Ciberprova: o processo penal na era dos crimes digitais



Introdução

                        A sociedade da informação, especialmente a Internet e as redes sociais tem influenciado toda a vida social, cultural e econômica do mundo moderno.

                        O Direito tem incorporado a informação digital aos seus procedimentos e processos. Vide a recente iniciativa do Conselho Nacional de Justiça no sentido da disseminação do processo judicial eletrônico, que hoje já é uma realidade em várias regiões, tanto na justiça comum quanto na justiça especializada.

                        Nesse contexto, também a criminalidade se enverada por práticas com uso intensivo de tecnologia e de informação digital, incorrendo em crimes digitais e ensejando o debate sobre a prova em meio digital, a ciberprova.

                        No meio às especificidades da era digital a segurança da informação passa a ser aspecto fundamental para se conferir validade às provas, no que passa a merecer a atenção e o estudo por parte dos operadores do direito.

                        Assim, o artigo analisa a prova, no contexto da era moderna, em especial com relação à informação digital.

 

1. A prova no processo penal brasileiro

1.1. Prova e meios de prova: entre o material e o digital

                        O doutrinador italiano Malatesta, citado por (NUCCI, 2007, p. 335), considerava que a verdade é a conformidade da noção ideológica com a realidade, e a certeza é a crença nesta conformidade, provocando um estado subjetivo do espírito ligado a um fato, ainda que essa crença não corresponda à verdade objetiva.

                        No mesmo trecho Nucci ao abordar a prova jurídica pontua três aspectos da prova, conforme segue:

a) ato de provar: é ação pelo qual se verifica a exatidão ou verdade do fato alegado pela parte no curso do processo, por exemplo, fase probatória ou o período de prova da suspensão ou livramento condicional;

b) meio de prova: como o instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo, por exemplo: prova testemunhal, pericial ou documental.

c) resultado da ação de provar: extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato, por exemplo, na expressão que o juiz utiliza ao sentenciar: fez-se prova de que o réu é autor do crime.

                        O foco do presente estudo está centrado em aspectos do meio de prova, especificamente à luz da tendência do uso de informação digital.

                        Mas os meios de prova admitidos no Brasil segue a linha de rol exemplificativo, delimitando apenas, conforme o ramo do direito, as provas não admitidas, restando um vasto espectro de meios pelo qual algo pode ser provado. Aqui merece destaque aspectos da prova e meios de prova na era digital.

 

1.2. A prova digital e a segurança da informação

                        Na era digital ganha relevância o meio de prova pericial, pois dele depende em boa parte a segurança da informação, então ponto crucial no combate ao cibercrime.

                        Os atributos básicos da segurança da informação, segundo padrões internacionais de normatização expressos na (ABNT NBR ISO/IEC 17799, 2005) são os seguintes:

a)    Confidencialidade - propriedade que limita o acesso a informação tão somente às entidades legítimas, ou seja, àquelas autorizadas pelo proprietário da informação.

b)    Integridade - propriedade que garante que a informação manipulada mantenha todas as características originais estabelecidas pelo proprietário da informação, incluindo controle de mudanças e garantia do seu ciclo de vida (nascimento,manutenção e destruição).

c)    Disponibilidade - propriedade que garante que a informação esteja sempre disponível para o uso legítimo, ou seja, por aqueles usuários autorizados pelo proprietário da informação.

d)    Irretratabilidade - propriedade que garante a impossibilidade de negar a autoria em relação a uma transação anteriormente feita.

                        Assim, a confidencialidade, integridade, disponibilidade e irretratabilidade são atributos que conferem à prova digital robustez necessária e suficiente para atender aos requisitos da prova no âmbito judicial, o que é possível identificar em diversas situações práticas.

 

1.3. A prova digital: aspectos práticos

                        Passa-se à análise da prova em meio digital no âmbito do processo penal brasileiro, adotando-se como referencial teórico, os atributos de segurança da informação da (ABNT NBR ISO/IEC 17799, 2005) e ensinamentos de Patrícia Peck Pinheiro (PINHEIRO, 2007).

                        O documento eletrônico assinado digitalmente torna factível a visualização de qualquer tentativa de modificação por meio de alteração da sequência binária e, nesse aspecto, dispõe o artigo 232 do Código de Processo Penal que consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.

                        Já em relação à fotografia digital, há um arquivo eletrônico que representa o original, passível, assim como o negativo da fotografia em meio físico, de ser submetido a exame pericial para comprovar sua autenticidade e integridade.

