Fraude contra credores



Acadêmico do 10º semestre de Direito da Faculdade de Sorriso-Fais-Unic

                                                                       Eli dos Santos Ferreira

1. FRAUDE CONTRA CREDORES

O vocábulo fraude é de origem do Direito Romano, nos dicionários da Língua Portuguesa encontra-se definido como sendo: artifício para enganar, engodo, ato de má-fé. Assim, o ato fraudulento ou engodo se exterioriza por meio de uma fraude.

Na clássica conceituação de Clóvis Beviláqua, “fraude é o artifício malicioso para prejudicar terceiro, de persona ad personam”1.

Leciona-nos, nesse sentido, Yussef Said Cahali que o “conceito de fraude participa, in genere, da má-fé, como negação da boa-fé. O princípio da boa-fé é o caminho pelo qual a moral penetra no direito”2. Essa conotação de fraude foi trazida para nosso Direito Civil e Direito Processual Civil ganhando forma jurídica.

Alvino Lima, no que se refere à boa-fé, assim, esclarece:

A sua influência na disciplina e solução dos conflitos de interesse quase sempre decisiva, no sentido de proteger os que agem lealmente, com probidade, ou na ignorância escusável das situações antijurídicas, em sentido contrário, a lei repele as pretensões dos que agem de má-fé, impondo-lhe penalidades, restringindo-lhes as faculdades e poderes, ou proclamando a nulidade, anulação ou ineficácia dos seus atos jurídicos; o princípio da boa-fé constitui, pois, a regra fundamental das relações humanas, quer na confecção dos atos jurídicos, como, de um modo geral, em quaisquer atos que possam atingir os interesses de terceiros3.

Deste modo, a fraude, o dolo, a simulação fraudulenta, representam a negação da boa fé que deve presidir a celebração e o cumprimento dos negócios jurídicos.

No nosso estudo, tratamos especialmente da fraude contra credores. Nesse consoante, Cândido Rangel Dinamarco, dispõe que “fraudes do devedor são condutas com as quais alguém, na pendência de uma obrigação insatisfeita, procura livrar um bem da responsabilidade patrimonial que pesa sobre ele; são condutas do próprio obrigado (devedor) ou, às vezes também do mero responsável”4.

A fraude de devedores é a manobra engendrada por este com o objetivo de prejudicar terceiro. Caio Mário aponta que ocorre tais fraudes “quando o devedor insolvente, ou na iminência de tornar-se tal, prática atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo, desse modo, a garantia que este representa, para resgate de suas dívidas”5.

Existem três tipos de fraudes do devedor: a fraude à execução, a fraude contra credores e a disposição de bem já conscrito judicialmente (penhorado, apreendido, depositado). Todas essas espécies de fraudes são constituídas por atos que visam prejudicar o credor, em todas o devedor busca impedir que aquele receba o que lhe é devido.

Tais institutos são disciplinados juridicamente pelo Direito Civil e Direito Processual Civil, e quando da sua ocorrência traz relevantes efeitos, haja vista, que o devedor inadimplente pode até realizar negócio válido, intrinsecamente perfeito, contudo, não produzirá efeitos contra o credor. O negócio fraudulento não impedirá que o bem venha a ser utilizado no processo de execução para saldar a dívida.

Portanto, os atos fraudulentos não serão oponíveis ao credor. O negócio (alienação) do devedor pode até seguir com seus efeitos normais, mas não pode subtrair o bem a responsabilização pelas suas obrigações insatisfeitas.

É para impedir as fraudes dos devedores que a ordem processual oferece meios destinados a combater a eficácia desses atos fraudulentos.

A seguir, analisaremos dois tipos de fraude de devedor: fraude contra credores e a fraude à execução, uma de natureza material, outra de natureza processual. As duas fraudes que terão relevância quando da análise específica do tema proposto nesse trabalho, averbação premonitória da execução.

1.1 Da Fraude Contra Credores

O instituto da fraude contra credores encontra-se regulamentado por normas previstas no Código Civil, arts. 158 a 165. O instituto da fraude contra credores consiste na diminuição patrimonial do devedor até o ponto de reduzi-lo à insolvência, na pendência de uma obrigação ainda insatisfeita.

Nos dizeres de Cândido Rangel Dinamarco “a fraude contra credores consiste na realização de um ato de disposição de bem ou direito, que produza ou agrave o estado de insolvência do devedor, na pendência de uma obrigação ainda insatisfeita”6.

