O mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro



O mandado de injunção no constitucionalismo brasileiro

1-Introdução

                  Os aspectos da vida cotidiana se mostram infinitos sendo bastante difícil que a lei os acompanhe quando se trata de questões relativas à defesa de direitos. A pesar de tais imperfeições existentes na ordem jurídica é impossível deixar que o direito de alguém seja lesado por falta de norma que o torne efetivo. Para isso o legislador constituinte se preocupou em assegurar esses direitos através de um mecanismo denominado “mandado de injunção”; objeto de estudo do presente artigo, que tem como objetivo analisar a opinião de diferentes doutrinadores no que se refere à questão, o seu procedimento na ordem constitucional brasileira e a sua relação com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADIn PO.

                  O mandado de injunção se inclui entre os chamados “remédios constitucionais”, que segundo José Afonso da Silva são “meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a intervenção das autoridades competentes, visando sanar, corrigir, ilegalidade e abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses individuais” (SILVA, 2001. p. 444). A sua origem é remota, nasceu com o direito de petição na Inglaterra durante a Idade Média, resultado das revoluções inglesas de 1628 e se consolidou com o Bill of Rights em 1689; mas já era insinuado na Carta Magna de 1215. Já o mandado de injunção, nasceu na Inglaterra durante o século XVI do Juízo de Equidade, como um remédio outorgado, mediante juízo discricionário quando falta norma legal regulamentando espécie e quando a Common Law não oferecia proteção suficiente. A decisão era fundada no justo natural. A pesar de ser uma decisão discricionária o juiz não tinha  arbítrio de criar norma, era orientado por pauta de valores jurídicos existentes na sociedade tais como os princípios gerais do direito e os costumes (SILVA, 2001). Apesar da origen anglo-saxã, Alexandre de Moraes atribui à doutrina e jurisprudência pátrias à definição dos contornos e objetivos do que se conhece no Brasil por mandado de injunção (MORAES, 2008).

2-O mandado de injunção na ordem constitucional brasileira

                  Segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha, no Brasil, o mandado de injunção foi preliminarmente cogitado pelo constituinte como modo de impugnação da inconstitucionalidade por omissão na Emenda nº 155, de 27/03/1987, de autoria do Senador Virgílio Távora (ROCHA, 1988). Após tramitação voltou a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LXXI, com o seguinte enunciado: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (CF/1988).

                  Kildare Gonçalves Carvalho suscita alguns problemas presentes no art. 5º, LXXI, dentre eles que a Constituição não diz o que é mandado de injunção, mas apenas como se dará. (CARVALHO, 2001). No entanto, José Afonso da Silva define o mandado de injunção como: "Um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora exigida ou suposta pela Constituição. Sua principal finalidade consiste assim em conferir imediata aplicabilidade à norma constitucional portadora daqueles direitos e prerrogativas, inerente em virtude de ausência de regulamentação" (SILVA, 2001. p. 450-1).

                  Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino a falta de norma regulamentadora ocorre mediante ação estatal e inércia governamental, quando o Estado deixa de adotar medidas necessárias à realização de preceitos constitucionais (PAULO; ALEXANDRINO, 2008). Alexandre de Moraes chama essa omissão estatal de síndrome da inefetividade das normas constitucionais, e atribui importante papel ao mandado de injunção na viabilização de certos direitos (MORAES, 2008).

                  Em tom de crítica a eficácia das normas constitucionais, Carmem Lúcia Antunes Rocha justifica a introdução do mandado de injunção na CF/1988. Para ela os grupos que detém o poder se caracterizam por descumprir alguns preceitos constitucionais. Essa inércia foi materializada na CF/1988 por meio das normas constitucionais despojadas de eficácia plena e difíceis de terem aplicação imediatamente após a promulgação do texto normativo. Dessa forma:"...o mandado de injunção introduz no ordenamento jurídico pátrio a ruptura dos modelos constitucionais ineficientes ou parcialmente eficientes, vez que se entrega ao indivíduo à possibilidade de reivindicar o respeito à regra originadora ou assecuratória de direito seu, para cujo exercício requer-se norma cuja superveniência incorreu" (ROCHA, 1988).

