Análise acerca da violação de princípios constitucionais no Tribunal do Júri



O presente artigo tem como tema central, discutir acerca do procedimento do Tribunal do Júri, sobretudo no que diz respeito ao processo de formação da sentença, a partir do Conselho de Sentença. Analisa-se criticamente a aplicação do princípio da íntima convicção, e questiona-se até que ponto esse sistema principiológico viola princípios inerentes ao processo penal, tais como o da liberdade, ampla defesa e o das decisões motivadas.

O Tribunal do Júri, de acordo com o art. 447 do Código de Processo Penal, se compõe de um Juiz togado (que é seu Presidente), por 25 jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.

Trata-se de órgão julgador colegiado e não monocrático (pois as decisões não são tomadas por uma pessoa só) e heterogêneo (composto por juiz de carreira e pelos jurados). Aos jurados caberá a apreciação do fato e ao juiz togado a aplicação do Direito.

O objetivo deste Órgão é trazer a participação popular direta na administração da Justiça Criminal- por meio de órgãos julgadores colegiados heterogêneos-, e é considerado um órgão especial da Justiça Comum, sendo integrante do Poder Judiciário.

Dessa forma, o Tribunal do Júri é a composição de um juiz togado presidente e o conjunto de jurados leigos, escolhidos entre os populares, que decidirão pela condenação ou absolvição do acusado, baseados nos fatos que lhes serão apresentados de acordo com o procedimento a ser seguido conforme estabelecido na Lei.

No que diz respeito à Competência, são destinados ao julgamento pelo Tribunal do Júri, os crimes dolosos contra a vida consumados ou tentados, conforme previsto no Código de Processo Penal.

Feita esta breve introdução acerca do Procedimento do Tribunal do Júri, objetiva-se nesse momento entender como a aplicação desse procedimento pode representar violação de princípios básicos inerentes ao Processo Penal, sobretudo no tocante ao julgamento do réu, que será condenado ou absolvido a partir de uma análise dos jurados que, sem que necessitem de fundamentar a decisão, e baseados no princípio da íntima convicção, decidem “sobre a existência da imputação, para concluir se houve fato punível, se o acusado é seu autor e se ocorreram circunstâncias justificativas do crime ou de isenção de pena, agravantes ou minorantes da responsabilidade daquele.”¹.

Discorrendo acerca do princípio da íntima convicção, observa Pedro Henrique Demercian que: “No julgamento dos crimes dolosos contra a vida, vige o princípio da íntima convicção. Os jurados não fundamentam as razões de sua decisão. Respondem aos quesitos de forma objetiva, simples e assertiva escolhendo as cédulas com as inscrições “sim” ou “não”.

Ora, claramente, há de se observar, que a aplicação do princípio da íntima convicção entra em confronto com o princípio da liberdade, ampla defesa e da decisão motivada. Os jurados não fundamentam suas decisões e julgam conforme o senso que possuem, colocando a liberdade do réu a mercê de mera convicção dos jurados. Ainda, deve-se lembrar que os debates no Tribunal do Júri abrem ampla possibilidade de manipulação do convencimento dos jurados com a utilização de técnicas de persuasão e artifícios dialéticos, e a falta de conhecimento dos jurados no que diz respeito à norma técnica-jurídica enfraquece ou prejudica a realidade dos fatos no procedimento do Tribunal do Júri, possibilitando erros no julgamento. Tratando-se da liberdade do individuo, princípio constitucional, entende-se que essas margens de risco são muito amplas e abrem a possibilidade de erro em um momento crucial, momento em que o erro deve ser evitado a qualquer custo.

O princípio da ampla defesa encontra-se no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, sendo portanto cláusula pétrea, devendo ser aplicado nos procedimentos jurisdicionais. Trata-se de uma liberdade inerente ao indivíduo, no âmbito do Estado Democrático de Direito, de defender-se, alegar fatos e propor provas. Nesse sentido, entende José Afonso da Silva que: “o princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas”³. Nesse sentido, demonstra-se claro que tal princípio deve ser aplicado no procedimento penal, inclusive no Tribunal do Júri. Nesse momento, é importante verificar que o Processo penal tem como fim a regulação da jurisdição, observando a ampla defesa para evitar julgamentos parciais e o arbítrio, buscando-se a aplicação da justiça. E, a sentença representa o espelho dos direitos controvertidos, sendo que na fundamentação da decisão o juiz expõe o conteúdo que fora processado. Entretanto, no Tribunal do Júri, nem a acusação técnica coerente, nem uma defesa eficaz, serão necessários para que se alcance aquilo que se poderia chamar de o julgamento lógico, ou efetivamente justo a partir da análise dos fatos, já que ao final o corpo dos jurados não está obrigado a permanecer ligado aos autos ou à lógica, podendo decidir a partir da íntima convicção. Nesse sentido, a íntima convicção dos jurados se contrapõe à ampla defesa, já que as provas apresentadas e os fatos narrados, não serão necessariamente observados. O julgamento a partir da íntima convicção possibilita que se julgue sem se ater à atividade processual das partes.

Ainda, deve-se lembrar que não há que se falar em motivação das decisões dos jurados no Tribunal do Júri. A respeito, Candido Rangel Dinamarco entende que: “ Outro importante princípio, é o da necessária motivação das decisões judiciárias. Salienta-se para a função política da motivação das decisões, que tem a finalidade de aferir-se em concreto a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões”4.

Ora, tratando-se de motivação das decisões é explícito a carência de aplicação desse princípio no procedimento, o que viola os direitos individuais, já que é o indivíduo, ao sofre o ius puniendi estatal, deve saber as razões de sua condenação.

Demonstrado, portanto, que o procedimento do Tribunal do Júri, sobretudo no que diz respeito à forma de elaboração da sentença, viola princípios constitucionais, o que se propõe é que Conselho de Sentença, formado pelos jurados, tenha menor poder de decisão, preservando-se a liberdade, a ampla defesa e a decisão motivada. Deve-se entender que o princípio da íntima convicção não deve se sobrepor aos demais princípios, sobretudo em um momento altamente delicado, em que se discute a liberdade do indivíduo. Nesse momento é obrigação do Estado buscar pela verdade real, eliminando a possibilidade de erro dentro de seu alcance. É importante que seja um julgamento baseado no contraditório, na análise dos fatos e provas, sem que a íntima convicção encontre importância que chegue a superar a manifestação das partes e a produção de convencimento racional no procedimento.

 

Referências Bibliográficas:

 

¹ DEMERCIAN, Pedro Henrique. Curso de Processo Penal. 6ª Edição, 2010, São Paulo.

 

² DEMERCIAN, Pedro Henrique. Curso de Processo Penal. 6ª Edição, Editora Forense, 2010, São Paulo.

 

³ SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10.ª Edição. Editora Malheiros, São Paulo

 

4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 25ª Edição, Editora Malheiros, 2009, São Paulo.

 

5 Constituição Federal de 1988.

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Autor: Hugo Bridges Albergaria


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