Semelhanças e diferenças entre a fraude contra credores e a fraude à execução



Acadêmico do 10º semestre de Direito da Faculdade de Sorriso-Fais-Unic

                                                                       Eli dos Santos Ferreira

1. Semelhanças e Diferenças Entre a Fraude Contra Credores e a Fraude à Execução

A fraude contra credores e a fraude à execução apresentam estreita correlação ou conexidade. Ontológica e historicamente, a fraude à execução assemelha-se e muito com a fraude contra credores. Todavia, trata-se de dois institutos com características peculiares inconfundíveis.

Para o doutrinador Yussef Said Cahali, “o instituto da fraude à execução constitui uma “especialização” da fraude contra credores”1.

Os dois institutos têm origens comuns, erigiram-se do Direito Romano, e visam impedir a má-fé, bem como, assegurar o patrimônio do devedor para que não reste frustrada a pretensão do credor em ter seu crédito satisfeito. Tais institutos resguardam a responsabilidade executiva incidente sobre o patrimônio do devedor.

Tanto a fraude contra credores como a fraude à execução, têm como efeito tornar os atos fraudulentos praticados pelo devedor insolvente em ato ineficaz em relação ao credor. E a insolvência, criada ou agravada, é requisito nos dois casos para que se configure a fraude.

Com efeito, são expressivos os pressupostos coincidentes entre a fraude à execução e a fraude contra credores. Em ambas as formas “o fundamento é a lesão causada ao credor do alienante”2.

Segundo Yessef Said Cahali, são requisitos comuns:

a) fraude na alienação por parte do devedor; b) a eventualidade de consilium fraudis pela ciência da fraude por parte do adquirente; e c) o prejuízo do credor (eventus damni), por ter o devedor se reduzido a insolvência, ou ter alienado ou onerado bens, quando pendo contra o bem demanda capaz de reduzi-lo a insolvência3.

Ambos os institutos preservam a boa-fé, canal através do qual a moral penetra no direito. Entretanto, em que pese os pontos em comum que não são poucos entre os dois institutos, os pontos divergentes são ainda maiores. A grande diferença, entretanto, fica a cargo da indispensabilidade da pendência de um processo na fraude à execução, da litispendência.

Segundo constas, as principais diferenças entre os dois institutos verificam-se quanto: a) quanto à natureza dos institutos; b) quanto ao momento em que o ato é praticado; c) quanto ao elemento subjetivo do ato impugnado; d) quanto às formas de impugnação do ato; e) quanto à natureza e aos efeitos do juízo de ineficácia do ato.

Assim, temos:

A fraude contra credores é instituto de direito material, pois encontra-se regulada pelo Código Civil (arts. 158 a 165), sobre a disciplina do direito privado, ainda que tenha ênfase no direito processual. Referida fraude, materializa-se somente por meio da ação pauliana ou revocatória, isto é, processo de conhecimento autônomo.

Já a fraude à execução é instituto processual, disciplinada pelo Direito Processual Civil, com caráter de direito público.

Quanto ao momento da prática do ato fraudulento, a diferença entre ambos os institutos jurídicos é no que tange a litispendência. Isto porque, enquanto não houver ação em juízo, poderá haver fraude contra credores, mas não fraude à execução. Neste último caso, deve haver um processo pendente quando ato fraudulento4.

A decretação da fraude à execução, como já vimos, ocorre no próprio processo, por meio de petição simples juntada aos autos. Necessariamente, neste caso, deve haver um processo pendente, pois não existindo processo em andamento, resta ao credor tentar desconstituir a fraude por meio da ação pauliana, o que acontece na fraude contra credores.

Yussef Saida Cahali dispõe que quanto ao elemento subjetivo do ato impugnado, na fraude contra credores é ônus do credor provar que o devedor praticou atos fraudulentos com a intenção de dilapidar seu patrimônio para não saldar a dívida. No entanto, na fraude à execução a lei dispensa a prova do elemento subjetivo (concilium fraudis), na medida em que se faz premido, em virtude da pendência da ação5.

No que tange a forma de impugnação do ato fraudulento, a fraude à execução pode ser apreciada nos embargos de terceiros, oposto pelo adquirente; já na fraude contra credores, como já exposto, a impugnação somente pode alegada em sede de ação pauliana.

Assim, portanto, a defesa do devedor fraudulento, na fraude contra credores, como se trata de ação de conhecimento (ação pauliana), a defesa é a contestação. Já na fraude a execução por tratar-se de processo já em andamento a defesa do devedor deve ser alegada via embargos de terceiro.

Anteriormente, havia diferenças entre a natureza do ato e os efeitos da sentença, todavia, de acordo com o entendimento que vem prevalecendo, nos dois institutos o ato fraudulento é ineficaz, ou seja, é válido entre devedor e adquirente, contudo é inoponível ao credor. Assim, ocorre a ineficácia relativa do ato fraudulento em relação ao credor. O credor vai até o patrimônio do terceiro adquirente para saldar a obrigação insatisfeita pelo devedor.

Segundo Dinamarco, “[...] a fraude de execução tem um âmbito maior que o da fraude contra credores, que se situa exclusivamente no campo da proteção aos créditos pecuniários”6. Isto porque, a fraude contra credores, protege tão apenas os créditos pecuniários, a obrigação de entrega de coisa certa.

Do exposto, outra diferença entre a fraude contra credores e a fraude à execução está no fato de que esta última ofende a dignidade da Justiça, a tutela jurisdicional na figura do Estado-Juiz, enquanto aquela só acarreta ofensa aos credores.

Assim, portanto, a fraude à execução é muito mais grave quando praticada ante a existência de um processo pendente contra o devedor, pois, além de causar prejuízo aos credores, a disposição dos bens do devedor insolvente constitui verdadeiro atentado contra a atividade jurisdicional do Estado.

Em suma, leciona-nos Dinamarco, “a ordem processual oferece meios destinados a neutralizar a eficácia de cada uma dessas espécies de fraudes do devedor, variando a energia desse combate segundo a gravidade do ato”7. Em todas as espécies fraudulentas o devedor visa obstaculizar que o credor tenha o crédito satisfeito.

Por fim, conclui-se que a boa-fé constitui fundamento das relações humanas e jurídicas, tanto na constituição das obrigações como na sua execução. A doutrina moderna reconhece a influência da boa-fé em todas as áreas do direito, como ocorre na fraude contra credores e fraude à execução.

REFERÊNCIAS

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Autor: Eli Dos Santos Ferreira


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