Semana entre duas mortes



Minhas novidades: - Assumi um Armazém de Produtos Coloniais de um amigo.
Local que antes levava meus cavalos para alugar para os seus clientes.
É um local maravilhoso, chalés, quiosques no meio das árvores em um enorme
área gramada, bangalô, horta, relicário, viveiro. O espaço toca o sentimento das pessoas. Por isso assumi o local, pois tem a haver com a proposta projeto de uma rede dos sistema Xaus! (significa coração na língua mana africana).

Há duas colaboradoras: Dona Eva, a cozinheira e sua neta Amanda, ajudante, além de monitores paras as cavalgadas. Alguns animais, como as éguas: Morgana Sforziana, Rainha de Sabá, Gazela, Bride, Branca de Neve, Yuma, Yama; e os cavalos: Dalmation, Diamante Negro, Gold Caramelo, Wero, Peregrino e uma meia dúzia de pones. Juntos formam um brocado colorido. Galos e galinhas de diferentes raças, uma gata e uma cachorra negra.

Após assumir levei da chácara o meu Golden Retriever, cachorro de origem inglesa, de cor bege, peludo como urso polar. Ele sempre me acompanhava nas cavalgadas, pois nada dá mais felicidade a um cachorro que caminhar do lado de seu dono montado num cavalo. Era tão lindo e elegante com aquela pelugem que quando eu pensava estar impressionando em cavalgadas com um de meus cavalos ou éguas, era sempre ele o destaque. Mesmo aqueles que não gostavam de cachorros pediam para eu conseguir dele uma cria, mas foi ele sem deixar nenhuma. Agora, se eu quiser um filhote parecido com ele terei que desembolsar uns 1200 reais. E lembrar que foi ele quem me achou. Ele apareceu do nada na chácara, que chamo de meu vale profundo, por duas vezes. Na primeira havia pensado não estar preparado para ser seu dono. Meses depois ele aparece novamente na chácara. Desta vez, não sei se pelo meu estado de alma naquele momento, eu não só achei que poderia ser seu dono como considerei místico aquele nosso reencontro e por isso o batizei de Xamã. Ele, às vezes, montava na garupa do cavalo Gold Caramelo e ficava lá estendido como morto. Inusitado como sua aparição foi o seu primeiro salto na garupa do cavalo Gold Caramelo quando minha melhor monitora mirim, a Deivelize Monique, 12 anos de tanta habilidade que até criei expectativa de ser ela uma jockey em saltos de barreira na égua Rainha de Sabá, uma inglesa com quarto de milha. Ele lá estendido levava a todos perguntarem: “-morreu ou está só machucado?”