E, este agravamento do estado de estado de insolvência, ocorre antes da propositura de qualquer demanda em juízo para a satisfação do crédito, sendo, portanto, afrontosa somente ao direito do credor e não a dignidade da justiça7. Posto que, ainda, não há um processo judicial pendente, o Estado não foi provocado. O único prejudicado, nesse caso, é o credor.

A fraude contra credores estará configurada sempre que exista uma obrigação não cumprida, ainda, que esta não se encontre vencida ou é inexigível. Basta, portanto, a existência da obrigação e a demonstração pelo devedor em não querer cumpri-la.
Nesse sentido, ressalta Cândido Rangel Dinamarco:

Os atos do devedor serão fraudulentos sempre que exista uma obrigação ainda não cumprida, não importando se esta se encontra vencida ou ainda é inexigível – porque como é notório, obrigações inexigíveis existem e não se confundem conceitualmente com obrigações em via de formação, ou seja ainda inexistente (2005, p. 436).

Como disposto, a obrigação pode não estar vencida e ser inexigível, todavia, não pode estar em via de formação, pois, quando da ocorrência dos atos fraudulentos do devedor é necessário que o terceiro prejudicado já seja denominado credor.

A fraude pode se dar por meio da venda do bem, dação em pagamento, cessão de direitos possessórios, remissão de dívida, doação, dentre outros atos fraudulentos. Demonstrada a vontade do devedor em realizar tais atos com a finalidade de não satisfazer o crédito.

Daniel Amorim Assumpção Neves enuncia em sua obra, que para que se configure a fraude contra credores dois requisitos são necessários: um de caráter objetivo e, outro de caráter subjetivo.
Assim, temos:

Para que fique configurada a fraude contra credores dois requisitos são exigidos: um caráter objetivo, qual seja que a alienação tenha conduzido a uma diminuição patrimonial do devedor que tenha piorado ou criado um estado de insolvência (eventus damni); e outro de caráter subjetivo, ligado à intenção de provocar sua redução patrimonial até o estado de insolvência (consilium fraudes)8.

Assim, portanto, com o ato do devedor deve haver diminuição patrimonial que prejudique o credor, bem como, deve haver a intenção do devedor que aliena ou grava o bem, não necessariamente, a intenção deliberada em fraudar, mas, que o devedor tendo potencial conhecimento que venda do bem o tornará insolvente, realiza o negócio.
Insolvência é a insuficiência patrimonial, é nas palavras de Cândido

Rangel Dinamarco, “o desequilíbrio econômico caracterizado por um patrimônio economicamente menos valioso do que as dívidas do titular. Insolvente é quem deve mais do que tem”9. E, essa insolvência como requisito da fraude contra credores pode ser criada ou agravada.

Nessa linha de raciocínio, Dinamarco, ainda, dispõe:

As fraudes cuja caracterização a lei associa a insolvência do devedor conduzirão a ineficácia do ato tanto na hipótese de o devedor ser solvente antes da alienação ou oneração do bem, quanto em caso de ele já ser insolvente antes e o ato fraudulento haver agravado seu estado patrimonial. Quem devia cem, tendo um patrimônio valendo mil, não era inicialmente insolvente mas torna-se tal quando vende tanto, que não lhe restem sequer os cem que devia; quem já devia dois mil e aliena os bens que valiam mil, já era insolvente antes e com a alienação feita tornou ainda mais grave a insolvência, porque o saldo negativo será mais do que antes10.

Assim, somente se reputarão causadores ou agravadores da insolvência aquele devedor que pratica atos cuja realização ocasiona desequilíbrio no seu patrimônio, não sendo fraudulento o ato, quando ainda deixar bens suficientes para satisfazer as obrigações. Devendo ser analisado de acordo com cada caso concreto.

Nesse consoante, Cândido Rangel Dinamarco sintetiza:

A fraude contra credores, que é lesiva a estes mas não ultraja o Poder Judiciário porque não há um processo em curso, depende, para se exteriorizar em cada caso concreto, do duplo requisito da insolvência criada ou agravada pelo ato, mas o consilium fraudis, que é o concerto de intenções e condutas conscientes entre o devedor que aliena ou grava o bem e o terceiro que o recebe [...]11.

Quando o negócio praticado pelo devedor é oneroso, é necessário comprovar tais requisitos. No entanto, tratando-se de ato praticado a título gratuito, o intuito fraudulento é presumido de forma absoluta.

No que tange a esse entendimento Alexandre Freitas Câmara, claramente, dispõe que o ato fraudulento praticado a “título gratuito (por exemplo, uma doação), não se deve cogitar da verificação do intuito fraudulento, que se presume de forma absoluta. Já nos atos onerosos, é preciso que o devedor tenha, ao menos, o potencial conhecimento de que seu ato o tornará insolvente”12.

