Tronco



Foi a mariana quem cortou primeiro ramo. Claro que pela proximidade. Vivia no segundo andar!

Eu desci as escadas, carregado de malas, como as mão vermelhas, inchadas, marcadas pelos sacos, que sendo de plástico marcam mais do que os de pano, que são mais caros!

Ao longo das escadas as folhas marcavam o movimento das casas, do corte, da quantidade de ramos, como se visse o desenho do velho plátano, que outrora se projectava em silhueta sobre a fachada. Chegado o rés-do-chão, o saco mais pequeno que segurava entre o mindinho e o indicador rasgou-se com o peso. No meio de tanta folha acabei por perder os ansiolíticos, sendo que só me dei conta assim que as hospedeiras apresentaram as regras e procedimentos de emergência. Uma desgraça de voo! Nunca tinha saído da Europa, e às duas horas que viagem desejei nunca ter saído.

É claro que as saudades da Raquel eram mais do que suficiente para me encorajar e aguentar na viagem. Houve algumas crises! Ainda passei umas três horas na parte de trás do avião, de pernas para cima, a fazer exercícios de respiração.

Adormeci entretanto com cansaço, e acordei já ao colo da Raquel. Eu achava que estava ao colo da Raquel!

Falava com ela como se fosse a Raquel. Porque parecia a Raquel! Raquel, Raquel, Raquel…

Em pânico pela rejeição da Raquel, só me vinha à cabeça o jornalista francês que injectava morfina na língua! Estava cheio de frio e medo… Decidi correr pelas escadas de emergência sem sequer pensar que podia por em causa o resto dos tripulantes, caso estivesse ainda no ar! A Raquel contou-me, um dia, a história, “sucção do homem sonho, que abriu a porta de um avião”.

Cruzando as informações, acimentam-se-me os pés no terceiro degrau e paro ofegante.

O meu corpo ficou meio amarelado, o que apesar de tudo era o mais normal, dado o meu quadro clínico.

Decidi voltar para dentro.

Carreguei no botão direito, logo por cima do banco 23, onde estava sentado, com o intuito de chamar a Sra. Hospedeira, mas acabei por comer, nas trombas, com o ar, sabes lá onde guardado, que rasgou como facas o rosto quente.

Carreguei no botão vermelho, o do meio, para anular o ar, e carreguei então no da esquerda, e agora sim, obtive a coca-cola com o devido tempo de espera, claro.

É curioso que a rapariga, a hospedeira, olhou-me como a Raquel quando bebia coca-cola! Assim, mais ou menos, como se olha a alguém que está a beber coca-cola, mas com o olhar da Raquel. E por acaso não estranhei. Passei o resto da viagem com a mesma coca-cola, não fosse eu carregar noutro botão qualquer, e sabe-se lá!

Pensei bastante sobre alguns assuntos directamente relacionados com o processo de voo, para me distrair dos olhos da Raquel.

Pensei na semelhança do descarregar do autoclismo com o atirar o plástico da pastilha elástica ao chão. E..

Espera.

-sim?! Quem fala?

Não lhe sei precisar exactamente, algures no céu.

Naquele momento, senti a necessidade de ir á cabine para perceber melhor o caminho. É que as janelas laterais são muito pequenas e de pouca visibilidade!

Tiro o cinto, e nesse mesmo momento, acciona-se o sistema de alarme de emergência, e vem-me a cabeça as escadas da casa, a mariana…

Sem medo, seguro, com a maior cabeça fria, dirigi-me à cabine, afastando as cabeças e os braços dos que me tentavam deter, e percebi ao ver uma pequena ilha, com uma pequena arvore, que estava segura a amaragem.

Á medidas que nos aproximávamos da ilha, veio-me á cabeça a casa, a sombra da árvore na fachada!

Vi então um rapaz, grande, e por isso cortava de baixo, os ramos.

O avião aterrou. Aterrou na mão do rapaz porque já não havia ramos.

Eu desci, dei um abraço à Raquel, matámos as saudades, e segundo dizem a mariana caiu da janela, como uma folha.  

  


Autor: António Alves Vieira


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