Meus sonhos ou a Obra de Deus?



 

Benção ou maldição?

 

Meu nome é J. Alburn, sou filho de um pastor batista de uma cidadezinha do sul dos EUA. A história que vou contar aconteceu com meu pai. É a história de sua vida e também de sua morte. Ainda jovem, quando saiu do seminário, meu pai mudou-se com minha mãe para MountainRock a fim de pastorear uma pequena congregação que surgira naquela região.

 

A igreja se reunia num velho galpão reformado, cedido por um fazendeiro, o velho Orr (como era conhecido), um homem alto e vermelho, de aparência não muito sociável, mas de coração incrivelmente generoso. O velho Orr, não era de muita conversa, mas estava sempre pronto para servir e acudir quem precisasse, além de ser muito zeloso para com Deus e cheio de amor pela Sua obra. Ele jamais cobrara um centavo sequer pelo uso de seu galpão, e todos sabiam de sua enorme satisfação em ceder o local e receber os irmãos para as reuniões, cultos e aulas de escola bíblica dominical, satisfação esta demonstrada na sua disposição de, ele próprio, cuidar de toda a limpeza e organização para que a igreja se sentisse muito a vontade. Todos eram muito felizes e parecia que esta alegria contaminava a muitos, pois os nossos vizinhos e moradores da cidade desejavam fazer parte daquela humilde mas contagiante igreja.

 

Nasci e cresci neste ambiente até meus treze anos de idade. Foi nesta época que faleceu o Sr. MacLane, membro mais idoso da nossa congregação, e após seu sepultamento, a viúva, Sra. MacLane, procurou meu pai para fazer-lhe uma proposta que mudaria esta história para sempre. Sensível ainda com a morte do marido, a viúva resolveu abençoar a igreja, doando um grande terreno em sua propriedade para a construção de “uma casa para o Senhor” como ela mesma definira. A viúva informou ainda, que o falecido sempre comentava com ela que embora a bondade do velho Orr fosse indiscutível, aquele antigo celeiro não era um local digno para igreja de Deus se reunir. Portanto, como se fosse a realização da última vontade do Sr. MacLane, a viúva insistiu que meu pai levasse a proposta para a igreja de construir um novo templo.

 

Não preciso falar que de imediato, o velho Orr ficou bastante entristecido. Outros poucos irmãos também se posicionaram contra, argumentando que o dinheiro para tal construção poderia ser melhor utilizado para o Reino. Devo confessar, que meu pai ficara bastante entusiasmado com a possibilidade de um templo novo, maior, com melhor iluminação e ventilação... como a Igreja Batista de Yellowmount que ele visitara há alguns anos e nunca mais se esquecera. Colocamo-nos todos em oração, mas já sabendo o que iria acontecer.

 

Penso que muitas vezes nos colocamos diante de Deus apenas para cumprir uma simples “formalidade espiritual” pois já sabemos muito bem o que queremos. O que esperamos que Ele faça? Mande um mensageiro para conversar conosco e discutir o projeto? Explicar o “porque sim”ou “porque não”? Não estamos apenas querendo que o Senhor legitime nossa vontade e assine em baixo de nossas petições? Não importa quantas horas passamos de joelhos dobrados, se nossa obstinação for maior do que a disposição para analisar a realidade e alinhavar com a humildade, sublimidade e simplicidade da Palavra de Deus. Aprendi que nestes casos, Deus não apenas se calará como também permitirá que nossa cobiça e jactância estrague tudo. Pode parecer cruel da parte dEle, ou mesmo que Ele está distante e não se importa com isto, mas não é nem crueldade e nem ausência. Ele é soberano e está muito acima de toda estupidez humana. Afinal, é a vontade de quem que está sendo feita?   

 

A igreja se reuniu em assembléia diversas vezes. Não digo que o grupo decidido a construir era maioria, porém tinha “maior peso”. A campanha foi lançada em meio a alguns protestos e descontentamentos. Textos bíblicos eram lançados à revelia (alguns eu nunca tinha escutado antes) para corroborar a determinação dos mais entusiastas ao projeto, inclusive meu pai, o pastor daquela congregação... que já não era mais a mesma.

