Preferência de contratação para microempresas e empresas de pequeno porte – Reflexos da LC nº 123/2006



Palavras chave: Licitação. Microempresa. Empresa de Pequeno Porte. LC nº 123/2006. 

 

1.INTRODUÇÃO

 

O princípio da igualdade nas licitações é postulado expresso não só na Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações), mas também no próprio texto constitucional, no seu art. 37, XXI, que ipsislitteris diz:

 

“XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

 

 

Como se observa, apesar de as licitações públicas terem o princípio da igualdade entre os licitantes como postulado expresso a nível constitucional, a Lei Complementar 123/2006 (“Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”) estabelece regras que implicam preferência de contratação em favor das microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP).

 

Por certo, as mudanças de tratamento das ME e EPP introduzidas pela LC nº 123, principalmente no tocante às licitações públicas, veio implementar a previsão do art. 179 da CF, que prevê “tratamento jurídico diferenciado” , visando reduzir as desigualdades existentes entre elas e as demais. Veja-se a seguir o teor do art. 179 do texto constitucional, que assim dispõe: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei” (destaquei).

 

É de salientar que com as inovações trazidas pela LC 123 trouxe profundas mudanças nos julgamentos das propostas licitatórias, quando estejam participando do certame ME ou EPP.

 

 

2.DEFINIÇÃO DE (ME) E (EPP)

 

 

A Lei Complementar nº 123, define as microempresas e as empresas de pequeno porte levando em consideração a receita bruta auferida em cada ano-calendário. Segundo dispõe os incisos I e II do art. 3º da referida lei, considera-se microempresa caso tenha auferido em cada ano-calendário “receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); já para ser considerada empresa de pequeno porte deve ter auferido em “cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais”)

Expostas essas definições, vamos agora analisar os impactos introduzidos pela novel LC nº 123 no procedimento licitatório em que dele participem quer ME ou EPP.



3. TRATAMENTO DISPENSADO PELA LC 123 ÀS (ME) E (EPP).

O art. 44 da LC 123 dispõe que “nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte”. Inobstante a lei fale literalmente em critério de desempate, a regra que a lei estabelece não se aplica somente a casos em que efetivamente haja um empate. Com efeito, estabelece § 1º do aludido artigo que “Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada”.

Nesse contexto, como se observa pelo que foi dito acima, que a lei cria um empate fictício. Pois, segundo salienta Emerson Dario Correia Lima em seu artigo (As licitações e a regra de desempate prevista na Lei Complementar nº 123/2006) “o empate existirá mesmo que não se observe uma igualdade numérica entre as propostas. [...] se a proposta classificada em segundo lugar estiver em um valor enquadrado no intervalo de até dez por cento superior que a classificada em primeiro lugar, desde que aquela detenha a qualificação jurídica de ME ou EPP”.

Utilizamos a seguir uma situação trazida por Marcelo ALEXANDRINO e Vicente PAULO, a fim de exemplificar o que foi dito acima: se a licitação visava a efetuar compras, e o menor valor do bem a se adquirido, R$ 100,00 por unidade, constava da proposta oferecida por uma grande empresa, será considerada “empatada” com ela a proposta oferecida por uma ME ou EPP em que o bem tenha preço unitário de até R$ 110,00 (note-se que isso, obviamente, não é um empate, mas uma equiparação legal a empate).”

Registre-se que as regras acima apresentas são regras gerais. Quanto a modalidade de licitação pregão, o percentual para se considerar “empate” entre ME e EPP com as demais espécies de empresas, é de 5% superiores ao melhor preço apresentado.



3.1.REPERCUSSÕES NA FASE DE JULGAMENTO DAS PROPOSTAS

Ocorrendo o empate (real ou equiparado), o art. 45 da LC 123/2006 determina que seja adotados os seguintes procedimentos:

  1. a ME ou EPP mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitada. Anote-se que, mesmo que a ME ou EPP apresente proposta inferior à originariamente vencedora em apenas um centavo de real, será ela considerada vencedora do certame;

  2. se a ME ou EPP mais bem classificada não oferecer proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certamente, serão convocadas as remanescentes, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito (desde que os valores originais das propostas dessas ME e EPP remanescentes enquadrem-se nos critérios de “equiparação a empate” com a proposta vencedora do certam);

  3. no caso de serem idênticos os valores das propostas originais apresentadas pelas ME e EPP ( e desde que sejam propostas que se enquadrem nos critérios de ‘equiparação a empate” com a proposta vencedora do certame), será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresenta melhor oferta.



