O princípio do contraditório e o inquérito policial



INTRODUÇÃO

 No presente artigo aborda-se- à a possibilidade de emprego do princípio constitucional do contraditório no inquérito policial, refletindo sobre a obrigatoriedade e a utilidade de fazer informar o procedimento investigatório no curso das investigações a partir do momento em que contra o mesmo fosse reunido o princípio de prova suficiente do seu indiciamento.

Desta forma questiona-se a utilidade de tal princípio nesta etapa ao passo que se sabe que os elementos de convicção colhidos do inquérito policial, esgotam-se com o oferecimento da denúncia.

 

DESENVOLVIMENTO

 

O devido processo legal, tem como corolário dois grandes princípios constitucionais, são eles:  O contraditório, e o principio da ampla defesa. A ampla defesa é a utilização de todos os meios possíveis, dado ao acusado para que traga ao processo provas e elementos que viabilizem o esclarecimento da verdade. De outro lado, o contraditório é para muitos doutrinadores a exteriorização da ampla defesa, a ponto de trazer para o processo diálogo sobre as provas e fatos apresentados. Desta forma, conceitua NELSON NERY JÚNIOR:

“ O principio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do principio do estado de direito tem uma intima ligação com o da igualdade das partes e do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestações do principio do contraditório”.

LEONARDO GRECO define o contraditório como:

“ o principio que impõe ao Juiz a prévia audiência de ambas as partes antes de adotar qualquer decisão e o oferecimento a ambas das mesmas oportunidades de acesso à justiça e de exercício do direito de defesa.”

Um dos mais importantes princípios no sistema acusatório é o principio do contraditório, sendo este uma garantia Constitucional, com fundamento legal no art. 5º,LV da Constituição Federal Brasileira, dispõe em seu artigo:

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e ao acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

O constituinte ao elaborar este texto, abrangeu a todos os processos, tantos judiciais quanto administrativos. Porém nem todos os processos administrativos é garantido o direito constitucional ao contraditório como é o caso do inquérito policial.

Os dois pólos de garantia do contraditório são: informação e reação, pois a participação se realiza por meio de reação, vista como resistência a pretensão acusatória e isso mostra claramente a dificuldade prática de em certos casos distinguir reação e direito de defesa. Dessa forma, percebe-se que o contraditório é o direito de ser informado e participar do processo, constituindo nulidades a preterição desses direitos, conforme dispõe o art. 564, III do Código de Processo Penal.

O ilustre mestre FERNANDO CAPEZ lembra que:

“ O contraditório é um princípio típico do processo acusatório, inexistindo no inquisitivo.”

O autor ALEXANDRE DE MORAES em sua obra, salienta:

“  O contraditório nos procedimentos penais não se aplica aos inquéritos policiais, pois a fase investigatória é preparatória da acusação, inexistindo, ainda, acusado, constituindo, pois mero procedimento administrativo, de caráter investigatório, destinado a subsidiar a atuação do titular da ação penal, o Ministério Público.”

Com a lei 2.033/71, regulamentada pelo Decreto Lei nº 4.824/71, que surgiu o inquérito policial e o art. 42 da referida lei, assim o define:

“ O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstancias e de seus autores e cúmplices devendo ser reduzido a instrumento escrito.”

O autor FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO conceitua inquérito policial como:

“O procedimento administrativo, preparatório e inquisitivo, presidido pela autoridade policial e constituído por um complexo de diligências realizados pela policial judiciária com, vistas a apuração de um infração penal à identificação de seus autores.”

O inquérito tem a natureza jurídica de processo administrativo de caráter informativo, com índole inquisitorial e sigilosa, em que a autoridade policial tem a discricionariedade de iniciar investigações de forma que melhor convier, sendo exercido de forma livre, aparece como peça informativa para a formação da opinio delict do órgão acusador e a concessão de medidas cautelares pelo Juiz, não podendo esses fundamentos servir de base para a sentença.

Ou seja é procedimento administrativo que objetiva reunir os elementos necessários à verificação da ocorrência de infração penal. Assim, busca-se com sua instauração obter a prova de existência do crime (PEC), bem como os indícios suficientes de sua autoria (ISA),ou seja podemos dizer que com o Inquérito policial pretende-se identificar PEC+ ISA. Essa sigla é sinônima das seguintes expressões : JUSTA CAUSA e CONJUNTO ou SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO.

