Prerrogativa ou dever legal de oferecimento da suspensão condicional do processo pelo MP



O Artigo 89, caput, da Lei 9099 de 1995 preve que o promotor de justiça "poderá propor a suspensão do processo", elencando que caso sejam cumpridas as exigências que autorizam a suspensão condicional da pena, bem como não deverá o réu estar sendo processado "ou" ter sido condenado por outro crime.
Vê-se que o legislador optou, na redação do citado artigo, pela utilização do verbo "poderá".

Partindo-se da interpretação literal, não restam dúvidas que o oferecimento da suspensão condicional do processo é opção do parquet, sendo necessário o cumprimento dos demais requisitos expostos pelo artigo 89 da Lei 9099.


É uníssono na jurisprudencia que a recusa do MP deve ser fundamentada, conforme se vê:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 218 DO CP. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. RECUSA DO PARQUET EM OFERECÊ-LA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. ART. 28 DO CPP.
I - O Ministério Público ao não ofertar a suspensão condicional do processo, deve fundamentar adequadamente a sua recusa.
II - Na hipótese dos autos, a negativa do benefício da suspensão condicional do processo está embasada em considerações genéricas e abstratas, destituídas de fundamentação concreta.(STJ, HC 85038, Min. Félix Fischer, DJ 25.02.2008)


Deste modo, a recusa imotivada acarreta logicamente a ilegalidade sob o prisma formal.


Conforme leciona o doutrinador Guilherme Souza Nucci, a suspensão condicional do processo "trata-se de um instituto de política criminal, benéfico ao acusado, proporcionando a suspensão do curso do processo, após o recebimento da denúncia, desde que o crime imputado ao réu não tenha pena mínima superior a um ano, mediante o cumprimento de determinadas condições legais, como o fito de atingir a extinção da punibilidade, sem necessidade do julgamento do mérito propriamente dito. É denominado, também, de sursis processual." Em consonância, assim o conceitua Fernando Capez, verbis: "Trata-se de instituto despenalizador, criado como alternativa à pena privativa de liberdade, pelo qual se permite a suspensão do processo, por um determinado período e mediante certas condições. Decorrido esse prazo, sem que o réu tenha dado causa à revogação do benefício, o processo será extinto, sem que tenha sido proferida nenhuma sentença".


Ultrapassando tais esclarecimentos, passa-se a análise da divergência interpretativa acerca do artigo citado, mostrando-se necessário trazer entendimento do Dr. Luiz Flávio Gomes (Suspensão condicional do processo. São Paulo: RT, 1995, p. 124), um dos mais ilustres estudiosos do assunto, o qual esboça que a divegência interpretativa dá-se, em parte, do laconismo do legislador, que “cuidou de um dos mais revolucionários institutos no mundo atual em apenas um artigo (art. 89)”, deixando margem a uma série de indagações.


Conforme já citado, se a atividade interpretativa partir de um escopo literal, não haverá dúvidas que é prerrogativa do MP o oferecimento de suspensão condicional do processo, conforme entendimento do doutrinador Alberto Zacharias Toron, “Em face dos termos claros da lei, a melhor intelecção, ainda que não represente a melhor solução, é de se manter a faculdade de propor a suspensão nas mãos do Promotor de Justiça” (in Drogas: novas perspectivas com a lei 9099/95”, Boletim IBCCrim, novembro/95, p. 6).


Não nos parece adequada tal compreensão da Lei 9099, sob pena de negar a própria Constituição Federal, que elenca a Igualdade como um de seus principais pilares. Nesta linha, entendemos que a interpretação puramente literal do art. 89 não conduz a realidade do paradigma atual de Estado.


Tendo em vista o viés contitucional acima exposto, a interpretação do Artigo 89 da Lei 9099 deve observar:


"Presentes os requisitos legais, tem que atuar em favor da via alternativa eleita pelo legislador. Não é o Ministério Público o detentor desssa política. Ele a cumpre. Assim como a cumpre o juiz. O rattio legis, portanto, reside na conquista de finalidades públicassupremas (desburocratização, despenalização, reparação, ressocialização etc.), não no incremento de poderes para uma ou outra instituição", Luiz Flávio Gomes (GOMES, 1995).
Nesta linha de raciocíno o  Magistrado Federal, Alexandre Vidigal de Oliveira, entende que a "facultatividade atribuída ao Ministério Público é de constitucionalidade questionável, por instaurar discricionarismo quanto ao instituto penal de extinção da punibilidade, podendo resultar na possibilidade de tratamento diferenciado aos acusados que se encontrem emidêntica situação, com o grave risco de se constatar flagrante violação ao princípio constitucional da isonomia (OLIVEIRA)."


Conclui-se então que não seria plausível que o oferecimento da suspensão condicional do processo ficasse a cargo do Ministério Público, tendo em vista que esta não é sua função. Desta forma, nos parece prudente o dever legal de oferecimento da suspensão condicional do processo, caso estejam satisfeitos os requisitos legais.

Referências
Bittencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, volume 2, 3aedição, revista e atualizada e ampliada, São Paulo, Saraiva
CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial. 4ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, v.2
Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral, 9aedição revista por Fernando fragoso, Rio de Janeiro, Forense, 1985.
Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral, 16ªedição, revista por Fernando Fragoso, Rio de Janeiro, Forense, 2003.
GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997
Leite, Gisele. Vigiar para punir, artigo publicado na revista forense eletrônica, e nos sites www.direito.com.br, www.estudando.com , www.jusvi.com
Mirabete, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, 21aedição. São Paulo. Atlas, 2004
NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 3ª ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2000


Autor: Diego Starling Pessim Silva


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