Fraude à execução



Acadêmico do 10º semestre de Direito da Faculdade de Sorriso-Fais-Unic

                                                                       Eli dos Santos Ferreira

FRAUDE À EXECUÇÃO

1. Da Fraude à Execução

A fraude à execução por sua vez é disciplinada pelo Código de Processo Civil, em seu art. 593, tratando-se, portanto, de matéria processual que tem como pressuposto a litispendência. Aqui, os atos fraudulentos do devedor ocorrem na pendência de uma relação processual. O processo é pendente quando já teve seu início, contudo, ainda, não se extinguiu.

Na definição de Cândido Rangel Dinamarco:

A fraude de execução caracteriza-se quando a alienação ou oneração de bens é feita já na pendência de um processo, quer executivo, quer de conhecimento, monitório ou mesmo cautelar, cujo desfecho possa conduzir a imposição de medidas sobre o bem alienado ou gravado (CPC, art. 593)”1.

Desta feita, verifica-se que na fraude à execução o prejuízo verificado com o ato fraudulento não atinge somente os credores, mas também a própria função jurisdicional, que em detrimento da fraude não atinge seu fim, de dar efetiva prestação jurisdicional.

A fraude à execução toma aspectos mais graves quando praticados depois de iniciado o processo. Araken de Assis, nesse sentido, elucida:

Na hipótese de o executado dispor de algum bem na pendência de processo, a fraude adquire expressiva gravidade. Está em jogo, agora, além dos interesses particulares, a própria efetividade da atividade jurisdicional do Estado. O devedor que adota semelhante expediente pratica fraude à execução, recendo seu ato reação mais severa e imediata2.

Nesse consoante, dado a gravidade do ato, considerado atentatório à dignidade da Justiça, o Estado-Juiz busca punir severamente o devedor fraudulento, chegando aplicar multa que pode chegar até 20% do valor da causa. Assim, ensina-nos Daniel Amorim Assumpção Neves:

A fraude à execução trata-se de espécie de ato fraudulento que, além de gerar prejuízo ao credor, atenta contra o próprio Poder Judiciário, dado que tenta levar um processo já instaurado a inutilidade. Assim, o ato fraudulento prejudica por um lado o credor, e por outro a própria função jurisdicional do Estado-Juiz, sendo tal ato considerado atentatório à dignidade da justiça e apenado, nas execuções por quantia certa, com uma multa que pode atingir 20% do valor do débito exeqüendo (arts. 600 e 601 do CPC)3.

A fraude à execução também se caracteriza quando há insolvência criada ou agravada pelo ato do devedor, todavia, nesta caso, na pendência de um processo. Deste modo, dois requisitos tornam a fraude contra o processo executivo: a) a litispendência e a frustração dos meios executórios.

Na fraude à execução, dado a gravidade do ato, é dispensável aprova do elemento subjetivo, isto é, o credor não precisa provar a culpa do devedor no ato fraudulento.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco:

A fraude a execução, em caso de obrigação pecuniária, também só se caracteriza quando há insolvência criada ou agravada pelo ato do devedor, mas, como já pendia um processo em juízo, dispensa-se o concerto de intenções entre o devedor e o terceiro, podendo este desconhecer essa situação – mas é indispensável que saiba ou deva saber da existência do processo; e, como a gravidade do ato é maior porque se resolve em insubmissão à autoridade do juiz, a lei autoriza desde logo a imposição do poder sobre o bem, penhorando-o apreendendo-o etc., sem a necessidade de qualquer sentença destinada a pô-lo sob a mira das medidas executivas4.

A insolvência, no caso de fraude à execução, é presumida, em virtude de já haver uma ação em andamento. Todavia, em relação ao terceiro adquirente, entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ) que há necessidade de saber de este agiu de boa-fé, pois tendo agido, o negócio não será considerado ineficaz.

Os tribunais são pacíficos nesse entendimento:

O entendimento encontra-se consagrado pela Súmula 375, que estabelece que o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente, cabendo ao credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha ciência de que havia a constrição ou demanda contra o vendedor capaz de levá-lo à insolvência5.

Se por um lado o legislador procurou dar total proteção ao credor, ao estabelecer que determinados atos de alienação e oneração podem caracterizar fraude à execução, a jurisprudência tem buscado proteger o terceiro adquirente de boa-fé, quando estabelece requisitos necessários para a caracterização da fraude à execução.

Deste modo, para que o ato seja considerado ineficaz, deve ficar provado que o terceiro adquirente tinha conhecimento da execução em face do devedor, ou seja apresentado razões que demonstrem ser impossível ignorá-la.
O Código de Processo Civil, em seu art. 593 traz três hipóteses que configuram fraude à execução. Assim, vejamos:

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:
I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;
II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;
III - nos demais casos expressos em lei6.

No inciso I, a norma determina que configura fraude à execução quando há alienação ou oneração de bem, por parte do devedor, havendo pendência sobre ele de ação fundada em direito real.

Essa hipótese é verificada na execução específica para entrega de coisa certa, refere-se de modo específico à coisa litigiosa e não ao patrimônio em geral.

No supracitado inciso, verifica-se a ocorrência de duas espécies de atos: alienação e a oneração. Na visão de Dinamarco, “alienar é transferir a titularidade do domínio ou de outros direitos sobre a coisa, especialmente a posse; é fazer, de uma coisa própria, coisa alheia. Aliena-se vendendo, doando, dando em pagamento, cedendo direitos possessórios”7.

Já oneração, na opinião do mesmo doutrinador, vem a ser:

Onerar é gravar em ônus ou encargo, retirando o bem à responsabilidade patrimonial pelas obrigações de quem o onera, ainda que sem a transferência do domínio ou posse; assim são as garantias reais, que, instituindo direitos de preferência em favor do beneficiário, têm como efeito esse resultado8.

