Terra pegando fogo



Com terra que não acaba mais e produção agrícola baixa, o país ateou fogo no campo. Com seu privilégio territorial, o Brasil jamais deveria ter o campo conflagrado. Existem 371 milhões de hectares
prontos para a agricultura no país, uma área enorme, equivalente aos territórios da Argentina, França, Alemanha e Uruguai somados. Mas apenas 14% dessa terra, igual à Alemanha, tem algum tipo de plantação. Outros 48%, área quase igual ao México, se destinam à criação de gado. O que sobra, uma África do Sul inteira, é o que os especialistas chamam de terra ociosa.

O problema fundiário no Brasil está na concentração de terra, uma das mais altas do mundo, e no latifúndio improdutivo. Em comparação com os vizinhos latino-americanos, o Brasil é um campeãoem concentração de terra. Juntando tanta terra nas mãos de poucos e vastas extensões improdutivas, o Brasil montou o cenário próprio para atear fogo no campo. É aí que nascem os conflitos, que nos últimos quinze anos, só em chacinas, fizeram 115 mortos. Daí surge a massa de sem-terra, formada tanto por quem perdeu seu pedaço para plantar como pela multidão de excluídos, desempregados ou biscateiros da periferia das grandes cidades, que são, de uma forma ou de outra, gente também ligada à questão da terra.

Com tanta concentração, o Brasil produziu uma oligarquia rural poderosa. Esta casta rural tende a explorar a monocultura, gosta mais de exportar do que abastecer o mercado e adora dar calote em banco oficial. Os campeões do calote são plantadores de soja, arrozeiros, canavieiros e pecuaristas. Já as terras improdutivas provocam outro tipo de mal. Seus proprietários não arrombam o erário, mas subvertem a economia agrária.

No Brasil, especular com a terra virou esporte. É tanta especulação que um hectare no nosso país custa mais que na Argentina onde a terra é mais escassa e muito mais fértil.
Historicamente, o problema agrário brasileiro começou em 1850, quando acabou o tráfico de escravos e o império, sob pressão dos fazendeiros, resolveu mudar o regime de propriedade. Até então,
ocupava-se a terra e pedia-se ao imperador um título de posse. Dali em diante, com a ameaça de os escravos virarem proprietários rurais, deixando de se constituir num quintal de mão de obra quase gratuita, o regime passou a ser o de compra, e não mais o de posse.

Só podia ser dono da terra quem a tivesse comprado. Observe a sutileza: o imigrante e o ex-escravo eram pobres, jamais teriam dinheiro para comprar sequer o mínimo pedaço de chão. Dessa forma, a célebre Lei de Terras votada pelo Parlamento do Brasil em 1850 garantia que a mão de obra livre estaria à disposição dos grandes proprietários. Esta mesma lei foi chamada de Lei do Cativeiro, pois com a substituição do trabalho escravo pelo trabalho dos imigrantes, seria possível falar que “se o trabalho é
livre, a terra é cativa”.
Seria interessante compararmos a Lei de Terras de 1850 com a lei norte-americana chamada Homestead act. Esta estabelecia que, se o imigrante cultivasse um pedaço de terra abandonada, ele
passaria a ser dono da terra, mesmo que ela já tivesse um antigo proprietário. É o que se chama de usucapião (quem utiliza a terra passa a ser seu legítimo dono). Foi uma lei importante para atrair imigrantes e que estimulou a criação de milhares de pequenas e médias fazendas. A riqueza estava mais bem distribuída, o mercado interno mais forte. Claro que nem sempre a terra acabou nas mãos das famílias camponesas, mas de certo modo foi uma reforma agrária. No Brasil, bem ao contrário, a Lei de Terras assegurava o domínio dos latifúndios. É importante ressaltarmos que, em decorrência da aplicação de leis tendenciosas, os conflitos no campo se acentuaram com a imposição do assalariamento, surgindo greves, mas, os maiores choques sempre foram gerados pelo problema da terra em forma de latifúndio, em geral improdutivo.


Autor: Ademar Da Silva Campos


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