Quanto ao terceiro adquirente exige-se que este tenha conhecimento da condição de insolvência que o negócio poderá acarretar ao devedor, ou até mesmo que haja circunstâncias que pela lei ou o senso comum entendam suficientemente reveladora.

Deve haver a ocorrência de um conluio entre devedor e adquirente (concilium fraudis).

Isto porque, o comprador cauteloso e de boa-fé deve consultar cartórios de protesto, distribuidores judiciais ou entidades de proteção ao crédito para saber as condições do bem que tem interesse em adquirir. Assim, ressalta Dinamarco:

Aquele que investe em um negócio, despende seu dinheiro e dá ao alienante a compensação financeira ajustada, ordinariamente é lícito esperar pelas vantagens do negócio que fez, não sendo legítimo apená-lo com a ineficácia do ato e conseqüente sujeição do bem à execução pelas obrigações de outrem13.

Deste modo, para o adquirente a ineficácia do ato só se legitima como sanção a sua intenção de fraudar ou ao menos a sua imprudência por não ter agido segundo os padrões de diligência ordinária. A lei e nossos tribunais exigem expressamente a ocorrência de um conluio entre o devedor e o terceiro adquirente.

O Superior Tribunal de Justiça entende que o terceiro de boa-fé deve ser protegido. Nesse sentido, já decidiram nosso tribunais:

AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. Não produzindo o autor prova que demonstre a insolvência do devedor em decorrência da alienação de bem a terceiro, bem como inexistindo comprovação do conluio fraudulento entre esses, não procede a pretensão de anulação do negócio sob a alegação de fraude contra credores. Apelo desprovido. Unânime14.

Deve existir uma bilateralidade fraudulenta, por parte de quem aliena para livrar-se da obrigação insatisfeita, e por parte de quem adquire sabendo das condições patrimoniais do devedor.

Quanto ao ônus da prova, os tribunais entendem que os requisitos acima verificados são imprescindíveis para caracterização da fraude contra credores, sendo o ônus de prová-los do credor/exeqüente. Entretanto, em casos como de negócios gratuitos em que a fraude fica escancarada, ou naqueles determinados por lei (CPC, arts. 750 e 813), no qual se extrai pelo senso comum que se trata de ato fraudulento, o ônus da prova cabível ao credor é afastada.

Diverge a doutrina quanto à natureza e efeitos do vício do ato praticado em fraude contra credores. Alguns defendem que o ato é anulável, outros que o ato é válido, porém inoponível ao credor.

A doutrina civilista mais antiga e parcela da doutrina processualista, em consonância com os dispositivos legais arts. 158, 159, 165 e 171, II do Código Civil adotam o entendimento de que o ato vicioso é anulável. A ação pauliana proposta pelo credor fraudado irá desconstituir o negócio fraudulento do devedor com o terceiro adquirente15.

Salienta Yussef Said Cahali que “o Código Civil manteve o sistema do direito anterior e prossegue considerando a fraude contra credores como sendo “anulável”, tal como no caso de vício de consentimento resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, ou lesão (art. 171, II)”16.

Nessa situação, o bem irá retornar para o patrimônio do devedor, uma vez que o negócio foi anulado, o qual servirá de garantia para o pagamento da dívida do credor que ingressou com a ação pauliana, como também de qualquer outro credor. Outrossim, em caso de expropriação do bem, sendo obtido valor superior ao da dívida, o restante será devolvido ao devedor e não ao terceiro, pois em relação a esse o negócio foi desfeito.

Enuncia Daniel Amorin Assumpção Neves que “[...] tratando-se de anulação de ato jurídico, exige-se a formação de litisconsórcio necessário entre os contratantes (devedor e terceiro) na ação pauliana (revocatória)”17.

A outra corrente defendida por processualista (Dinamarco, Alexandre Freitas Câmara, entre outros), com adeptos civilistas compreendem que o ato vicioso praticado pelo devedor é válido, contudo inoponível ao credor.

Vale ressaltar, esse posicionamento encontra-se em conflito com o entendimento da doutrina tradicional (como vimos acima), implica em discordância com o próprio texto do Código Civil de 2002 (que entende pela anulabilidade do ato praticado pelo devedor fraudulento).

Desta feita, se o negócio é válido, ele não é desconstituído, mas o devedor não é favorecido com a fraude, pois o credor fraudado pode invadir o patrimônio do terceiro adquirente para saldar a dívida.