O Inquérito Policial é dispensável para a Ação Penal, podendo embasá-la as chamadas peças de informação, desde que licitamente obtidas. Poderá ser instaurado por PORTARIA ou AUTO DE PRISÃO EM FLAFRANTE, mediante representação do ofendido, requisição do Ministro da Justiça, do juiz ou do MP, requerimento da vítima ou de ofício conforme o caso. No entanto dependerá da manifestação da vítima ou do Ministro da Justiça em algumas situações.

O contraditório em sede de inquérito policial, não é aplicável, como esclarece TOURINHO FILHO:

“ Em se tratando de inquerito policial, não nos aprece que a Constituição se tenha referido a ele, mesmo porque de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais o texto ou  Lei Maior fala em “litigantes”, e na fase de investigação preparatória não há litigante... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva. Mas para esses casos sempre se admitiu o emprego do remedio heróico do habeas corpus. Nesse sentido, apenas sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é a permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede a instauração do processo criminal, pois nãoi há ali nenhuma acusação.”

Da mesma forma, se posiciona o autor PAULO RANGEL, em sua obra:

“ O carater inquisitivo do inquerito faz com que seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não esta sendo acusado de nada, mas sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela autoridade policial.”

O inquérito policial é sigiloso, pois visa a investigação à elucidade e descoberta das infrações penais, conforme dispõe o art.20 do Código de Processo Penal Brasileiro:

“ A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário a elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.”

 

 

A competência para a instauração de inquérito está expresso no art. 4º do Código de Processo Penal, que dispõe o seguinte:

“ A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Parágrafo único: A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridade administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.”

 

O art.5º, LV, da Constituição Federal, refere-se aos acusados em geral não se podendo aplicá-lo ao indiciado na medidade em que não há nessa fase investigativa uma acusação propriamente dita.

 Não há acusação nem defesa. A autoridade policial sozinha é que procede à pesquisa dos dados necessários a propositura da ação penal.

Por mais que o inquérito seja classificado como procedimento administrativo, não significa que não devam ser resguardados ao longo do curso os direitos fundamentais do investigado, devendo a autoridade policial, o magistrado e o Ministério Público zelar para que a investigação seja comduzida de forma a evitar afrontas ao direito do acusado.

A lei 10.792/03 modificou a forma de procedimento do interrogatório do indiciado ocasionando entendimentos diversos. Mas prevalece o entendimento da corrente marjoritária em que a nova forma de interrogatório abrangida pela nova lei, somente surte efeitos na fase judicial da persecução penal, tendo ainda, o inquérito sua característica inquisitorial, assim não há o que se falar em contraditório.

Vale ressaltar que durante a fase do inquérito policial são produzidos indícios de provas, os quais deverão ser todos repetidos, renovados, durante a fase judicial, a característica da irrepetibilidade de alguns atos existentes ao longo da investigação criminal sofreria os efeitos do contraditório nessa fase, relacionando-se que não poderá haver um pleno direito de defesa.

Nesse sentido a jurisprudência chegou ao consenso de que os indícios que possam sofrer alterações com o tempo ou mesmo aqueles em fase judicial, não possam mais ser reproduzidos, sofrerão os efeitos do contraditório, porém este somente será realizado perante Juízo em fase judicial, ou seja os fatos ocorridos em sede policial que, durante a segunda fase da ação penal, não poderão ser repetidos. Assim, a autoridade de policial deverá requerer através da representação ao juiz, que o indício produzido tenha força de prova e possa vir a ser contraditado em juízo.

A lei 6.515/80 em seu art,70 regulamenta:

“Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo solicitação fundamentada, determinar a instauração de inquérito para a expulsão do estrangeiro.”

É o que segue também o autor FERNANDO CAPEZ em sua obra:

“ O único inquérito que admite o contraditório é o instaurado pela polícia federal, a pedido do Ministro da Justiça, visando à expulsaão de estrangeiro.”

Ressalvado as exceções acima, vemos que o princípio do contraditório, não se aplica a fase de inquérito policial, vez em que uma das suas características é a inquisitoriedade em que a autoridade policial tem a discricionariedade de realizar diligências a fim de buscar a autoria e materialidade de um crime.

