Sobre os exploradores de caverna e os denunciantes invejosos: reflexões sobre direito, justiça e moral



FACULDADE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO MARANHÃO

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

FABIANA SANTOS DA SILVA LIMA 

RITA DE CÁSSIA LEITE CORSO

Sobre os exploradores de caverna e os denunciantes invejosos: reflexões sobre direito, justiça e moral

CAXIAS-MA

 2012

Sobre os exploradores de caverna e os denunciantes invejosos: reflexões sobre direito, justiça e moral 

As duas obras de L. Lon Fuller, O caso dos exploradores de caverna e O caso dos denunciantes invejosos são amplamente estudadas e debatidas, principalmente, por estudantes dos cursos de direito ao redor do mundo. Tal relevância deve-se ao fato de ambas conduzirem o leitor a reflexões de cunho teórico e filosófico acerca do ponto essencial que as une, noções sobre direito, justiça e moral.

Na primeira obra, a partir de um acordo estabelecido entre os exploradores no interior da caverna, uma norma jurídica válida fora dali foi descumprida em nome da preservação da vida. Porém, ao serem resgatados sofreram a sanção prevista para o descumprimento de tal ato, conforme previa a lei. Assim, diante do fato apresentado na obra a grande questão a ser debatida à luz do direito é: as normas jurídicas positivadas para regular a convivência humana na sociedade que se encontrava fora da caverna deveriam ser seguidas no seu interior, ainda que seu descumprimento fosse a única maneira de se garantir a preservação da vida? Na situação em que os exploradores se encontravam, caberia a eles pautar suas ações mediante os preceitos do direito natural ou do direito positivo? Já, na segunda obra, os denunciantes estavam vivendo em um verdadeiro estado de anarquia e terror. Embora a antiga constituição do país não tivesse sido revogada, os novos governantes instituíram e aplicaram novas normas. E, sob este aspecto, os denunciantes cumpriram o que as normas jurídicas validadas naquele período determinavam. Assim, diante de todo o aparato jurídico válido naquele momento, eles não infringiram o que o direito positivado estabelecia.

No que se refere à concepção de justiça e, diante das condições quem que se encontravam os exploradores de caverna, lutando pela preservação de suas vidas, considerando ainda que a atitude extrema tomada por eles foi de comum acordo e também todo o sofrimento e angústia psicológica a que foram submetidos; além de terem consumido carne humana para sobreviverem, seria justo puni-los observando apenas o que determinava a letra da lei? Quanto aos denunciantes, após a superação do estado de anarquia e terror em que se encontrava a sociedade em que viviam o reestabelecimento da democracia, seria justo puni-los por terem seguido justamente o que previa a lei considerada válida pelos governantes, no contexto de caos em que viviam anteriormente e que naquele momento não tornavam os atos cometidos por eles ilegais?

No âmbito da moral a questão suscitada na primeira obra é o fato dos exploradores terem tirado a vida de um amigo para que, a partir do consumo de sua carne, terem chance de sobreviver. Fato este, moralmente condenado pela sociedade. Na segunda obra, os denunciantes, mesmo seguindo o que a lei estabelecia, entregaram inimigos pessoais ao partido e autoridades governamentais por motivos considerados banais que poderiam ter como sanção extrema a pena de morte. Desta forma, mesmo seguindo o que a lei daquele período previa como legal, após o restabelecimento da democracia, eles foram moralmente condenados pela sociedade. Tendo em vista que se aproveitaram da situação jurídica do momento para de certa forma fazer valer seus desejos pessoais.