Leciona-nos Cândido Rangel Dinamarco que “[...] a conseqüência dessa fraude será afinal a ineficácia do ato, com a possibilidade de o bem ser penhora por iniciativa do credor lesado [...]”18.

Há ineficácia do negócio e não anulação. Assim, o bem não retorna ao patrimônio do devedor. Isso porque, a finalidade é preservar o bem, pouco importando ao credor que haja mudado de dono. O credor tem o direito de buscar o bem onde ele estiver. O terceiro embora dono irá suportar a execução a ser realizada sobre o bem adquirido, pois o negócio entre ele e o devedor mantém-se válido.

E, é esse o entendimento que vem prevalece em nosso ordenamento jurídico, em que ato fraudulento é válido, mas ineficaz em relação ao credor, ainda que seja entendimento diverso do disposto no Código Civil. A jurisprudência, de longa data vem decidindo nesse sentido.

Sobre esta questão, Cândido Rangel Dinamarco preleciona:

O fato de o Código Civil haver nominalmente dado a fraude pauliana como a causa de anulabilidade não constitui, só por si, argumento decisivo que impeça diferente colocação das conseqüências desse vício; parte da boa doutrina entende que se trata de ineficácia e isso é parcialmente correto, apesar dos dizeres nominais do Código [...]. É acentuada a tendência, hoje, em considerar ineficaz e não anulável o ato de alienação fraudulenta a credores19.

Assim, sendo o ato fraudulento ineficaz, em caso de expropriação do bem de valor maior do que a dívida, o excedente retorna para o patrimônio do terceiro e, não para o devedor.
Para que o credor tenha essa direito de utilizar o bem adquirido pelo terceiro para garantir a sua dívida, é necessário previamente ir a juízo, por meio de um processo de cognição/conhecimento, a lei não permite que o bem seja desde logo penhorado.

Por muito tempo, doutrinadores e tribunais entendiam que a fraude contra credores podia ser matéria discutida em embargos de terceiros.

Para sanar a celeuma jurídica, o Superior Tribunal de Justiça determinou que a fraude contra credores não pode ser objeto de embargos de terceiros, por meio da Súmula 195. A referida Súmula, do Superior Tribunal de Justiça, dispõe que embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.

Nesse sentido, vejamos a jurisprudência:

EMBARGOS DE TERCEIROS. Fraude contra credores - Ação pauliana - Limites da matéria. Sustentada a ocorrência de fraude contra credores, o meio processual adequado à obtenção de anulação de ato jurídico é a ação pauliana, e não a resposta a embargos de terceiro, que tem por fim, unicamente, afastar a constrição judicial sobre bem de terceiro. Segundo o art. 20, § 4º, do CPC, nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do Juiz, atendidos o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Rejeito a preliminar de ilegitimidade e, no mérito, nego provimento a ambos os apelos20.

Assim, na atualidade o meio cabível de se ingressar em juízo para alegar fraude contra credor é através da ação denominada de ação pauliana ou revocatória, não sendo possível o reconhecimento por outro meio jurídico. É a ação pauliana que coloca o bem (adquirido por terceiro em conluio com o devedor) em condição de responder pela dívida do devedor fraudulento.
Nos dizeres de Yussef Said Cahali:

A pauliana é a ação pela qual os credores impugnam os atos fraudulentos de seu devedor. Desse conceito resulta claro que, sem o pressuposto da existência de um crédito, a pretensão revocatória não se legitima, pois a pauliana representa remédio jurídico específico de tutela do direito de crédito21.

A finalidade da ação pauliana é reconhecer a responsabilidade executiva sobre o bem que fora objeto de fraude. Outrossim, a decisão somente é aproveitada pelo credor proponente, levando em consideração que a sentença não anula ao ato, limita-se a reconhecer a ineficácia perante o autor da ação.

Cândido Rangel Dinamarco, salienta:

Isso não significa dizer que os credores posteriores ou aqueles que não propuserem a ação pauliana fiquem ao total desamparo do sistema jurídico. Se nada lhes sobrar para a penhora resta-lhes promover a falência do devedor ou a sua insolvência civil (CPC, art. 748 ss.), com o que atrairão todo o patrimônio deste a uma dessas execuções universais e coletivas22.

O juízo competente para julgar a ação pauliana, tem prevalecido tanto na doutrina quanto na jurisprudência o entendimento de que o juízo competente para processar e julgar a ação, quando for relativa à imóvel será o da situação do bem, não sendo (apenas contra o ato de disposição) será ajuizada no domicílio do devedor23.

