Reflexão sobre o ensino de língua portuguesa



1 - Introdução

De acordo com ANTUNES (2007), o termo gramática visto como uma disciplina de estudo é o mais reconhecido nos meios escolares, o qual visa caracterizar conceitos e nomenclaturas, por meio de listas de exercícios ineficientes, pois rodeiam apenas o nível da frase. Enquanto trabalhar gramática vai muito além, pois é uma atividade que propícia e conduz a reflexão sobre o funcionamento da linguagem, utilizando o conhecimento linguístico para formar sentido.

Dessa forma, o presente trabalho pretende refletir sobre a proposta de um professor de Língua Portuguesa de ensino básico, com a finalidade de comparar o relato do professor sobre o que vem a ser ensinar a língua materna com a sua própria prática, para isso, realizou-se previamente uma entrevista com tal professor, observando suas aulas e analisando o Livro Didático (LD) adotado no embasamento de suas aulas de língua.

2- Metodologia:

A pesquisa foi realizada por meio de três atividades complementares, sendo elas: entrevista com professor, observação de aula e análise do livro didático. Toda a pesquisa foi realizada com base nas respostas e atitudes da professora em sala de aula, como também perante o seu material didático utilizado. Sendo desenvolvida em uma turma de 5ª série do Ensino Fundamental, no mês de agosto de 2011.

A entrevista foi baseada em torno de perguntas a respeito do entendimento por ensinar língua materna e linguagem, tempo de formação da professora, cursos de atualização e formação, gramática utilizada para embasar a aula, conhecimento e utilização do que diz as políticas públicas de educação referente ao ensino de Língua Portuguesa, por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) e das Lições do Rio Grande do Sul (cartilha entregue as escolas públicas para apresentar atividades de leitura, de texto e de produção, com intuito do professor inserir em suas aulas atividades gramaticais que valorizem o sentido e o entendimento do aluno), entre outras.

A observação da aula e do livro didático se deu de forma crítica, para relatar e averiguar se as respostas da professora na entrevista estavam condizentes com a sua prática em sala de aula.

3- Descrição e Análise dos dados:

3.1- Entrevista com a professora:

No primeiro momento foi possível perceber que a professora trabalha há bastante tempo no ensino de Língua Portuguesa, sendo formada pela Universidade Federal do Rio Grande, na década de 90. Apesar disso, nota-se que a professora procura trabalhar com textos de diferentes gêneros, proporcionando a leitura e a produção por parte dos alunos. Ela afirma que para desenvolver as habilidades linguísticas os alunos precisam do contato com a leitura e a composição textual, prática que procura desenvolver uma vez por semana. Ressaltando o auxilio do LD, que a cada ano está mais elaborado e repleto de textos, os quais podem ser trabalhados, ao contrário do início de sua carreira, que precisava buscar textos fora do LD para levar ao conhecimento do aluno, pois o livro continha exercícios gramaticais sem vínculo com o texto, sendo, muitas vezes, o único recurso que o professor tinha e por essa razão utilizava. Relata que aleatoriamente, ainda hoje, leva textos complementares, como reportagem, filme, charge, piada, para modificar a aula e atualizar os alunos dos assuntos diários ao seu redor.

Tratando-se da pergunta título de livro de Maria Helena de Moura Neves, “Que gramática estudar na escola?” Percebe-se que a professora embora tente diferenciar seu trabalho com os gêneros textuais, a interpretação do aluno e discussão gramatical, buscando o entendimento do aluno antes de conceituar e denominar a lição, utiliza a Gramática Tradicional (GT) para desenvolver os conceitos e exercícios de “estudo da língua”, como o próprio Livro Didático denomina. 

 A respeito das pesquisas mostradas por meio de livros e PCN’s sobre o que se deve ensinar na aula de Língua Portuguesa, a professora relatou que conhece, porém a prática é diferente, ela tenta fazer o seu melhor, mas nem sempre consegue atingir todos seus objetivos.

 

3.2- Observação da aula:

Ao realizar as observações de aula, constata-se que a professora utiliza o Livro Didático distribuído pela escola, sendo esse “Projeto Araribá: Português, 5ª série. 1ªed. São Paulo: Moderna, 2006”, trabalhando com leitura silenciosa, desenvolvimento das atividades em duplas com acompanhamento da professora, leitura oral do texto e correção das atividades. Apesar dos alunos já virem trabalhando na unidade do livro, preocupa a metodologia da professora, em não situar o aluno na leitura, conversando sobre o texto antes da realização das atividades, dessa forma, o aluno sente-se muitas vezes perdido sem um referencial e por isso precisa do auxilio da professora frequentemente. Após a realização das atividades, no momento da correção, a professora retoma o texto, questionando as interpretações e comparando-as com conhecimentos já estabelecidos pelos alunos. Depois da discussão sobre elementos de interpretação e gênero textual, que nesse momento era um conto, a professora segue a sugestão do livro, o qual traz “o estudo da língua”, inserindo os sinais de pontuação, utilizando apenas uma frase do texto para empregar diferentes sinais de pontuação, sendo essa frase referente não ao texto trabalhado nessa aula, mas ao primeiro texto da unidade, trabalhado anteriormente. Uma atividade utilizando texto como pretexto, que não faz com que o aluno retorne no texto para ver as significações, as mudanças de sentido, não trazendo avanço nenhum para a aprendizagem.

