Leucoantocianidina em amostras de açaí (euterpes oleracea)



Edilson Leal da Cunha 

RESUMO – A determinação qualitativa e quantitativa de leucoantocianidina em amostras de açaí de regiões do estado do Amapá, é realizada através de medições espectrofotométricas em comprimento de onda de 280 nm e comparadas com as concentrações de uma curva-padrão obtida através de medições no mesmo comprimento de onda das amostras desconhecidas, os resultados indicam a presença de leucoantocianidina nas amostras de açaí e uma significativa diferença nas concentrações das diversas amostras demonstram que o teor de leucoantocianidina varia de acordo com o local de origem do açaí.  

Palavras-chave: Extração, Flavonóides. Região Amazônica.

INTRODUÇÃO

         A floresta fornece mais de 70 produtos que podem justificar sua manutenção e conservação e um dos mais apreciados e importantes é o açaí, fruto do açaizeiro.

         O açaizeiro é uma palmeira do gênero Euterpe encontrada na Região Norte, especialmente no Pará, Amapá, Acre e Maranhão. As principais espécies são: Euterpe oleracea, das áreas de várzea e a Euterpe precatoria, das áreas de terra firme, são exploradas por extrativismo pelos caboclos há pelo menos dois ou três séculos como fonte de alimento, fibra para manufatura e madeira (MELO et al., 1974).

          As palmeiras de açaí crescem em touceiras com vários exemplares e os cachos desenvolvem-se na copa das árvores em números que variam de um a três por planta e são constituídos de vagens que abrigam os grãos dispostos ao longo das mesmas, as vagens são ligadas a um suporte que se fixa ao fuste da árvore. Os grãos são coletados após amadurecerem o que ocorre quando os mesmos passam da cor verde para o violeta, quase negro.

           O açaí na forma de bebida extraída dos grãos é consumido pela população muitas vezes como único alimento ou acompanhando vários pratos da culinária regional.

            O açaí tem suas propriedades inigualáveis para a saúde, em parte advindo da grande quantidade de flavonóides e dentre estes em especial a de antocianinas cujo teor é de cerca de 1,02 /100 g de extrato seco, (KOHEN, 2006).  Além de outras antocianinas no açaí encontram-se as leucoantocianidinas que diferem dos outros flavonóides encontrados em plantas devido à falta de glicídios acoplados à sua molécula. Os outros flavonóides são na realidade glico-flavonóides.

             A estrutura química dos flavonóides está baseada no núcleo flavilium o qual consiste em três anéis fenólicos. O benzeno do primeiro anel é condensado com o sexto carbono do terceiro anel, que na posição dois carrega um grupo fenila como substituinte. O terceiro anel pode ser um pirano heterocíclico, gerando as estruturas básicas das leucoantocianidinas e das antocianidinas, denominado de núcleo flavana.

            A distribuição de flavonóides nos vegetais depende da natureza do vegetal, ou seja, seu filo, ordem ou família e também da variação das espécies, (MACHADO et al., 2008).

            Os flavonóides encontrados nas folhas são diferentes dos que estão nas flores, nos galhos, raízes e frutos. Ainda que se trate do mesmo composto também há variação de sua concentração dependendo do órgão vegetal em que se encontra, (SIMÕES et  al., 2000).

            O crescente interesse nos compostos flavonóides decorre de suas aplicações terapêuticas. De maneira geral, os flavonóides apresentam ação antimicrobiana, antiviral, antiulcerogênica, citotóxico, antineoplásico, antioxidante, antihepatotóxico, antihipertensivo, hipolipidêmico, anti-inflamatório, antiplaquetário. Também foi demonstrado que causam aumento na permeabilidade capilar, inibição da exudação protéica e migração de leucócitos (PELZER et al., 1998). Dentre os flavonóides que apresentam estas propriedades as antocianidinas têm merecido especial atenção por serem as responsáveis pelas funções citadas além de apresentarem outras aplicações. Apesar de possuírem a mesma origem biossintética de outros flavonóides naturais, as antocianinas diferem destes por absorverem fortemente na região visível do espectro.  Acredita-se que as antocianinas e os pigmentos derivados sirvam como estratégia para atrair insetos polinizadores. As antocianinas são as responsáveis pela cor vermelha e azul, características da uva, jambolão e açaí, etc.

            Uma aplicação importante das antocianinas está na indústria alimentícia que pode ter nas mesmas um importante substituinte aos corantes artificiais, atendendo um público cada vez mais disposto a consumir alimentos isentos de produtos químicos sintéticos, dando preferência ao natural e ao saudável.  Da mesma forma, restrições legais à utilização de determinados corantes sintéticos, incentivam pesquisas que avaliam corantes naturais a serem empregados em alimentos, (TEIXEIRA, et al., 2008).