De uma hora para outra, este meu Xamã enfraqueceu e faleceu. Algo estranho acontecia com ele, saia sangue pelos poros do nariz quando ele chegava ao Armazém. Deixava-o na chácara ele melhorava um pouco. Voltava ao Armazém piorava de novo. Resolvi, então, deixá-lo em definitivo na chácara, apesar de não poder estar por perto para cuidar dele, já que chego apenas para dormir e saio cedo. Descobri numa manhã de quinta uma bicheira na pata traseira e no ombro. Fui para o Armazém sem tratar dele, pois não tinha mata bicheiras naquele momento. À noite quando voltei ele já não estava em casa. E também não pareceu pela manhã. No sábado procurei de leste a oeste passando pelo norte e não tive sucesso. Só o achei no dia seguinte, no domingo no lado sul, no meio do mato, perto do córrego, um pouco além de minha horta yoko (método agrícola que trabalha além da técnica orgânica, a luz positivo pela imposição da mão, a atitude interna do agricultor e a força espiritual da palavra - kototama) abandonada, antes da capoeira fechada em um pé de morro idêntico ao da margem esquerda da estrada que vai para o “gramagou”, lá na fazenda Moura, onde eu e a Tânia Cristina fomos, depois de eu pular na garupa do cavalo que ela montava. Tentamos iludir a todos que vomos beber água na fonte há quase trinta atrás. Só o descobri porque decidi ver as mandiocas recém brotadas depois das geadas fortes que queimaram tudo no inverno passado. Ao tentar tirar umas mandiocas, sem arrancar os pés, para levar à cozinheira do Armazém para um teste em uma delícia especial da casa – escondidinho feito de patê mandioca, charque desfiado, tomate, cebola e requeijão. Nesta árdua tarefa ouvi seus gemidos. Segui sua batida no mato até chegar até ele. Foi assombrosa aquela visão, mana! Estava impregnado de bicheira, por toda parte de seu corpo havia aqueles bichos rabugentos numa ansiedade atroz para devorá-lo. Havia bicho até nas gengivas. Transmiti a Luz Divina e corri para pegar o spray de mata bicheiras. Evaporei por todos os lugares. Dei água. Ofereci comida, a melhor razão do Sans Club, caldo, pelancas e ossos de sobras de frango caipira usado para outra delícia da casa - o empadão. Mas ele não pôde comer, pois sua gengiva também estava tomada; eu enviava comida na boca e ele empurrava com língua para fora. Esquelético. Não conseguia parar em pé. Corri até o ancião mais antigo da região, um vizinho amigo para pegar criolina. Aquele remédio que espanta pelo fedor qualquer coisa ruim, pois nada mais fede como aquilo. Já não acreditava mais em mata bicheiras para tanto bicho. Quando retornei, uns dez minutos depois ele já e s t a v a  m o r t o.

E hoje, ainda abalado quando cheguei para o omaire (sintonia com Deus Su) final recebo outra notícia de morte, uma anciã japonesa do dojõ, minha amiga e confidente, professora aposentada, consultora em numerologia que com meu nome, data e local de nascimento fez um estudo um tanto interessante. Fez também da Andrea Woislaw (uma das dozes minhas almas gêmeas). Passou o resultado dela por telefone e convidou-me para entregar o meu pessoalmente em seu apartamento, pois disse ter encontrado combinações numéricas raras no seu abracadabra de números, um em mil. Sua consulta foi muito reveladora.

Curioso foi minha decisão de consultá-la novamente depois de todos esses anos no inicio da semana em que ela fez sua passagem. Havia separado e relido o material dela e de outra astróloga que a Denise Castellano me presenteou. Deixei-o na cabeceira da cama, junto com uma pequena agenda, presente desta amiga para eu jamais perder os números de telefone nas agendas eletrônicas dos celulares perdidos.

A causa morte foi um aneurisma abdominal. Ela havia descoberto este a mais de dez anos. Sem entusiasmo por cirurgias e sem garantia dos médicos desta onerosa evasão em seu corpo espiritual intacto, optou pela não intervenção cirúrgica.

Mana, a ficha não caiu, eu estou duplamente chocado. Antes de absorver o sacrifício do meu cachorro Xamã, perco aquela que poderia ouvir sobre ele e de sobra ajudar-me entender a mim mesmo. Mas nada melhor que um dia após o outro, não é mesmo? Desde que não se esqueça da devoção sincera a Deus em nenhum deles.

