Bom senso



BOM SENSO

 

“Inexiste no mundo coisa mais bem distribuída que o bom senso, visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem. E é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens.”

Com essas palavras Renê Descartes, no século XVI, inicia o “Discurso do Método”, um dos mais importantes livros para as definições das regras da ciência, ou para explicitar como fazer ciência. Entretanto, não pretendemos discutir ciência, mas o bom senso... ou a falta dele. E começamos justamente nos perguntando se a afirmação de Descartes é verdadeira ou ali se manifesta uma ironia desse pesador racionalista?

Analisemos o que afirma Descartes. Diz ele que não existe nada mais bem distribuído que o bom senso. O que implicaria dizer que todos são sensatos. “Visto que cada indivíduo acredita ser tão bem provido dele que mesmo os mais difíceis de satisfazer em qualquer outro aspecto não costumam desejar possuí-lo mais do que já possuem”. Se quisessem mais implicaria dizer que não possuem suficiente bom senso e, por isso, são insensatos. Ocorre que as pessoas chatas – a quem Descartes chama de “difíceis de satisfazer” – não admitiriam não ser o que julgam ser, ou seja, imaginam ser o que não são. Assim sendo, o chato considera-se suficientemente provido – ou “bem provido” – de bom senso, por isso não desejam “possuí-lo mais do que já possuem”

Mas o que isso indica? Justamente a falta de bom senso, pois a pessoa que julga ser o que não é, de fato não é o que julga ser; e não aceita não ser o que não é, mesmo não sendo. Por outro lado, a pessoa sensata é aquela que se coloca em seu chão (é humilde: Húmus, em latim significa o solo com fertilidade). A pessoa humilde, portanto, não é aquela que vive de cabeça baixa, como se estivesse com vergonha por existir, mas, pelo contrário, é aquela que tem consciência de si, sem exageros, mas na justa medida (nem para mais nem para menos). É fértil em ideias e sabe acolher o que lhe é oferecido.

Assim temos as pessoas chatas e as pessoas humildes. O humilde insere-se em seu espaço. Justamente porque conhece seu potencial e seus limites, aceita o diálogo; sabe que pode aprender com o outro, visto que tem consciência de que não sabe tudo. Sabe-se um ser em construção. Já o chato briga pelas aparências – é insensato – por não ser humilde é presunçoso, arrogante, estéril, pois não possui húmus! Pensa ser senhor da verdade e, portanto, não aprende as lições da vida; considera-se acima do bem e do mal, por isso erra e comete injustiças. Embora se considere sensato, na realidade é um idiota.

O humilde, podemos dizer, é sábio, pois sábio não é quem sabe tudo, mas quem se predispõe a aprender.  E sempre há algo a aprender. E, detalhe importante: sempre o que não sabemos é mais do que aquilo que acreditamos saber. Por isso, quem se dispõe a aprender tem uma tarefa árdua e extensa.

Por outro lado, o insensato, chato, idiota... por se considerar um “sabe tudo” nunca sairá do lugar e, portanto, não se dará conta das maravilhas que está perdendo por se considerar autossuficiente. Por esse motivo o idiota – aliás, o chato – está condenado à mesmice. Como imagina que sabe tudo, não aprende. Todas as novidades serão por ele rejeitadas pois não se enquadram em seus modelos preestabelecidos. E, quando se dirige aos outros, não será pelo diálogo, mas para impor suas verdades; caso entre numa conversa, quererá que sua opinião prevaleça. Nem terá amigos, pois não terá nada a oferecer, a não ser seu ponto de vista que não se ampara em nenhum outro ponto.

Contra esse tipo de pessoa é que Sócrates teria feito uma de suas argumentações mais conhecidas: “Ele imagina que sabe, e não sabe. Portanto não sabe que não sabe. Eu, pr meu lado, não sei e sei que não sei. Portanto sou mais sabia que ele, pois sei que nada sei”

Se levarmos isso em consideração parece que está equivocada a afirmação cartesiana “o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual em todos os homens”. Daí que o bom senso não e bem distribuído. Pelo contrário os insensatos apenas se imaginam possuidores de bom senso.

Agora, apliquemos isso ao discurso dos políticos em época de campanha. Veremos que os candidatos estão sempre afirmando serem capazes resolver todos os problemas. São, portanto, arrogantes-insensatos. Mas o pior disso é que existem outros, os insensatos-tolos, que acreditam em seus discursos... e os elegem. Como este ano haverá muito discurso à cata de votos, apelemos para nosso bom senso.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador

Rolim de Moura - RO


Autor: Neri P. Carneiro


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