            Portanto, é justamente essa tríade direito,  justiça e  moral que tornam o estudo das obras mencionadas ao longo do texto, essenciais aos estudantes de direito. Pois, não basta ao futuro jurista apenas saber o que diz a lei e aplicá-la de forma mecânica; na grande maioria das vezes é necessário interpretá-la, refleti-la para, de modo eficaz e efetivo conseguir com isto sua aplicação ao maior número de casos concretos que for possível. Embora sejam três termos que possuem significados diferentes, na área da ciência todo direito são termos que andam em conjunto e que a grande maioria da população não concebe de modo separado. O direito é uma das maneiras que o ser humano utiliza para de certo modo, fazer acontecer a justiça, concretizá-la, mas, nem sempre isso vai de encontro os preceitos morais. No entanto, o ser humano ainda tem certa dificuldade em compreender isso e ainda crê que a justiça realmente é feita quando o direito passa a considerar os preceitos morais. Assim, as reflexões possibilitadas pelo estudo dos dois casos apresentados nas referidas obras visam preparar os estudantes da arte do direito para situações em que estas concepções certamente se confrontarão.

No caso dos exploradores, eles descumpriram uma norma estabelecida pelo direito positivo que, estabelecia que aquele que intencionalmente tirasse a vida de outrem seria punido com a morte. Neste caso, justiça seria fazer cumprir a sanção que a lei determinava. Porém, diante dos fatos apresentados, da situação de luta pela vida em que se encontravam, não havia outra solução, a vida de um deles teve de ser sacrificada em detrimento da vida dos outros quatro. Ainda que moralmente a sociedade condenasse o consumo de carne humana, o valor priorizado pela sociedade me geral, dadas as circunstâncias foi a preservação da vida, as condições em físicas e psicológicas a que foram submetidos. Desta forma, justiça para a sociedade seria não puni-los com a morte, dada a análise dos fatos. Assim, qual o posicionamento que o jurista deveria ter diante da análise de um fato de tal natureza? Quais as concepções de direito, justiça e moral deveriam prevalecer? Agir com justiça seria fazer cumprir o que determinava a letra da lei ou ponderar segundo os princípios morais?

Na contramão, mas, ao mesmo tempo abordando os aspectos levantados sob um novo prisma, vem o caso dos denunciantes invejosos. No entanto, no contexto da obra, fica claro que eles não infringiram nenhuma norma do direito positivado. Ao contrário, seguiram o que a lei daquele período determinava como legal. Porém, diante do reestabelecimento da democracia, priorizando os valores e princípios morais, a sociedade de modo geral exigia uma punição para os denunciantes. Neste caso, justiça seria cumprir o que os valores determinavam, ainda que juridicamente eles não tivessem cometido nada de ilegal? O dilema para o jurista, aqui, seria analisar até que ponto as normas jurídicas deveriam ser seguidas como reza a letra da lei. Diante de um fato desta natureza, quais as concepções de direito, justiça e moral deveriam realmente prevalecer? Como ponderar e concretizar a justiça, sem ferir as normas do direito e ao mesmo tempo da moral?

Deste modo, partindo do princípio de que o direito e suas normas existem para regulamentar o convívio humano, podemos concluir então, que, da grande variedade de opiniões é através dessas normas que de certo modo, a justiça se concretizará. Concebendo a justiça como proporcionalidade, equidade, justo meio e equilíbrio e, tendo em vista que no meio social, além dos aspectos legais existem também os morais, que juntamente com os costumes e valores subsidiam o direito, algumas vezes isso poderá ocasionar conflitos diante da aplicação de uma determinada norma jurídica. O certo é que nem sempre o que é direito e justo juridicamente atende às concepções e interesses da sociedade no campo da moral. Como também, nem sempre o que é considerado direito e justo moralmente pela sociedade atende ao que determina a lei. É justamente para a observação e reflexão desses três pontos diante de um determinado fato que as obras mencionadas ao longo do texto ainda hoje são objetos de estudo nos cursos de direito. Afinal, é sob as reflexões suscitas pela análise da temática proposta logo no título deste texto, que reside o início da preparação dos estudos do futuro jurista e a base do estudo da ciência do direito.

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Autor: Fabiana Santos Da Silva Lima


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