Gde abraço, Paulo

No ultimo email comecei sem muita pretensão, mas a escrita tornou-se fluida e segui no puro prazer de narrar, que é talvez a atividade humana que mais se parece à levitação, como disse Gabriel García Márquez. Então, irei continuar sobre os eventos da semana começada com morte e terminada com o mesmo infortúnio. Irei iniciar uma série de descrições dos eventos acontecidos no meio desses já revelados.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Começo com um não menos impactante, pelo menos para este frágil espírito que escreve - a Juliana foi transferida para Belém do Pará e eu fiquei a ver navios, apesar de ela ter embarcado de avião. Como ensaiei apresentar-me a ela. Ela só me conhecia através de meus relatos de agradecimento de proteção e de meus recatados elogios depois de suas performances sublimes em gohoshi no dojõ. E agora o que faço? Fico sem saber se as perturbações que ela causava-me eram correspondidas em seu intimo ou me apresento, no calor do norte, a ela com o risco de descobrir ser pura ilusão de minha mente? Quer infortúnio maior? Só ele bastava a esta semana. Só que teve os já revelados e os ainda outros por revelar. Mas irei continuar a falar mais sobre este, pois sei que as mulheres gostam mais destes assuntos do coração. Ainda mais se contado por um homem, mesmo sendo este irmão. Deve ser intrigante às mulheres, já que nossa ótica sobre este assunto difere em muito da visão feminina. Começo, então com um mistério, um sonho e o personagem principal neste sonho era ela. Não a Juliana Bernardi Cordeiro de hoje, mas talvez a essência dela em outra vestimenta, em outra cor, mas com a mesma imponência, o mesmo trejeito, a mesma elegância. Os cenários eram diferentes de qualquer coisa conhecida nesta vida. Neste meu sonho ela se impôs pela sedução e agora, ela se impõe pela devoção. Não a mim, mas a Deus.

Se este sonho refere a uma vida regressa, ou seja, o passado, que lá fique ele então. Se ela é uma entre minhas doze almas gêmeas ainda há outras para conhecer. Mas preciso mesmo é encontrar minha alma consorte, única, pois  fomos divididos de uma mesma essência original. Ah! Quem sabe poderia ser ela, mas agora está tão longe, em Belém é quase no além. Passa-se uma semana e eu sonho com ela mais uma vez, este mais inocente que o primeiro. Calçava as sandálias e saia pisando sobre as tiras e eu abaixava e tocava em seus pés para tirar as tiras e amarrá-las em seus tornozelos brancos como neve.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Na segunda-feira pós morte do cachorro Chamã fiquei plantando na Delegacia esperando para ser ouvido em uma audiência. O escrivão atendeu-me às 16 horas e eu estava lá a esperar desde as 10h30min pronto para um dos grandes momentos de coragem de minha vida. Praticamente não dormi na noite anterior preparando uma peça para minha defesa. Só que a tal audiência não era na segunda e sim na terça. Apresentei-me sem perceber estar antecipado em 24 horas e devido ao tumulto em uma Delegacia na segunda por causa do acúmulo de BOs do fim de semana o escrivão também não percebeu ou não teve o cuidado ou tempo de checar na agenda, mesmo considerando estranho, pois normalmente nunca marca audiência na segunda devido ao tumultuado expediente deste dia. Assim a esperar, presenciei os infortúnios de muitos e confirmei a desconfiança que tinha da limitada capacidade desta
instituição e do sistema em manter a ordem social. Quer presenciar horror e atrocidade vá a uma Delegacia na segunda-feira. Eu pude ver mãe de menos de trinta anos desesperada aguardando audiência de um filho preso junto com outras quatro de idade entre 12 a 14 anos. Estavam eles algemados e acorrentados caminhando em direção ao camburão para ser levados à vara criminal do fórum de Curitiba. O que mais me apavorou foi não ver pavor em seus olhos. Qualquer um teria pavor quanto mais uma criança. Naquele momento não sobrou esperança em mim. A mãe com outra filha de 13 anos lamentava aquela situação. Ela não sabia até em torno das duas da tarde a causa daquela prisão. Neste período contara-me sua luta diária com cinco filhos e um marido de pouco mais de 30 anos alcoólico e, já quase morrendo numa casa por causa da abstinência. Depois de ser recebida pelo escrivão voltou aos prantos. Disseram a ela que o filho tinha ficha de mais de metro com roubos e assaltos. Ela nada entendia, pois ele nunca aparecera com nada em casa.

Vi também chegar velhinha de mais de noventa anos, quase que carregada para um interrogatório, pois havia denúncia de espoliação de seus bens pelos parentes cuidadores e remanescentes na casa de onde todos se originaram.