 

Dez meses se passaram até o lançamento da pedra fundamental. Foi feito um grande culto no local em louvor e agradecimento ao Senhor. Algumas cadeiras estavam vazias. Oito meses depois foi o culto fúnebre do velho Orr. Sua esposa e filhos deixaram transparecer alguma mágoa com a situação. Meu pai ficou profundamente abalado com a morte daquele grande servo, que desencadeou uma certa crise de consciência nele. Mas agora a comissão de construção estava mais do que nunca decidida a erguer a “casa de Deus”. “Também não havia mais clima para permanecer no velho celeiro dos Orr”, afirmavam. Percebia nitidamente que meu pai estava dividido, pois mesmo se empenhando a levantar recursos para a construção, sabia (lá no fundo) que não era o que queria. Mas agora era tarde demais.

 

Os anos que se seguiram foram os mais desgastantes tanto para ele quanto para a igreja. Alguns membros antigos se foram, outros demonstravam constante desaprovação, e um terceiro grupo – a maioria agora, dizia que esta “divisão” era coisa do maligno contra a causa do evangelho... A união e a alegria se foram e deram lugar para as inúmeras discussões que desenrolavam junto com o projeto. A igreja se tornou amargurada. Conheci um pai que nunca vira antes: enérgico, nervoso, triste, abatido. Muitas vezes via-o com as mãos unidas, olhado ao longe, por vários minutos. Ficava imaginado o que se passava em sua mente. Penso que ele se colocava a  recordar os tempos felizes... o velho Orr... o quanto era gostoso louvar ao Senhor naquele velho celeiro... Uma lágrima brotava de seus olhos e ao vê-la, podia ter certeza que era isto mesmo que se passava em sua mente.

 

Finalmente o templo ficou pronto: belo e suntuoso. Uma torre branca, alta e pontiaguda apontava para o céu, e de longe podia-se enxergar. Ela passou a se r um referencial naquela cidade. Com ela, uma nova igreja surgira: muitos outros membros foram acrescentados àquela nova e elitizada congregação, pessoas de outras localidades vinham para congregar no suntuoso templo. Gastava-se mais dinheiro com roupas e ornamentos para comparecerem na nova casa de Deus. A igreja crescia em número, e embora meu pai se alegrasse com este fato, sentia que não era como antes.

 

Pouco tempo depois fui para o colégio, depois faculdade e dali para uma cidade grande. Recentemente recebi um comunicado urgente: meu pai estava hospitalizado. Corri para visitá-lo. Muitas pessoas – algumas estranhas para mim, me abraçaram na sala de espera do hospital. Entrei no quarto e apenas minha mãe e minha irmã estavam ao lado da cama. Chorei muito ao vê-lo abatido daquele jeito. Mamãe compartilhara que aquela alegria dos tempos da “igreja do celeiro” nunca mais voltara.  Isso eu já sabia. Também sabia que há algum tempo meu pai vinha deixando gradativamente o ministério, e um jovem seminarista o auxiliava, praticamente cuidando para substituí-lo.

 

No velório de meu pai tive a oportunidade de conhecer seu auxiliar. Ele agora era um jovem pastor formado, zeloso com a obra do Senhor, dinâmico e cheio de idéias. Inspecionei um pouco e descobri que ele desejava demolir aquele velho templo para construir outro maior e mais moderno. O templo da discórdia e da morte da alegria, como eu o chamava, agora iria para o chão. Nunca consegui chamá-lo de “casa de Deus”, como propôs a Sra McLane. Ainda hoje penso que Deus habitava lá no celeiro, em meio à comunhão e do calor que brotava dos nossos corações quando nos reuníamos para louvar. Penso que Ele nunca se mudara de lá....

 

Bem, minha mãe foi morar com minha irmã, longe de MountainRock, e eu voltei para a rotina corrida de cidade grande. Mesmo assim, vez ou outra me pego parado, olhando ao longe, lembrando da alegre igreja que se reunia no celeiro do velho Orr. Espontaneamente uma lágrima brota de meus olhos ao me lembrar de meu pai.   

 

Com tudo isto, aprendi a temer mais ao Senhor, considerá-lo e contemplá-lo na beleza de sua santidade, na realeza da simplicidade e na celebração da humildade.

 

J. Alburn, inverno de 2010. 

 

P.S. Os nomes e os lugares foram alterados a critério do autor. 


Autor: Reinaldo Bui


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