             Estudos têm demonstrado que a ação de antocianinas purificadas do extrato vegetal têm menor ação citotóxica e antiproliferativa contra células tumorais do que as antocianinas do extrato vegetal original, o que provavelmente se deve à ação sinergética com outros componentes presentes na composição original, (BARRIOS et al.).         

            ALBERACI et al., (2006) analisou a instabilidade das antocianinas no açaí com relação à temperatura e o pH e trabalhando na faixa de absorbância 520 nm  encontrou duas  antocianinas na polpa do açaí cujas estruturas ainda não foram elucidadas.

            A principal atuação das antocianinas e das leucoantocianidinas do açaí é sua ação antioxidante.  Os antioxidantes são compostos que retardam ou inibem a oxidação de lipídeos ou de outras moléculas evitando o início ou propagação de reações de oxidação em cadeia, (DEGÁSPARI; WASZCZYNSKYJ, 2004). O mesmo oxigênio que fornece energia através da combustão dos alimentos em condições nas quais sua concentração seja maior do que na atmosfera pode causar danos ao organismo devido à formação de radicais livres e de sua possibilidade de atuar como cancerígenos e também no envelhecimento precoce.

            Diversos estudos têm demonstrado que o consumo de substâncias antioxidantes na dieta pode produzir uma ação protetora contra os danos causados pelos processos oxidativos celulares, (DEGÁSPARI; WASZCZYNSKYJ, 2004)). Os antioxidantes têm eficiência no combate de vários tipos de moléculas que estão envolvidos em danos no DNA e promoção de tumores.

            As antocianinas são suscetíveis à degradação devido à influência de vários fatores como alterações do pH, de temperatura e de luminosidade.  Açúcares, íons metálicos, ácidos, e outros copigmentos são importante na estabilidade das antocianinas no que concerne ao seu uso como alimento. (STRINGHETA & BOBBIO, 2006)

            Sabe-se que há três fatores básicos que contribuem na estabilização das antocianinas: A copigmentação intramolecular, a copigmentação intermolecular e autocopigmentação.

            Na autocopigmentação a concentração de antocianinas é alta, então elas atuam como copigmentadoras de si mesmas. Convém ressaltar que os flavonóides são importantes por atuarem na copigmentação das antocianinas através de mecanismo de complexação intermolecular, tornando mais estável a molécula antociânica, (LIMA et al., 2002).

            Já há uma metodologia bem definida em como isolar e purificar antocianinas de diversas fontes. Assim é possível fazer um banco de dados para correlacionar o conteúdo de antocianinas, o tipo e poder antioxidante dos extratos. Desta maneira pode-se selecionar o melhor material para o mercado tanto alimentício como de nutracêuticos, (RAMIREZ, et al. 2007).

            TEIXEIRA, et al. (2008) apresentam várias fontes naturais de antocianina para uso industrial  e farmacêutico e entre elas cita o açaí como uma fonte potencial devido  a sua produção intensiva e boa quantidade de antocianina.

A determinação qualitativa e quantitativa de leucoantocianidina e a determinação de sua concentração em seis extratos de açaí coletados em diferentes áreas do estado do Amapá e ilhas do Pará próximas à cidade de Macapá, é o principal objetivo deste trabalho, visando propor futuros estudos sobre a avaliação da ação farmacológica da leucoantocianidina presente nessa planta amazônica.

 MATERIAL E MÉTODO

             A coleta de açaí em toda a Região Amazônica é realizada de maneira tradicional, na qual o coletador sobe na árvore com o auxilio de uma peconha que é uma espécie de laço colocado nos pés para apoio na árvore de açaí, o coletador sobe na árvore e retira o cacho contendo os grãos maduros de cor escura dispostos em vagens, e desce pela planta equilibrando-se com uma das mãos e na outra conduz o cacho até o “pé”da palmeira, os grãos são retirados das vagens do cacho através de um processo conhecido como debulha e são colocados em sacos de fibra e transportados geralmente em embarcações até os centros consumidores onde são beneficiados na maioria dos casos para produção da bebida de açaí consumida pela população como alimento.

            A extração do suco do açaí é feita em máquinas que “batem”os grãos amolecidos em água morna, e coados através de peneiras liberando um líquido escuro e denso, quanto menor a quantidade de água usada para “bater” o açaí, o líquido fica mais ou menos “grosso” ou batidos à mão e coado em peneiras fabricadas com talas de guarumam que é uma planta herbácea da região ou com talas de buriti.       