Vi quase uma dezena de mulheres esperando para depor sobre um tarado em série e outros casos menores que não merece descrição. Ah! Este tarado eu consegui ouvir policiais espancando-o por ele insistir em insinuar a toda mulher que passasse pelo seu campo visual. Não se importava quem fosse. Até mesmo as policiais em serviço interno. Esse era mesmo um degenerado, pois mesmo algemado e preso num canto ainda não se continha.

Saí deste lugar tenebroso, meio atordoado, mais ou menos às quatro da tarde. Ao aproximar do meu carro, procuro as chaves e não as encontro. Percebo o carro destrancado ao chegar e não encontrava as chaves. Procurei a chave por todo lugar. Indaguei na oficina da quadra em frente se havia um chaveiro para atender à minha emergência. Informou-me ele que a chave havia sido esquecida na porta e que o policial a recolhera. Voltando à Delegacia para descobrir quem recolhera as chaves um investigador interrompeu-me e informou-me haver recolhido o cabo e a fonte do notebook para que ninguém roubasse. Informou-me também que havia pensado ser um carro roubado. Já sem tanto assombro pela ousadia dos bandidos em deixar na frente da Delegacia. Havia até pegado a placa para consultar. Errou um dos números e a sua consulta constava carro roubado.

Ouvi alguns deles perguntarem de quem era o palio estacionado. Não dei atenção, pois pensava tratar de retirada de veiculo mal estacionado que não era o caso do meu carro. O turbilhão de novidades ali dentro, talvez, fosse mais interessante a mim do que preocupação com carro lá fora.

Havia verificado estar todos os meus pertences (maleta enorme cheia de coisas, notebook, blazer, blusa, tênis e etc)  peguei as chaves na sala do investigador e fui para o Armazém fechar o caixa do dia. Tranqüilo e até feliz por ter mais uma noite para refinar a minha peça de defesa para o dia seguinte. 

Semana “entre duas mortes” - continuação

No dia seguinte, terça-feira, estava eu de volta para cumprir ao que foi a mim intimado. Levei o livro Goseiguen para ler pensando ter muito que esperar. Na extremidade outra estava o casal e outro senhor que haviam solicitado a intimação. Já na sala sem muito atraso o escrivão saiu e pediu para nos entender sem ele. Fale i com a firmeza do João Machado Diniz: “é inusitado para mim esta situação, pois antes sempre estive do outro lado, agora estou aqui pela primeira fez e venho preparado para a máxima punição possível, desde que façam o enquadramento certo e que chame os especialistas. Eles ficaram atordoados, arrependidos por me intimar.  Percebi na mão tremula do marido da vizinha ao me presentear com uma bala doce. Mas não tinha como recuar. O senhor Tancredo falou em invasão. Eu respondi: “cuidado com a palavra que senhor está usando. De invasão cabe ordem de despejo. Como vai despejar pegadas e estrume de cavalo. O escrivão retornou, perguntou sobre o que acordaram. Eles disseram que estava tudo bem, pediram autorização para eu tirar os arames ou autorizasse para eles mesmos tirarem por conta e risco deles. Autorizei e disse: “-então está tudo resolvido”. O escrivão não fez registro algum, mas disse que tinha o nome e endereço de todos. A senhora proprietária e ex-professora aposentada tocou no assunto novamente e eu enfaticamente disse: “-não está tudo resolvido senhora. O seu sobrinho médico entendeu com dois pares de conversa a motivação do projeto e a senhora, simplesmente insistiu por este caminho”. Entreguei uma copia para cada um deles da peça de defesa que havia escrito, mas não entreguei ao escrivão. Acredito que eles pensam que o Delegado tem uma copia. Disse a eles não interessar nos arames e o investimento era pouco pela satisfação de tirar meninos da rua de idade dos que vi ontem aqui presos e acorrentados. Ela ofereceu uma área para eu colocar os cavalos e eu respondi que lá não pisaria mais.

DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL - DISTRITO POLICIAL DO ALTO MARACANÃ – COLOMBO

DOUTOR DELEGADO GUILHERME M. W. FAGUNTES – DELEGADO DE POLÍCIA

B. O. 2012/37689

Eu, Paulo Rabelo Guimarães, identificado na intimação, sou arrendatário do Armazém Bom Garoto, também identificado na mesma, venho respeitosamente antecipar meus esclarecimentos, mesmo sem saber o motivo de tal chamamento.

Cavalos de minha propriedade foram sim, inicialmente, amarrados em fios elétricos ao longo de uma estrada antiga (já tomada por mato) que liga a Estrada da Ribeira a uma Estrada vicinal paralela logo abaixo, cruzando uma mata virgem. Serviços executados por jovens do Monte Castelo que alugavam meus cavalos e monitoravam as montarias para os clientes do Armazém citado acima. Os arames foram estendidos e fixados nas árvores da margem direita destas estradas. Assim, os cavalos só poderiam comer e amassar o mato da estrada e não invadir o reflorestamento à sua direita. Uma forma simples para limpar a estrada sem usar nenhuma ferramenta. A mesma técnica foi usada para limpar no entorno da propriedade da Chácara Bom Garoto, pois o abandono dos vizinhos leva o mato a destruir cercas e telhados.

Posteriormente, para arrumar alguma ocupação a eles durante a semana já que as cavalgadas acontecem mais nos fins de semana e como a “ociosidade corrompe a alma” ofereci, além dos meus cavalos para alugarem, mais cem reais de bolsa estudantil, café da manhã, almoço e lanche da tarde para serem os Guardiões Mirins da Mata Florestal da região (ou Os Piratas da Floresta sugerida por um). Sustentaria a minha parte se estudassem e mantivessem um bom escore de no máximo três vermelhos no boletim. Era uma tentativa de incentivo ao estudo e ao aprendizado de sustentabilidade.Informei-os que tinha patrocinadores para os arames se eles animassem em fechar toda a mata. Incentivados com esta causa nobre fizeram este trabalho extraordinário: mais de 800 metros de fios foram estendidos e fixados nas árvores sem derrubá-las (nenhum moirão foi enterrado), ou seja, deram uma lição aos adultos que derrubam árvores para depois usarem em cercarias.

Num deslocamento de volta aos seus lares, um deles, assim como num repente cantou: “Somos da Mata Florestal que Virgem Também / Queremos o seu bem estar / Na trilha pegadas deixamos / No rio correntezas vencemos / No asfalto com pedaladas movemos / Para os carros pedágios queremos”. E autor é um garoto semi-analfabeto de apenas 12 anos com provável ficha policial se é que criança pode ser fichada.

A mata lá é sombria, mas o caso aqui parece obscuro. Como despejar pegadas e estrume de cavalos lá deixados. A árvore regenera sobre o arame que lhe foi grampeada. Tirá-lo é tarefa quase impossível.

Quem sabe as farpas dos arames tirem a letargia destes vizinhos, dá um Opa no litígio familiar, pois o domínio não prevalece sem a pose. E área abandonada está sempre a mercê de um aventureiro qualquer. Prova disto, são os varões de bracatinga lá deixados por algum deles.

A gente circulando por lá a cavalo, limpando as trilhas evitou a para estes vizinhos que os mandam intimar-me o prejuízo destes varões.

Doutor Delegado, como consultor incomoda-me os maus cultivadores. Mas lá não há nem mal, nem bom. Há apenas abandono.

É a primeira vez que sou intimado a fazer esclarecimentos de minhas ações a um Departamento Policial (a parte mais efetiva da justiça). Vejo esta função dos senhores como um raio de luz de todo o arcabouço jurídico.