Assim, não será viável a princípio do contraditório em sede policial pois todos os indícios colhidos e investigações correriam risco de perder as finalidade se o investigado soubesse que contra ele existisse uma demanda policial.

O próprio Estado está incumbido de velar pela proteção desses direitos, e mais, é uma obrigação imposta ao mesmo pela ordem constitucional vigente em nosso ordenamento jurídico.

CONCLUSÃO

A incerteza do princípio do contraditório gira em torno da sua utilização no procedimento administrativo do inquérito policial, trazendo a dúvida, se de alguma forma acarretaria a inconstitucionalidade do ato.

O procedimento sob o pálio do contraditório, é uma relação jurídica processual, sendo o inquérito um procedimento administrativo e inquisitivo e no caso, a inserção do contraditório num procedimento dessa natureza implicaria a necessária ciência de todos os atos já praticados; abertura de prazo para a preparação e apresentação da manisfestação que consiste na participação efetiva dos litigantes, em todos os atos que impliquem atividade decisória, que por obvio em regra, no inquérito não é exercida pelo Estado- juiz, é um procedimento instaurado pela policia judiciária sob a presidência de um delegado de polícia, cuja finalidade é reunir elementos convincentes que informem a atuação do orgão do Ministério Público.

Após este estudo percebe-se que o princípio do contradotório não se faz presente no inquérito policial haja vista que é um procedimento administrativo de cunho exclusivamente  probatório e não será neste momento decidida à punibilidade do suspeito, ou seja não há sanção alguma que o autorize. Dar ciência de todas as diligências realizadas pela polícia consequentente traria consequencias danosas à atividade, como a oportunidade do infrator esconder as provas ou evadir-se ao descobrir que há indícios contra ele ,ou até mesmo ameaçar testemunhas.

Referente a produção de provas irrepetíveis que são aquelas urgentes obtidas durante a investigação, porque o decurso de tempo poderia acarretar sua desconstituição ou desaparecimento e por conta disso, impossíveis de serem renovados em juízo, não há como negar o contraditório diferido. A ausência deste traria prejuízos ao indiciado ocorrendo um desprestígio ao principio constitucional do devido processo legal.

Observa-se que segundo posicionamento amplamente majoritário de nossos tribunais, incluindo os superiores, o Inquérito Policial é procedimento administrativo de traço inquisitorial e que, apesar do que está expresso no art.5º, LV, da CR/88, não se lhes aplicam as garantias individuais fundamentais do contraditório e da ampla defesa.

Enfim, assim, devemos concluir que não há o que se falar em fase preparatória contraditória no inquérito policial já que vigora em tal procedimento o contraditório diferido, deixando para o processo, com suas devidas garantias a possibilidade de contrariar as provas colhidas na investigação. No inquérito policial não existe réu ou acusado sendo que,o próprio inquérito deve ser visto como um instrumento de garantia do indiciado, pois através dele a polícia judiciária, mediante diligências investigará o ato criminoso e estabelecerá se for o caso, a materialidade e respectiva autoria, deixando para a fase judicial a observância do devido contraditório e todas as garantias pelo processo asseguradas. Dessa forma não é possível que a segurança da sociedade como um todo fique exposta a impunidade em prol do direito de apenas um indivíduo, se posteriormente ele terá o contraditório assegurado, não ensejando assim inconstitucionalidade alguma, caso o principio seja precedido no inquérito.

Apesar de não se admitir o contraditório nesta fase é preciso que se tenha em mente a dignidade da pessoa humana como fundamento maior do Estado Democrático de Direito, conforme descriminado no art.º1, III, da Constituição Feral, o qual veda qualquer tratamento desumano ao  investigado.

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;” ( Art.1º, III, CF)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

-  NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo e Execução Penal, 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005.

- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal,31ª ed. São Paulo: Sariva,2009.

- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, ed. São Paulo, Saraiva ed.15ª, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 25ª ed. São Paulo, Atlas, 2009.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 18ª ed. Lumen Juris, 2010.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE, Brasília 05 de outubro de 1988.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, Saraiva, 6ªed, 2ºsemestre 2011.


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