3.2. LIMITAÇÕES AO TRATAMENTO DIFERENCIADO

Ao mesmo tempo em que a Lei Complementar nº 123 de 2006 prevê tratamento diferenciado a ser dispensado às microempresas (ME) e às empresas de pequeno porte (EPP), também são previstas as limitações a esse tratamento privilegiado, sob pena de invalidação do procedimento licitatório.



3.2.1. Previsão expressa no instrumento convocatório

A primeira limitação ao tratamento diferenciado dispensado às ME e EPP nas licitações públicas, decorre do princípio de vinculação ao instrumento convocatório, lembrado pelo saudoso HELY LOPES MEIRELLES como sendo o edital “a lei interna da licitação”. Logo, para que o tratamento diferenciado dispensado às ME e EPP seja legítimo, deve o instrumento convocatório prever esta possibilidade. Caso não previsto no edital ou carta-convite essa possibilidade, a Administração Pública não poderá surpreender os licitantes empregando tratamento diferenciado á referidas empresas, sob pena de nulidade do procedimento. Essa é a limitação imposta pelo inciso I do art. 49 da referenciada norma.

É também o que dispõe o Decreto nº 6.204/2007, no artigo 10, que diz expressamente que “os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte deverão estar expressamente previstos no instrumento convocatório”,



3.2.2. Vantagem para a Administração Pública

Neste caso não havendo vantagem para administração pública não haverá de se aplicar não apenas a solução da LC nº 123/06, mas qualquer outra, porque o interesse público deve ser sobreposto aos das ME e EPP.

Segundo Marçal Justen Filho, citado por Luciane do Rocio Lecheta:



“Deve-se entender que não se admitirá que a Administração Pública desembolse valores incompatíveis com os preços disponíveis no mercado. Se o resultado da licitação diferenciada conduzir a preços superiores aos usuais de mercado, caberá à Administração Pública promover a revogação da licitação (...)”.



Diante disso concluímos que não havendo vantagem não existe porque da contratação.



3.2.3.Hipóteses de contratação direta

Segundo o inciso IV do artigo 49 da LC 123/06 que, se a licitação for dispensável ou inexigível (contratação direta), não se aplicam as disposições referentes ao tratamento diferenciado.



5. CONSTITUCIONALIDADE DO TRATAMENTO DIFERENCIADO DAS ME E EPP



Os tratamentos diferenciados que recebem as ME e EPP devem estar de acordo com os princípios constitucionais. Sobre esse assunto o princípio que se destaca é o da isonomia, se este é ou não afetado, sobre isso discorre Maria Sylvia de Pietro: “as exceções mencionadas não conflitam com o princípio da isonomia, uma vez que o artigo 5º CF somente assegura igualdade entre brasileiros e estrangeiros em matéria de direitos fundamentais. Além disso, no caso das ME e EPP, o tratamento diferenciado resulta da própria situação desigual dessas empresas em relação a outras que não têm a mesma natureza; por outras palavras, trata-se de tratar desigualmente os desiguais”.



6. CONCLUSÃO

Como sabido, o princípio da igualdade é postula vetor das licitações públicas. Inobstante isso, a Lei Complementar nº 123/2006 traz em seu bojo um tratamento diferenciado em favor das microempresas e empresas de pequeno porte, nas contratações com a Administração Pública.

 

Nesse contexto, se viu que o tratamento diferenciado dispensado às ME e EPP não é ilimitado, devendo estar expressamente previsto no instrumento convocatório do certame, sob pena de nulidade do procedimento. Também, em última análise, para que seja possível a contratação com as referidas empresas, deve haver vantagem para a Administração Pública, sobrepondo-se assim, o interesse público sobre os interesses das ME e EPP.

 

Por último, apesar de opiniões em contrário, o tratamento diferenciado proposto pela LC nº 123/2006 está em harmonia com as normas constitucionais do Estado brasileiro, uma vez que tal tratamento se justifica dentro da máxima de “tratar desigualmente os desiguais”.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

 

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 19. ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2011

 

LECHETA, Luciane do Rocio. Impactos da lei complementar nº 123/06 nas licitações públicas. Jus Vigilantibus. Disponível em . Acesso em: 31 mar. 2012.

 

LIMA, Emerson Dario Correia. As licitações e a regra de desempate prevista na Lei Complementar nº 123/2006. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2290, 8 out. 2009. Disponível em: . Acesso em: 31 mar. 2012.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

1 Bacharelando do curso de Direito da Universidade Tiradentes, Técnico Judiciário do Poder Judiciário do Estado de Sergipe..

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Autor: Alberlito Andrade Silva


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