Se descumpri a Lei mereço ser punido e não precisam aliviar a pena, pois quando “homens bons descumprem as leis injustas abrem a porta para que os homens maus descumprem as leis justas’’. Falta para isso, no entanto, o enquadramento correto, pois se não fizerem estarão cometendo injustiça não só a este intimado como em usar o Departamento de Polícia tão essencial na contenção da desordem social.

Semana “entre duas mortes” - continuação

No dia seguinte perto das 8 horas da noite, ainda com a insistência do sol noite adentro nestes meses de verão, saí muito apressado para cumprir minha meta no dojõ: um programa de 21 dias de esforço extra em gratidão ao Grão-Mestre. Fiz o caixa, tranquei a porta da frente, fechei todas as cortinas sem deixar uma fresta se quer e sai pela porta dos fundos. Pus um litro de razão no pote para cachorra (esta uma cão de guarda, raça Rotiwaler com uma boa mistura de vira-lata que espero não fique dócil no meu convívio como ficou o falecido xamã) e fui soltá-la do canil. Voltei à porta do fundo e a tranquei. Quando ia saindo pelo portão grande que estava destrancado para quando o morador do apartamento sobre o armazém chegasse poder ele guardar o carro. Ao passar pela roda da fortuna (é apenas uma roda velha de carroça que coloquei suspensa, onde antes era um quiosque de palha. Nela pendurei tecidos coloridos importado do Equador que comprei na véspera dos dias das mães do ano passado para presentear a toda mulher importante da minha vida, como irmãs e minha querida mamãe. Só que não fui mais a Vazante e, portanto não foram entregues. Hoje servem a um colorido a mais no jardim. Brinco com os clientes que depois que montei a roda da fortuna começou a nascer pelo de ouro no meu cavalo diamante negro e eu entrei em crise, pois não sei vendo o pelo ou o cavalo numa parodia da galinha dos ovos de ouro) recebi uma ordem de assalto por um individuo de mais ou menos 20 anos, cor branca, blusa azul com capuz. Ele parecia mais atordoado que eu. Só que ele quase desesperou quando a cachorra insinuava ataques constantes. Gritava: “-Vou matá-la” e armava uma possível arma.  Eu lhe falava calmamente: “-não conheço esta cachorra, não sei o seu nome”. Ele gritava: “-cadê o dinheiro, abre a porta”. Eu respondia: “-não tenho dinheiro, não tenho a chave, vim apenas pegar o mata-bicheira” e mostrava a ele o remédio no bolso da blusa de couro. Foi ele até a porta de vidro da frente e encontrou-a trancada, voltou até mim para apalpar os meus bolsos. Pegou a carteira do bolso esquerdo onde só há papeis com meus insigts. Jogou-a no chão. Pegou a chave do pálio que estava lá fora do lado do supermini e perguntou: “-a chave é daquele carro?” Eu disse que sim e agachei tranquilamente para juntar os papéis e colocar de volta na carteira e no bolso. Pediu para abrir o portão pequeno e eu disse que não tinha a chave, mas o informei que o portão grande estava destrancado. Ele saiu com as chaves e fechei o portão atrás dele e fiquei junto com a cachorra que tanto o assustara. Destrancou a porta do palio, entrou e deu a partida, mas logo gritou: “-como passa ré nesse carro?” Eu disse: “- eu ajudo”. Ele desceu do carro para eu entrar. Fechei a porta, tranquei e me mandei. Ele começou a correr atrás de mim, logo deu meia-volta e saiu correndo pelo asfalto. Decidi retornar e mandar encima dele, mas ele fugiu mata adentro. Vi o meu notebook no meu lado encima do banco do passageiro. Retomei a direção que estava, parei no vizinho em frente que trabalha no Detran. Pedi para ligar à polícia, pois o meu telefone estava carregador lá dentro no Armazém. Informaram-me que no 190 só dava sinal de ocupado. Pedi que continuasse insistindo, enquanto eu iria diretamente ao posto policial da cidade de Colombo. Mas resolvi  ir diretamente ao dojõ para cumprir meu programa de 21 dias. Cheguei antes do omaire final, recebi o okiyome  e fiz o agradecimento de proteção. Na volta passei na Delegacia para eles darem um flagrante no bandido, pois daquela mata ele não tinha como sair a não ser voltar à rodovia e ainda havia iniciado uma chuva torrencial, assim que ele engendrou pela mata. Não consegui a tal diligência. E assim terminou minha noite.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Na noite seguinte sonhei com minha mãe descendo a escada da cozinha com um vestido florido e tomei a firme decisão de visitá-la em breve. Propus, então, ao fornecedor de salaminho defumado arrendar o Armazém. Assim, a banca nunca iria quebrar por falta de salame e eu, ainda poderia tirar umas férias. Ele topou a principio, mas depois desistiu.