            As amostras em número de seis estavam acondicionadas em frascos de plástico, devidamente tampadas e identificadas como: Amostra I (Especial), Amostra II (Médio), Amostra III (3.2- Ilha), Amostra IV (2.2- Ilha), Amostra V (1.1 – Ilha), Amostra VI (3.10 – Maracá), sendo que a denominação médio e especial refere-se a quantidade de água utilizada no preparo da “bebida”.

Inicialmente foi determinada a curva-padrão, utilizando-se Leucoantocianidina 99,4 %. GALENA. Química e Farmacêutica Ltda. e como Solvente: Álcool etílico 95-96 %. LAFAN.

            A curva-padrão corresponde à relação gráfica entre os valores de absorbância (Abs) e os de concentração. Com base na análise gráfica é possível verificar a linearidade da reação e calcular um fator de conversão de valores de absorbância em concentração.

 Primeiramente preparou-se uma solução de concentração 0,01% (m/v) de leucoantocianidina padrão em álcool, pesando-se 100 mg de leucoantocianidina em balança eletrônica de precisão, colocou-se em um balão volumétrico de 100 ml e completou-se o volume para 100 ml com álcool. A partir da qual foram feitas várias diluições baseadas nos cálculos a seguir:

Para isso pipetou-se (Vo) mL da solução padrão de leucoantocianidina de concentração 0,0001g/mL e colocou se em 6 tubos de ensaio. Completou-se o volume até 5 mL com álcool, e posteriormente agitou-se a solução para homogeneizar a mistura.

Cálculo das concentrações das soluções obtidas a partir da solução inicial:

no = n f

Co. Vo = Cf. Vf

Dados:

Vo:  Representa a quantidade de solução inicial empregada em cada caso.

Vf = 5 mL (cte em todos os casos)

Co = 0,0001 g/mL

            Procedimentos no espectrofotômetro para medir a absorbância (Abs) das soluções de concentrações conhecidas:

            O espectrofotômetro utilizado foi: Espectrofotômetro UV- VIS UV MINI- 1240. Shimadzu Corporation

            Primeiramente se ajustou a linha base no aparelho e logo se fez uma varredura entre 200 e 400 nm com a solução inicial de concentração igual a 10 mg/dL para verificar o comprimento de onda máximo.  A literatura refere-se a um máximo em 285nm para as antocianidinas. Em nosso caso o máximo encontra se em 280 nm como se pode ver nos valores de absortividades mostrados na tabela 1.

 Os procedimentos foram repetidos para as amostras diluídas e as medições foram calculadas baseadas na curva-padrão e constam da tabela 2

 

Tabela 1 - Absorbâncias das soluções padrões


Diluições

Concentração

mg/ Dl

Abs (l=280nm)

Abs

(l=285nm)

1

0,4

0,045

0,021

2

0,8

0,117

0,086

3

1,2

0,215

0,191


4

1,6

0,260

0,216

5

2,0

0,333

0,283

6

5,0

0,806

0,719

 

Equação geral da reta: y = a + bx  

a=0 ; b= 0,16218, a equação fica assim:

y = bx  

Portanto ¨x¨ corresponde as abosrbancias e ¨y¨ corresponde às concentrações das amostras desconhecidas.

Abs = b.  conc

Assim: Conc = abs/ b

Tabela 2 - Concentrações de leucoantocianidina nas amostras.

Amostras

 Abs        (l=280nm) 

Concentração de Leucoantocianidina

(mg/dL)

Especial

0,282

434.70

Médio

0,280

431.62

3.2- Ilha

0,313

482.49

2.2- Ilha

0,316

487.11

1.1 - Ilha

0,462

712.17

3.10 - Maracá

0,520

801.58

Vidraria e Acessórios utilizados:

  • Pipetas (2 mL, 5 mL e 10 mL)
  • Micropipeta Volume fixa 20 mL. Digipet.
  • Balão Volumétrico 100 mL
  • 6 tubos de ensaio 13 x 100
  • 2 Becker 50 mL
  • 6 frascos de polipropileno
  • 6 ponteiras descartáveis
  • Papel de filtro

 RESULTADOS e DISCUSSÃO

             Com a solução inicial de 0,01% preparada a partir de Leucoantocianidina 99,4% e as diluições subseqüentes foi traçada a curva- padrão de calibração em 280 nm através da qual foram obtidas as concentrações de leucoantocianidina nas amostras de extrato de açaí testadas.

