Uma homenagem á minha mãe



Era uma noite de reveillon. Já estávamos atravessando as fronteiras deste novo milênio, continuando a caminhar na direção de um futuro cheio de incertezas. Mas ali sentada olhando para o mar, sentindo a brisa acariciando o meu rosto, comecei a refletir sobre o que nos traria esse novo tempo, e estranhamente também não conseguia deixar de pensar no tempo que deixei para trás. Olho para o céu iluminado pelos fogos coloridos se refletindo no espelho das águas, ouço os apitos das sirenes e os estrondos das grandes bombas de artifício explodindo no ar saudando o Ano Novo e de repente sinto o meu coração apertado e tenho vontade chorar. Lembro-me de todo o caminho que já percorri pela vida a fora, desde a minha infância, e completamente alheia ao burburinho ao meu redor, me distancio da realidade, volto no tempo e não sei porque bateu-me uma saudade imensa dela, justamente agora, relembrando as suas composições tão simples e tão belas, dos poemas e músicas tecidos lentamente como uma colcha de retalhos, na longa vida de sacrifícios e de lágrimas que ela viveu. Recordo-me das composições que nasceram em momentos de grandes provações, e talvez por isso elas emitem os reflexos da fé ardente que norteou a vida dessa mulher sofrida, de saúde precária mas corajosa e batalhadora, que Deus me deu a honra de ter como mãe. 

Em altas horas da noite enquanto todos dormiam, do meu quarto eu a avistava lá na cozinha, sovando um enorme volume de massa para fazer empadas e pastéis para vender, para ajudar no orçamento doméstico e pagar um colégio particular para os dois filhos maiores. Enquanto fazia isso, mentalmente ela compunha versos, alguns corinhos e hinos, e de vez em quando parava e rabiscava ainda que de forma rudimentar, algumas notas numa pauta improvisada num pedaço de papel qualquer, para que não se esquecesse das músicas que criava. Infelizmente nada disso foi preservado, mas eu ainda me recordo de algumas dessas composições. 

Consegui aterrissar. Mas à ela, Dona Desilda, nesse momento de muita saudade eu prometi escrever ainda hoje, esta minha singela homenagem à sua existência, cuja memória já esmaecida pelo tempo ainda permanece tão viva no meu coração. Até breve, mamãe, porque nós sabemos que a nossa vida não termina nunca, e um dia nos encontraremos de novo, em um novo lugar, aonde não precisaremos mais contar o tempo. 

 Juninha  -  31 de dezembro de 1999

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Júnia - 2012



Autor: Junia Pires Falcao


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