Semana “entre duas mortes” - continuação

No dia seguinte cumpri meus primeiros expedientes do dia: fechar a cachorra no canil, oferecer uma regrada razão à égua Morgana (um coquetel de razão eqüina, farelo de trigo, aveia e monte de quirela tomada das galinhas), e um pote também regrado de quirela ou razão poedeira para as galinhas. Às vezes circulo pelo enorme galinheiro (484 metros quadrados de formato triangular) para colher ovos. Ultimamente o ovo está custando-me 10 reais, não a dúzia e sim a unidade. Elas devem ter cansado do sacrifício de botar ovos ou estão em greve como os policiais, motorista e cobradores de ônibus em reclamação ao regrado ordenado. Quando passo pelo poleiro, coberto pelas telhas que sobraram da cobertura do chalé do Armazém construído há sete anos, deparo-me com assombro com o galo Bhama Canadense pendurado pelo bico em um prego 18x21.  Ele totalmente imóvel pensei estar morto. Foi a gota d’água para o meu corpo ficar em pavor do cabelo às unhas do pé. Já estava acumulado de pavor com a morte do cachorro Xamã e agora mais essa. Pensei ser trabalho de feitiçaria. Mas com o nosso próprio Galo era muita ousadia. Como pode entrar para fazer o serviço sem a cachorra fazer alarde algum. Neste estado de pavor não quis nem entrar no poleiro antes de mostrar a uma testemunha qualquer a tamanha barbaridade.  Segui em direção a outro portão. Ao invés de sair resolvi voltar pelo portão que havia entrado para mais uma olhadela. Desta fez vi-o balançar, como não ventava, deduzi ser um suspiro de vida. Entrei e peguei-o nos braços e logo ele começou a comer um monte quirela e depois saiu meio que cambaleando atrás das galinhas, estas ciscando sem nenhum assombro. Graças a Deus foi apenas um acidente destes tão improváveis de acontecer. O galo pendurado pelo bico, convenhamos, equivale a um ser humano pendurar-se por um dos seus dentes canino.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Já próximo do fim de semana estava, tranquilamente com meu chapéu de palha, juntando o estrume da égua Morgana (a pintada igual à cachorra koda que roça a grama do jardim toda noite) quando estacionou um carro médio de luxo em frente. Um senhor engravatado com crachá de oficial de justiça perguntando se o palio era meu. Respondi mais ou menos, pois não está no meu nome. Pediu os documentos. Respondi que estava com meu amigo e parceiro de negócio em São José dos Pinhais, cidade da região metropolitana de Curitiba. Ele acionou o rádio confirmando a placa e em seguida informou estar este carro com mandato de apreensão. Algumas coisas pareciam contraditórias, mas sabendo que nada poderia fazer naquele momento tirei meus pertences e entreguei as chaves. Fiquei meio atordoado por que não tinha como levar a cozinheira para casa como eu havia prometido, pois todos os motoristas e cobradores dos ônibus coletivos estavam em greve e a cidade parou. Liguei para outro amigo e sócio na chácara Capivari para ir comigo para visitar o dojõ em Curitiba e aproveitar para deixar a cozinheira em casa, pois apesar dos três carros eu estava a pé. O Supermini não está funcionando por que a oficina não está querendo honrar a garantia do motor. O Gurgel Ipanema está na chácara sem placa. Estes dois carros servem, mesmo, à memória que a locomoção. Mas me orgulho de ter o primeiro e último modelo Gurgel. Quem sabe poderei alavancar um museu Gurgel no futuro. Compromissei a preservar a saga Gurgel quando o assessorei.

