Da violação ao princípio da igualdade pela existência do foro por prerrogativa de função



INTRODUÇÃO 

O artigo 69 do Código de Processo Penal elenca as formas de determinação de competência jurisdicional, e no seu inciso VII está prevista a prerrogativa de função.  O aludido dispositivo tem como égide a Constituição da República de 1988, como se observa nos artigos 102, inc. I, "b" e "c"; art. 105, inc. I, "a"; art. 108, inc. I, "a"; art. 96, inc. III e art. 29, inc. X.

Não obstante, muito embora o foro por prerrogativa de função esteja expressamente previsto na Lei Maior, tem-se também expresso, como direito fundamental, que todos são iguais perante a lei..

“Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)” 

Nesse diapasão, faz-se imperioso ressaltar que o caput do artigo 5º da CF/88 está sendo frontalmente violado pela previsão legal do foro por prerrogativa de função, como será demonstrado no presente artigo. 

CONCEITO 

Acerca do foro por prerrogativa de função, renomados autores tecem seus comentários: 

"há pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas, pelos órgãos superiores, de instância mais elevada". (TOURINHO FILHO, 2003, p. 129)

"de fato, confere-se a algumas pessoas, devido à relevância da função exercida, o direito a serem julgadas em foro privilegiado [sic]. Não há que se falar em ofensa ao princípio da isonomia, já que não se estabelece a preferência em razão da pessoa, mas da função [...] Na verdade, o foro por prerrogativa visa preservar a independência do agente político, no exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa".(CAPEZ, 1997, p.173) 

 

“Entre as imunidades relativas, em seu sentido amplo, estão as referentes ao foro por prerrogativa de função, consistentes no direito de determinadas pessoas de serem julgadas, em virtude dos cargos ou funções que exercem, pelos Órgãos Superiores da Jurisdição, em competência atribuída pela Constituição Federal ou constituições estaduais [...] dá-se tratamento especial não à pessoa, mas ao cargo ou função que exerce, de especial relevância para o Estado”. (MIRABETE, 2000, p. 67)



“Tendo em vista a relevância de determinados cargos ou funções publicas, cuidou o constituinte brasileiro de fixar foros privativos para o processo e julgamento de infrações penais praticadas pelos seus ocupantes, atentando-se para as graves implicações políticas que poderiam resultar das respectivas decisões judiciais.” (OLIVEIRA, 2003, p. 167)

 

 

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

 

Percebe-se, então, que desconstitui-se a  competência em função do local e  fixa-se em função do cargo. As justificativas mais corriqueiras cingem-se às alegações rasas de que é necessário proteger a função e o exercício das atividades inerentes ao cargo, e que a pessoa que exerce algum desses cargos deve ser preservada ao responder a um processo criminal, evitando-se, inclusive, ilegítimas injunções políticas que poderiam gerar injustiças e perseguições nos respectivos julgamentos. Ou que ainda alguns cargos públicos são de extrema importância para a manutenção do Estado Democrático de Direito, mais importantes do que os cargos ocupados por todos os demais brasileiros.

 

Não obstante a grande maioria dos autores entenderem ser legitimo e constitucional o foro por prerrogativa de função, tal posicionamento necessita ser revisto. A doutrina majoritária aduz que não há violação ao principio da igualdade, por ser a prerrogativa decorrente da função, do cargo ocupado, e não da pessoa, sendo a real beneficiaria de tal situação a sociedade, o Estado Democrático. Pois bem, um crime comum cometido por parlamentar será julgado pela Suprema Corte, a qual conta com um histórico irrisório de condenações desde a sua criação em 1988. Anos se passarão até a data do julgamento, e o crime provavelmente estará prescrito, haja vista que as estatísticas demonstram ser recorrente essa conjuntura. De tal forma, o parlamentar muito provavelmente sairá impune pelos seus crimes lesivos á sociedade, e os beneficiados somos nós, brasileiros, e o Estado Democrático de Direito.

 

Quanto aos argumentos de que o foro por prerrogativa de função visa afastar perseguições, pressões e corrupção no julgamento, beira ao absurdo pensar que movendo-se a competência para os tribunais superiores emergirá uma solução. Pelo contrário, os ministros das cortes superiores são indicados pela administração de cúpula, tornando mais plausível a possibilidade de um julgamento eivado por interesses políticos. O presidente da república que tenha cometido um crime comum, por exemplo, será julgado pelo STF, por ministros que ele mesmo nomeou! Como pensar que a fixação de competência por prerrogativa de função vai evitar pressões políticas?

 

Ademais, tribunais como o STF e o STJ não foram criados para conduzir investigações, colaborando para que os processos tramitem em um tempo maior do que nas instâncias originárias.

 

Lado outro, não há motivo para tamanha descrença na atuação dos magistrados de primeira instância, que se submeteram a acirrados concursos públicos e a anos de estudo e preparação para que pudessem exercer suas atividades. O Juiz Primevo logrou ocupar o cargo pelo seu próprio esforço e competência, fazendo com que ele seja perfeitamente capaz de exercer suas funções sem que elas sejam eivadas por corrupção e pressões políticas. Claro que não está se afirmando nesse artigo que o exercício das funções pelos juízes ordinários é imaculada e perfeita, mas sim que os fundamentos usados para justificar a existência do foro por prerrogativa de função são parcos.

 

CONCLUSÃO

 

Como corolário lógico de todo o exposto, tem-se que o foro por prerrogativa de função é uma ferramenta hercúlea para proteger criminosos que ocupam “cargos de importância na sociedade”. Está se protegendo diretamente a pessoa, que contará com um julgamento extremamente moroso e passível de privilégios, não compartilhado pelos demais brasileiros que figuram no banco dos réus. Resta comprovado, por óbvio, que os princípios da isonomia e da igualdade, assegurados pela Lei Maior, são derrocados pela existência do foro por prerrogativa de função.

 

REFERÊNCIAS

 

BASTOS, André Luiz. A inconstitucionalidade e ilegitimidade do foro por prerrogativa de função.Via Jus. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1824&idAreaSel=16&seeArt=yes>. Acesso em 28 abril 2012.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. 2012. Disponível em:  Acesso em: 21 abril 2012.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 173. 

 

CARVALHO, Victor Nunes. O princípio do juiz natural e a competência por prerrogativa de função. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1112, 18 jul. 2006 . Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2012

 

Decreto-Lei n. 3.689/1941, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal Brasileiro. Disponível em:  Acesso em: 21 abril 2012.

 

GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Critérios para fixação de competência penal sob o prisma constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 277, 10 abr. 2004 . Disponível em: . Acesso em: 29 abr. 2012.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10ª Ed., São Paulo: Atlas, 2000, p.67

 

NARCIZO, Raphael. Foro por prerrogativa de função ou privilegiado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3154, 19 fev. 2012 . Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2012.

 

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli, Curso de Processo Penal, 3º ed, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 167

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. Vol 2. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003. p. 129. 

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Autor: Igor Carvalho


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