Da inconstitucionalidade da prisão especial, prevista no artigo 295 do código de processo penal.



O artigo a seguir visa a tratar da inconstitucionalidade da prisão especial prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal face à Constituição Federal de 1988.

 

            Quanto à necessidade dos presos provisórios de serem recolhidos a prisões separadas dos presos definitivos não há dúvida, visto que eles, todos eles ressalta-se, gozam de situação processual especial: sobre eles vigora o princípio da presunção da inocência. Além disso, tal medida visa evitar que os presos cautelares, sejam influenciados negativamente pelos presos definitivos, visto que, sabemos bem, as prisões brasileiras funcionam como verdadeiras “escolas do crime”, buscando apenas a punição pura e simples, em nada almejando a reeducação e ressocialização do sujeito.

A prisão especial, prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal, (na verdade nada mais que uma prisão provisória, cautelar, aplicada apenas até o momento do trânsito em julgado), traz, até mesmo pelo seu nome,“especial” (em detrimento a “comum”), a ideia de que tal instituto é  um privilégio elitista da sociedade brasileira. Prescreve o referido artigo:

Art. 295. Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

I - os ministros de Estado;

II - os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia;

III - os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados;

IV - os cidadãos inscritos no "Livro de Mérito'';

V - os oficiais das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;"

VI - os magistrados;

VII - os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República;

VIII - os ministros de confissão religiosa;

IX - os ministros do Tribunal de Contas;

X - os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado, salvo quando excluídos da lista por motivo de incapacidade para o exercício daquela função;

XI - os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos.

§ 1º A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.

§ 2º Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.

§ 3º A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.

§ 4º O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.

 § 5º Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

No entanto, a Constituição da República Federativa do Brasil, prevê:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

Dessa forma, não é razoável auferir que da Constituição de um Estado Democrático de Direito, que reza pela igualdade e pela dignidade da pessoa humana, possa ser recepcionada uma norma que traga o privilégio, e não o direito ou necessidade, de uma prisão especial para aqueles possuidores de títulos, cargos, e diplomas.

 A própria norma é discriminatória, uma vez que faz menção a presos “comuns” e “especiais”, além de estabelecer que os estabelecimentos das prisões especiais devam ser adequados as “condições de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.” O que isso quer dizer? Que os “presos comuns” têm menos direitos às condições citadas do que os “presos especiais”? Percebe-se, portanto, pela simples leitura desse artigo, flagrante inconstitucionalidade.

O que é possível perceber, é que o artigo 295 do CPP é um instrumento classista, em que aqueles que têm os cargos, funções, títulos e méritos elencados em tal diploma são, majoritariamente, membros privilegiados da sociedade brasileira aos quais se faz necessário a chamada “prisão especial”, como forma de não se misturarem e de manterem sua dignidade, visto que as prisões comuns são lotadas, com péssimas condições de higiene, saúde e segurança.

Como bem ensina Eugênio Pacelli de Oliveira: “À exceção de uma outra situação, sobretudo quando fundada no exercício de algumas funções públicas, ligadas à própria persecução penal, parece-nos absurdamente desigual o tratamento reservado a algumas pessoas, especialmente quando baseado no grau de escolaridade de que são portadoras (art. 295, VII, CPP).

De outra perspectiva, a distinção e a desigualdade revelam, de modo sublimar, uma confissão expressa no sentido de que nossos estabelecimentos prisionais (delegacias, cadeias públicas, etc.) devem mesmo ser reservados para as classes sociais menos favorecidas (econômica, financeira, etc.), o que, aliás, iria exatamente na direção de uma outra realidade, ainda mais sombria, qual seja, a da seletividade do sistema penal.” (OLIVERIA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 15 ª Edição, Rio de Janeiro, Lumen Juris 2011).

Evidentemente que em determinadas situações a “prisão especial” se faz necessária, mas limita-se apenas aos profissionais da Justiça Criminal e à Corporação Policial em geral (o inciso XI do art. 295 menciona apenas delegados e guardas civis, mas o entendimento é de que tal dispositivo deve ser interpretado de maneira ampla). Nesses casos, a prisão não é um direito, e nada tem de especial, mas a separação se faz necessária como uma medida de segurança em geral. Não seria adequado, dada a natureza da situação, colocar, por exemplo, um policial militar em prisão processual em uma cela com os demais presos (os chamados, equivocadamente, de “presos comuns”): isso caracterizaria um risco não somente a segurança da vida do policial, mas do local como um todo.

            Concluindo, o que é possível perceber é que o Código de Processo Penal Brasileiro é uma lei defasada em muitos de seus artigos, uma vez que vigente desde 1941. Ainda imperam normas elitistas, discriminatórias e antidemocráticas, em desacordo com Estado Democrático de Direito e com a Constituição de 1988, posterior à referida lei. Afinal, por que um graduado no ensino superior, como um advogado, por exemplo, não pode dividir a mesma cela com um pedreiro, mesmo sendo eles acusados pelo mesmo crime?


Autor: Mariana Ribeiro De Toledo


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