                        Existe a possibilidade, mesmo nos casos em que o documento eletrônico não tenha sido assinado, ou o certificado não esteja vinculado ao ICP- Brasil, de verificar a autenticidade e integridade do documento eletrônico por meio de perícia técnica.

                        Outras situações, envolvendo som e imagem, também podem ter sua validade (confidencialidade, integridade, disponibilidade e irretratabilidade) verificada por meio de prova pericial.

                        A Comunidade Europeia e, pontualmente alguns países como, por exemplo, França e Portugal, já estabeleceram balizas para a prova digital, até mesmo o uso de dispositivos de biometria.

 

2. Cibercrime e o direito comparado: a experiência europeia

                        Para Stephanie Perrin o termo “cibercrime” foi cunhado na década de noventa. À época um subgrupo das nações do G8 se formou após um encontro em Lyon, na França, para estudo dos problemas da criminalidade então surgidos e promovidos via Internet ou pela migração de informações para esse meio (PERRIN, 2006).

                        Este “grupo de Lyon” usava o termo para descrever, de forma ampla, os crimes perpetrados na Internet ou nas novas redes de telecomunicações. Paralelamente, o Conselho Europeu iniciou esboço da Convenção sobre o Cibercrime.

                        Tal convenção, que veio a público pela primeira vez em 2000, teve sua versão final em novembro de 2001, após o evento de 11 de setembro, e descreve as diversas recomendações e áreas sujeitas à nova norma, conforme segue:

Artigo 1 - Crimes contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de dados de computador e sistemas.

Artigo 2 - Crimes relacionados a computadores [falsificação e fraude].

Artigo 3 - Crimes relacionados ao conteúdo [pornografia].

Artigo 4 - Crimes relacionados à infração de da propriedade intelectual e direitos conexos.

Artigo 5 - Responsabilidade subsidiária e sanções [esforço e auxílio ou responsabilização corporativa].

                        No preâmbulo da Convenção consta que conscientes das profundas mudanças provocadas pela digitalização, pela convergência e pela globalização permanente das redes informáticas, e preocupados com o risco das redes informáticas e da informação eletrônica também poderem ser utilizadas para cometer infrações penais e das provas dessas infrações poderem ser armazenadas e transmitidas através dessas redes; busca-se a cooperação que aborda.

                        Aqui a questão não é mais aceitar ou não a prova em meio digital, mas reconhecer que o mundo caminha para uma realidade digital.

                        Como ressalta (PERRIN, 2006) em breve, chips RFID nas roupas e nos nossos cartões de identidade farão a comunicação com o ambiente, assim como transmissores rastrearão nossos movimentos. Se alguém conseguir interferir nessas pistas com sucesso, um ser humano lutará na justiça com uma personalidade digital, formada fora do controle do indivíduo interessado. Isso já não é uma ficção longínqua, e a prova digital precisa ser considerada e estudada.

 

Conclusão

                        Uma realidade digital já existe ao nosso redor, e nessa realidade os bits digitais compõem um novo tipo de prova (digital), a ciberprova. Isso é inegável.

                        A Constituição Federal de 1988 adotou o Princípio do Livre Convencimento Motivado, e à luz do artigo 235 do Código de Processual Penal cabe submeter a prova digital a exame pericial, quando e se contestada.

                        Por outro lado a realidade digital é transnacional, satélites integram ambientes e transmitem informação em tempo real para as mais diversas localidades. Então, é preciso que o direito trabalhe em uma perspectiva cosmopolita, tema abordado por Kant em a sua obra À paz perpétua.

 

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISSO-IEC 17799: Tecnologia da Informação – Técnicas de Segurança – Código de Prática para a Gestão da Segurança da Informação. Rio de Janeiro, 2005.

 

MIGUEL, Alexandre. Sobre Kant e à paz perpétua. Disponível em: . Acesso em: maio/2012.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6ª ed. Revista e Atualizada. São Paulo: Editora RT (Revista dos Tribunais), 2007.

 

PERRIN, Stephanie. O cibercrime. Texto extraído do livro Desafios de Palavras: Enfoques Multiculturais sobre as Sociedades da Informação. Coordenado por Alain Ambrosi, Valérie Peugeot e Daniel Pimienta. Elaborado em 2006. Disponível em: . Acesso em: maio/2012.

 

PINHEIRO, Patrícia Peck. Documento Eletrônico e a Prova Eletrônica. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 23 de mar. de 2007. Disponível em: . Acesso em: maio/2012.

 

VENÂNCIO, Pedro Dias. Investigação e meios de prova na criminalidade informática. Disponível em: . Acesso em: maio/2012.


Autor: Marco Túlio Silva


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