóteses em que os filhos estejam sob o cuidado e vigilância de outras pessoas que não seus pais. Observando-se, porém, com profunda análise do Estado-juiz cada caso concreto, vez que mesmo nestas ocasiões há possibilidade de os pais serem responsabilizados pelas atitudes dos filhos.

 

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Autor: Gisele Corbellini


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