            A maior concentração de leucoantocianidina encontrada foi na amostra 3.10 – Maracá com 801.58 mg/dL, e a menor concentração encontrada foi na amostra Médio com 431,62 mg/dL.

            Não há diferença significativa entre a amostra Especial e Médio quanto ao teor de leucoantocianidina.

            As concentrações de leucoantocianidinas determinadas nas amostras testadas sugerem novos estudos para avaliar melhor o teor desses compostos no açaí com várias finalidades, inclusive no tratamento de doenças. A determinação desses compostos em outras plantas como realizados nos trabalhos de TEIXEIRA, et al. (2008) e  RAMIREZ, et al. (2007) pode servir como padrão para comparação. A presença de antocianidina no açaí em concentrações significativas abre um leque de possibilidades do uso dessa planta como fonte do produto, especialmente pela grande disponibilidade da palmeira na Região Amazônica. Medidas de manejo sustentável são necessárias para manter a produção de açaí durante o ano todo.

Os resultados obtidos serão úteis para futuros estudos sobre a avaliação da ação farmacológica da antocianidina.

 CONCLUSÕES

 1-      Há leucoantocianidina nos extratos de açaí coletados na região do estado do Amapá.

2-      As concentrações de leucoantocianidina nas amostras variaram significativamente de acordo com a região em que o açaí foi coletado.

3-      A amostra coletada na ilha de Maracá demonstrou maior teor de leucoantocianidina.

 REFERÊNCIAS

 ALBARICI, R.T.; PESSOA, J.D.C.; FORIM, M.R. Efeito das Variações de pH e temperatura sobre as antocianinas na polpa de Açaí -estudos espectrofotométricos e cromatográficos. EMBRAPA, Comunicado Técnico 78, 2006.

 BARRIOS,J.; CORDERO, C.P.;  ARISTIZABAL, F.; HEREDIA, F.J.; MORALES , A.L.;  OSORIO, C. Chemical Analysis and Screening as Anticancer Agent of Anthocyanin-Rich Extract from Uva Caimarona(Pourouma cecropiifolia Mart.)  Fruit  .  J. Agric. Food Chem. 58, 2100–2110, 2010. 

 COHEN, K.O. Sistema de produção do açaí. EMBRAPA, Sistemas de Produção, 4 - 2ª Edição ISSN 1809-4325 Versão Eletrônica, Dez./2006.

 Florinda O. BOBBIO; Janice I. DRUZIAN; Patrícia A. ABRÃO; Paulo A. BOBBIO; Sandra FADELLI Identificação e quantificação das antocianinas do fruto do açaizeiro (Euterpe oleracea)

 LIMA, V.L.A.G.; MÉLO, E.A.; LIMA, L.S.; LIMAS, D.E.S. polpa congelada de acerola: efeito da temperatura sobre os teores de antocianinas e flavonóis totais. Rev. Bras. Frutic. Jaboticabal - SP, 24: 3, p. 669-670, 2002

 MACHADO, H.; NAGEM, T. J.; PETERS, V. M.; FONSECA, C. S.; OLIVEIRA, T. T. Flavonóides e seu potencial terapêutico. Boletim do Centro de Biologia da Reprodução, Juiz de Fora, v. 27, n. 1/2, p. 33-39, 2008.

 MELO, C. F. M.; WISNIEWSKI, A.; ALVES, S. M. Possibilidades papeleiras do açaizeiro. Belém, PA: IPEAN, 1974. p.1-34. (Boletim Técnico do IPEAN).

 RAMIREZ, R.L.; QUIÑONES, W.; ECHEVERRI, F. Perfil a.cromotográfico de las antocianinas presentes  en algunos frutos colombianos. Scientia et Tecl.hinica, XIII, 33:275-276, 2007. 

 SIMÕES, C. et al. Farmacognosia da planta ao medicamento. 2ª ed. rev. Porto Alegre/ Florianópolis: Ed Universidade /UFRGS/ Ed. Universidade/ UFSC, 2000.

 STRINGHETA, P.S.; BOBBIO, P.A. Copigmentação de Antocianinas. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento,  34-37, 2006.

 TEIXEIRA, L.N.; STRINGHETA, P.C.; OLIVEIRA, F.A.;  Comparação de métodos para quantificação de antocianinas. Ceres, 55(4): 297-304, 2008.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



Autor: Edilson Leal Da Cunha


Artigos Relacionados


Ja Ta Na Hora

15 De Outubro

AÇaÍ: O Mito CalÓrico

Poesia

Inexplicável

A Destinação Da Sabedoria

Mulher Ii