No inciso do art. 593 do Código de Processo verifica-se a hipótese em que o devedor aliena ou onera seus bens trazendo-lhe uma enorme redução patrimonial, ao tempo que corre contra ele uma demanda, e em razão da sua insolvência não terá como pagar a dívida que esta sendo executada.

Importante destacar, a demanda de que trata o dispositivo não vem a ser exclusivamente de execução, o ato de fraude à execução pode ocorrer na constância do processo de cognição/conhecimento ou mesmo cautelar. Todavia, o reconhecimento da fraude só pode se dar no processo de execução.

Nesse consoante, segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, “[...] o reconhecimento da fraude à execução terá caráter declaratório, com eficácia ex tunc (desde o momento em que a fraude ocorreu)”9. Conclui, assim, que os efeitos da fraude à execução retroagem desde a realização do ato fraudulento pelo devedor.

Para que a fraude à execução configure ato considerado atentatório à dignidade da justiça é necessária a comprovação de que o devedor tinha conhecimento da existência de ação judicial capaz de levá-lo a insolvência. Deve haver inequívoca ciência do demandado acerca da ação judicial. O ato que irá ensejar essa certeza ou não é a citação. A citação válida caracteriza o conhecimento do fraudador.

A propósito, em caso de fraude antes da citação válida da ação judicial que possa levá-lo a insolvência a depender da dilapidação patrimonial, estaremos tratando em regra de fraude contra credores. O momento processual é o divisor d’água entre essas duas espécies de fraude. A fraude contra credores encontra-se num plano material e fraude à execução num plano processual.

Todavia, na prática, admite nossos tribunais a possibilidade do credor provar que mesmo não existindo a citação válida, o demandado já tinha conhecimento da existência da ação. Desde que a provas sejam contundentes10.

O inciso III, do art. 593, do Código de Processo Civil, por sua vez, não elenca especificamente outra hipótese de fraude à execução, trata-se na verdade de norma geral que estabelece à possibilidade que outras situações previstas em lei venham configurar a fraude, denotando, assim, que não há limitação das hipóteses possíveis de fraude a execução.

Araken de Assis dispõe que como exemplo de fraudes disposto em outros dispositivos, podemos citar: o art. 4º, caput, da Lei 8.009/1990; art. 185 do Código Tributário Nacional (fraude na execução fiscal); art. 615-A do Código de Processo, fraude após a averbação do ajuizamento da ação – tema objeto de nosso estudo, que veremos no capítulo a seguir de forma aprofundada11.

É importante destacar a fraude trazida pela regra do art. 4º, caput, da Lei nº 8.009/1990. Segundo reza o dispositivo, no que tange a impenhorabilidade do bem familiar “não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga”12.

Neste caso, ocorrida à fraude, no âmbito do processo executivo, o juiz poderá: a) fazer a transferência de impenhorabilidade para moradia familiar anterior; b) anular-lhe a venda13. A impenhorabilidade de bem familiar deve recair sempre sobre imóvel menos valioso.

Reportamo-nos a Yussef Said Cahali, que assim sintetiza:

Depreende-se, como pressuposto comum de todos os casos de fraude de execução, que, ao tempo de sua prática, se tenha iniciado o processo condenatório ou executório contra o devedor: a alienação, ou o gravame, destina-se a fraudar a execução iniciada, ou em perspectiva de o ser pela existência de uma ação em juízo14.

Distoando da celeuma jurídica instalada na fraude contra credores, no que tange a natureza do vício, na fraude à execução a doutrina é pacífica, defendendo que o ato fraudento é válido, entretanto ineficaz perante o credor, ou seja, não lhe é oponível.

Segundo Araken de Assis o ato fraudulento existe e vale entre os figurantes do negócio jurídico, “mas é “como se” não existisse perante o credor, que poderá ignorá-lo, penhorando, desde logo, o bem fictamente “presente” no patrimônio do obrigado. Por isso, o juiz declarar a fraude, incidentalmente nos próprios autos da execução”15.

Nesse instituto jurídico, para tornar ineficaz o ato fraudulento, não há a necessidade de que o credor ingresse com ação judicial, basta que o credor junte ao processo de execução pendente, uma simples petição requerendo ao juiz que reconheça a fraude.

O ato praticado em fraude à execução dispensa o ajuizamento da ação pauliana para que possa ser assim reconhecido; a declaração de sua ineficácia pode ser feita no âmbito dos embargos de terceiro ou na própria execução objeto do processo principal; e se faz até mesmo de ofício16. A fraude a execução é declarada por sentença.

Isto porque, não se trata de um processo autônomo, o pedido do credor ao juiz para declarar fraudulento o negócio não introduz causa nova.

Segundo Cândido Rangel Dinamarco “a efetiva incidência da responsabilidade patrimonial sobre os bens que houverem sido objeto de fraude de execução é automática e imediata, não dependendo de prévia sentença que autorize a constrição executiva do bem [...]”17.

No caso do adquirente ou o beneficiário do ato, pretender negar a fraude de execução ou furtar-se às suas conseqüências, este poderá se valer dos embargos de terceiro.

Leciona-nos Yussef Said Cahali que “reconhecida a fraude a execução, a ineficácia da alienação atinge, em conseqüência, as sucessivas ou posteriores transferências do imóvel”18. Outrossim, a decisão que reconhece a fraude à execução somente beneficia o credor do processo.

Por fim, fraude à execução visa preservar o acervo patrimonial do devedor, para que esta possa responder pelo débito, cobrado na ação pendente. Ao final, a excussão dos bens do devedor para satisfação do crédito.

REFERÊNCIAS

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Autor: Eli Dos Santos Ferreira


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