 

3.3- Análise do Livro Didático:

Para perceber melhor as atividades proposta pela professora analisaremos o LD utilizado, o livro é dividido por oito unidades, basearemos a análise na segunda unidade, por ser essa que os alunos trabalhavam no momento da visita, ressaltando que as propostas de atividades se repetem ao longo do livro. A unidade 2 tem o título de “A organização do enredo”, trazendo na chave da unidade pinturas e contextualizando o período e autoria delas, além de compará-las, buscando a significação do aluno. Um ponto positivo do livro é na proposta de leitura, antes da apresentação do texto, há uma contextualização do assunto e traz atividades para que o aluno possa pensar antes de ler o texto. A categoria a seguir, faz o estudo do texto, por meio de exercícios interpretativos, comparações, além de sugerir atividades de repetição, como retirar do texto e completar lacunas, exercícios esses últimos que não servem para o desenvolvimento linguístico do aluno. Os aspectos orais também são provocados, sugerindo a interação entre colegas, logo após, é solicitado a criação de texto pelo aluno. É possível perceber que se misturam atividades eficientes para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno com outras que de nada enriquecem o conhecimento, sendo vistas como perda de tempo, enquanto o aluno poderia estar trabalhando algo que lhe trouxesse sentido e não, exercícios de memorização, que são esquecidos com o tempo.

De toda unidade a parte mais preocupante é a que se refere ao estudo da língua, pois se percebe que o texto é utilizado como pretexto, não sendo trabalhado com a finalidade de ressaltar a materialidade linguística, simplesmente é retirada uma única frase de todo texto para introduzir os conceitos de sinais de pontuação, após mostrar as termologias, exemplifica-se cada uma com um texto diferente, tanto de gênero como de assunto. No encerramento de cada unidade, o livro apresenta um projeto em equipe, o qual a professora pode trabalhar com os alunos a pesquisa, praticando a organização do trabalho, o levantamento das informações, a análise de dados e a exposição do trabalho, criando oportunidade para que o aluno aprenda com seu próprio esforço, tornado o trabalho atrativo e valorizado.

 

4- Considerações Finais:

Refletindo sobre a metodologia de ensino da professora, percebe-se que ela valoriza o ensino de Língua Portuguesa por meio de textos, proporciona leituras e produções por parte do aluno, conforme recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), os quais preocupam-se com o domínio da leitura e da escrita pelos alunos,  porém, como muitos outros professores de língua, não consegue trabalhar com aspectos materiais linguísticos, utilizando o texto como pretexto de ensinar a gramática, sendo essa sob uma visão tradicional. Dessa forma, constata-se, conforme Antunes (2003), que tem uma pedra no meio do caminho das aulas de Língua Portuguesa, ou seja, um equívoco no que realmente é uma aula de Português, pois prevalece a prática mecânica e a memorização de regras ortográficas. Apresentando a língua de uma maneira fragmentada, por meio de frases inventadas, sem contexto ou função, como se o aluno não dominasse a sua língua desde o início de sua vida e precisasse estudá-la como um novo idioma, algo que não se tem contato, realizando um estudo de metalinguagem, que muitas vezes é decorado, por conta de uma avaliação, e esquecido.

O trabalho do professor é mediar e problematizar o contado do aluno com a linguagem, por meio de diversos textos, sendo na forma oral ou escrita, dando condições para que o aluno perceba e reflita a sua própria língua. O livro didático é um recurso acessível para o professor, porém, não deve ser visto como principal e único método de aprendizagem, pois o LD está longe de ser um material totalmente eficaz. Assim, o professor precisa estar capacitado para levar ao aluno fontes diversas de textos, trabalhando com acontecimentos reais e atuais, buscando a percepção e criticidade do aluno. Atualmente, existem muitas críticas em relação ao LD, e com esses trabalhos os livros vão ficando mais aperfeiçoados, porém, não se consegue publicar um material totalmente coerente, pois esse é o trabalho do professor, ele tem de buscar, ler, estudar, analisar, criar e até mesmo utilizar o LD, mas sabendo explorá-lo, complementando a sua aula com seus próprios exercícios, refletindo e pesquisando com os alunos, o bom professor é aquele que não se acomoda com o trabalho, que está sempre lutando na busca de um ensino melhor, visando o crescimento do aluno.

 

5- Referências Bibliográficas:

ANTUNES, Irandé. Aula de Português, encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? 3ª Ed., São Paulo: Contexto, 2009.

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS; Ensino Fundamental e Médio. Brasília: Governo Federal, Ministério da Educação. Disponível: http//www.mec.gov.br, em 15 de abril de 2011.


Autor: Aline Freire De Souza


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