                  A falta de norma regulamentadora constitui um dos pressupostos básicos para propositura do mandado de injunção. Outro pré-requisito é ser o impetrante beneficiário direto de liberdade ou prerrogativa que postula em juízo. José Afonso da Silve explica melhor esses termos. Quanto aos direitos entende-se qualquer direito individual, político, social não regulamentado. Já as liberdades são previstas em normas constitucionais comumente de aplicabilidade imediata, independente de regulamentação. Raramente ocorrerá oportunidade de mandado de injunção nessa matéria, no entanto há situações que dependem de lei regulamentadora como o art. 5º, VI da CF/88, que trata da liberdade e proteção aos cultos mediante lei infraconstitucional. O mesmo ocorre com as prerrogativas inerentes à nacionalidade, pois as questões de nacionalidade se esgotam nas prescrições constitucionais que já definem de modo eficaz no art. 12 da CF/88. Apenas a naturalização depende de lei, mas como já existe não pode ser objeto de mandado de injunção. As prerrogativas concernentes à soberania popular e cidadania se desdobram mediante lei, que apesar de já estirem, podem ser revistas (SILVA, 2001).

                  Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino definem como legitimados para propor mandado de injunção qualquer pessoa física ou jurídica titular de direito constitucional obstado por inércia do legislador. Embora não haja previsão expressa na CF/1988 o Supremo Tribunal Federal entende a possibilidade de mandado de injunção coletivo, admitindo-se impetração por entidades sindicais ou de classe que tenham como objetivo assegurar o exercício de direito assegurado pela constituição não regulamentado a favor de seus membros ou associados. Também são legitimados partidos políticos com representação no Congresso Nacional (PAULO; ALEXANDRINO, 2008).

                  Ao lado do legitimado existe a figura do legitimado passivo que segundo Kildare Gonçalves Carvalho, é a pessoa estatal responsável por editar ato normativo. Mesmo que no julgamento do Mandado de Injunção n. 305-DF, o Ministro Marco Aurélio determinou no pólo passivo o Congresso Nacional e os bancos aos quais se imputavam a cobrança axtorsiva de juros (art. 192, § 3º da CF/198); a jurisprudência dominante do STF é que somente pessoas estatais podem figurar pólo passivo de relação instaurada por mandado de injunção (CARVALHO, 2001. p. 307).

                  Existem requisitos para a propositura de mandado de injunção. Somente omissões relativas a normas constitucionais de eficácia limitada e caráter mandatário, que exigem para sua plena aplicabilidade a edição de norma infraconstitucional podem ser objeto desse tipo de ação. Deve também haver nexo de causalidade entre a omissão do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa constitucional. Somente depois de esgotado o prazo considerado razoável sem concretização do direito constitucional por órgão ou autoridade competente é que se poderá propor mandado de injunção. Segundo a jurisprudência do STF, não caberá mandado de injunção quando a CF/88 outorga mera faculdade ao legislador para regulamentar algum direito previsto em seus dispositivos. Entende-se que compete ao legislador discricionariamente decidir quando e se estabelecerá a regulamentação que lhe foi facultada (PAULO; ALEXANDRINO, 2008).

                  Quanto aos efeitos da decisão do mandado de injunção existem duas posições, a “concretista”, que representa a concretização do exercício de direito, tendo valor inter partes (com a efetivação imediata do direito ou mediante prazo para expedição de norma reguladora) ou erga omnes. A segunda posição é a “não concretista”, onde o poder judiciário apenas reconhece formalmente a inconstitucionalidade da omissão dando ciência ao órgão responsável para que edite a norma, o que conferia pouca efetividade ao mandado de injunção. “Estribada no princípio da separação dos poderes, essa corrente entende que não deverá o poder Judiciário suprir lacuna, nem assegurar ao impetrante o exercício de direito de norma regulamentadora, tampouco obrigar o Poder Legislativo a legislar” (PAULO; ALEXANDRINO, 2008. p. 208). Essa posição recebeu sérias críticas da doutrina que propunha uma atuação mais eficaz pelo Poder Judiciário. Com a mudança de sua composição o STF reformulou esse entendimento e passou a adotar a corrente concretista. Mesmo assim não houve consenso entre os membros do Tribunal quanto ao alcance da decisão proferida pelo mandado de injunção, pois será adotada tanto a posição concretista geral, com eficácia erga omnes, quanto a concretista individual, com eficácia inter partes (PAULO; ALEXANDRINO, 2008).