Outro tema divergente na doutrina é quanto à natureza jurídica da sentença proferida pela ação pauliana. No que tange a improcedência da ação é pacífico na doutrina que se trata de uma declaratória negativa. Todavia, quanto à decisão de procedência da ação o tema é polêmico.

Há duas correntes doutrinárias tratando do tema. Para uma primeira corrente, sendo defendida por aqueles que consideram o ato fraudulento anulável, a sentença será constitutiva negativa, estabelecem que há criação de uma nova situação jurídica, pois o negócio entre devedor fraudulento e o terceiro foi desfeito24.

Para a segunda corrente, formada por doutrinadores que defendem que o ato fraudulento é ineficaz, a sentença terá natureza meramente declaratória, pois não há uma situação nova, haja vista, que o negócio fraudulento é mantido entre devedor e terceiro adquirente25.
Distoando desses entendimentos, para Cândido Rangel Dinamarco a decisão de procedência da ação pauliana trata-se de sentença constitutiva-positiva, não meramente declaratória ou constitutiva-negativa.

Dinamarco afirma que sentença de procedência “ela é mais precisamente, uma sentença constitutiva-positiva, porque cria (restabelece) uma situação antes dela inexistente, que é a responsabilidade executiva do bem alienado em fraude ao direito do autor da ação pauliana”26.

Importante destacar, o credor autor da ação pauliana é o único que se beneficia com a decisão. Isso ocorre porque a sentença não anula o ato (entendimento dominante), limita-se a reconhecer a sua ineficácia em relação ao credor autor da ação pauliana. Não anulado o ato, este mantém todos os seus efeitos, exceto o de prejudicar aquele credor.

O autor da ação pede para si a exclusão dos efeitos do negócio fraudulento, não tem legitimidade para ir a juízo em nome de todos os credores. Não há lei prevendo a legitimidade extraordinária, de qualquer credor defender judicialmente o interesse do todos. A lei prevê a legitimidade ordinária.
Já quanto à legitimidade passiva, por algum tempo divergiu a doutrina em ser o devedor ou o terceiro adquirente, parte legítima.

Pois, alguns doutrinadores consideram que o sujeito passivo necessário do juízo pauliano é o devedor. Já há outros como Dinamarco e Planiol, determinam que:

A ação deve necessariamente dirigida contra adquirente ou beneficiário do ato impugnado: o devedor não tem interesse algum no resultado da demanda, porquanto: com a ineficácia do ato decorrente da sentença, permanecem incólumes as relações jurídicas entre ele e o terceiro, não sendo ademais prejudicado o seu patrimônio27.

Nessa seara, afirma Dinamarco:

A legitimidade passiva do devedor e o litisconsórcio necessário entre ele e o adquirente só podem ser sustentados por quem continuar pensando que as fraudes do devedor produzem a anulabilidade do ato e que o resultado da ação pauliana seja uma anulação28.

Todavia, leciona-nos Cahali que a doutrina foi se consolidando no sentido que o devedor e o terceiro adquirente ou beneficiário devem figurar necessariamente no pólo passivo da relação processual revocatória, estabelecendo-se entre eles litisconsórcio necessário29. E, nesse sentido, efetivamente, definiu-se a jurisprudência recente de nossos tribunais.

Se a ação destina-se a anular (CC) ou declarar ineficaz um ato celebrado entre duas pessoas, não tem sentido a ação ser proposta apenas contra uma delas. Ação deverá ser proposta em desfavor do devedor e do terceiro partícipe na fraude, formando-se assim um litisconsórcio necessário. Caso o credor não chame em juízo devedor e adquirente, deve o juiz ordenar a integração da lide de ofício.

Quanto ao momento da propositura da ação pauliana, discute-se a possibilidade dela ser proposta antes que a obrigação se torne exigível, isto é, antes de seu vencimento. Os tribunais vêm entendendo que antes da exigibilidade não há interesse na ação pauliana30.

O fundamento da ação pauliana é o direito de penhor geral que o credor tem sobre os bens do devedor, em virtude da do Princípio da Responsabilidade Patrimonial. Determina tal Princípio que o patrimônio do devedor sujeita-se a garantir a satisfação do débito. É uma ação que além de conservar direitos, caracteriza-se também como um ato preliminar de execução.

Por fim, conclui-se que no mundo jurídico o dever de boa-fé é essencial para manter o equilíbrio nas relações. Sendo a fraude contra credores um instituto que visa impedir propagação de atos fraudulentos, garantindo a pretensão do credor em ver satisfeito o seu crédito. É o ordenamento jurídico criando instrumentos para coibir a má-fé.

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Autor: Eli Dos Santos Ferreira


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