3-Mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão

                  Muito se discute acerca da relação entre o mandado de segurança e a ação direta de constitucionalidade por omissão. José Afonso da Silva estabelece a distinções entre o Mandado de Injunção e a ADI por omissão. "Não é função do mandado de injunção pedir a expedição de norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo de ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º). É equivocada, portanto, data vênia, a tese daqueles que acham que o julgamento do mandado de injunção visa a expedição de norma regulamentadora do dispositivo constitucional dependente de regulamentação, dando a esse remédio o mesmo objeto da ação de inconstitucionalidade por omissão" (SILVA, 2001. p. 452).

                  O autor ainda prossegue na sua tese que distingue o mandado de injunção da ADIn PO. Para ele não tem sentido a existência de dois institutos com o mesmo objetivo, mesmo que existisse, o legislador não é obrigado a legislar. E se é negado ao indivíduo a legitimidade para ação de inconstitucionalidade por omissão, porque faze-lo por outros meios?(SILVA, 2001)

                  Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino complementam essa posição pois admitem que apesar de bastante próxima a relação entre os dois institutos, que visam suprir omissão do legislador, eles possuem aspectos distintos. O mandado de injunção pode ser tentado por qualquer pessoa (física ou jurídica) que tenha seus direitos constitucionais ameaçados por falta de norma regulamentadora. Na ADIn PO, a legitimação é restrita aos entes enumerados no art. 103, I a IX da CF/88. O mandado de injunção se refere a um caso concreto onde o exercício de um direito constitucional esteja lesado por falta de norma regulamentadora, já a ADIn PO não se refere necessariamente a um caso concreto e a competência para julgamento  no âmbito federal, é exclusiva do STF (art. 102, I, “a”, CF/1988). No mandado de injunção, além da competência originária do STF (art. 102, I, “q”, CF/1988), há fixação de competência para julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “h”, CF/1988), e pelo Tribunal Superior Eleitoral (art. 121, § 4º, V, CF/1988) (PAULO; ALEXANDRINO, 2008).

                  Por fim cabe ressaltar que o mandado de injunção é um instrumento que não depende de regulamentação para ser aplicado estando apto a produzir resultados desde a promulgação da CF/1988. Segundo Carmem Lúcia Antunes Rocha, esse remédio constitucional exige construção jurisprudencial, alicerçado em parte pela elaboração doutrinária. Todavia o seu aparato técnico-constitucional está acabado e apto a ser exercido (ROCHA, 1988).

                  Posição semelhante é a de José Afonso da Silva para quem o texto possui elementos suficientes a sua imediata aplicação, reforçada essa aplicabilidade direta com o dispositivo no § 1 do art. 5º da CF/1988, “o que significa que os juízos não poderão deixar de atender a toda e qualquer demanda que lhe for dirigida, e não poderão deixar de decidir também, dado o monopólio jurisdicional (non liquet)” (SILVA, 2001. p. 455).

                  Por fim, dados todos esses elementos que tornam o mandado de injunção acessível a qualquer pessoa que tenha seus direitos constitucionais lesados, esse remédio constitucional expresso pela CF/1988 é mais um instrumento que torna viável o caminho para construção da cidadania no Brasil.

4-Bibliografia

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

BRASIL. Vade Mecum. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2008.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O mandado de injunção na ordem constitucional brasileira. In: Anal. e Conj. Belo Horizonte, v. 3, nº 3, dez. 1988.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001.

 

 

 

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