Estou circulando agora com um gol azul do meu amigo.

Somente no final da tarde consegui falar com o advogado que vendeu o automóvel. Ele estranhou e logo desconfiamos de um golpe. Nos papéis que o tal oficial de justiça deixou não diz nada com nada. Nem número do processo tem. Escreveu a data da audiência e ainda disse a asneira de que em outubro p.p. este carro estava na pose de bandido. Só que o carro que o carro nesta data estava comigo. Não descobrimos nenhum mandato de apreensão até então. Ou fizeram documento e levantaram dinheiro em cima da placa do carro e não pagaram as tais cinco parcelas ditas vencidas ou o oficial de justiça é de gaiato. 

Depois deste evento dirigi-me ao dojõ . Antes do omaire fui convidado a esperar, pois as coordenadoras estavam preparando um coquetel de despedida na cozinha para a Cordeiro Junkambu-Minarai.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Quando não estou no Gurgel Ipanema lançado pelo Roberto Carlos há 50 anos circulo em uma das minhas históricas bikes (uma montada na Suécia em 1944 com peças da Alemanha, do Japão e da Itália, marca Huskon, primeiro modelo feminino feito no mundo e outra monark lançada pelo Pelé, primeiro modelo montado no Brasil em 1970) na Estrada da Ribeira em frente ao Armazém. Mas, ultimamente, minha preferência mesmo é cavalgar.

Um dia para me livrar de aborrecimentos com um dos meus ex-monitores resolvi atravessar o asfalto e galopar na outra margem, plana e gramada, em minha égua inglesa com quarto de milha, muito espirituosa. Passei a chamá-la de Rainha de Sabá por identificar com esta última pela cor negra e pela sua impetuosidade.

Conto para alguns clientes a historia da Rainha de Sabá: “Soube ela através de um mercador que havia um rei com riqueza e sabedoria imensuráveis. Era este Salomão, o que escreveu a maioria salmos. Ela desconfiada de não existir um rei assim decidiu, então, montar uma caravana para lá tirar as suas dúvidas. Saiu da Etiópia, norte da África, e deslocou até o reinado de Salomão na Palestina. Conheceu o templo dourando e ao se apresentar, Salomão convidou-a para jantar. Ela respondeu: “-como rainha tenho reputação a zelar” e não aceitou o convite. Salomão, então, propôs a ela: “- se a senhora rainha não levar nada do meu castelo prometo não te tocar.” uma promessa de rei tão poderoso ela não poderia negar. Salomão, então, com mais de mil mulheres, entre concubinas e legítimas armou uma estratégia. Mandou colocar muito tempero na comida e cuidou de deixar um pote de água fresca nos seus aposentos. Quando a rainha ao se recolher para descansar da longa jornada veio a sede esperada por Salomão. Olhou o pote d’água e com gratidão se serviu. Repentinamente, entra Salomão dizendo: “- A senhora rainha havia prometido não levar nada do meu palácio, quebrou a promessa, pois esta água jorrou-se de um poso em meu reino” e seguiu firme na pegada. Ela não aceitou ser mais outra concubina e retornou à Etiópia.

Não há prova e não é dito na bíblia que Salomão tenha partido para cima dela, mas os judeus da Etiópia, os mais ortodoxos de todo mundo, podem ser resultados desta conquista.

Termino dizendo: “- esta nossa rainha de sabá você pode, agora, cavalgar nas trilhas da mata de dez alqueires, ainda virgem nos fundos do terreno. E este cavalo que brilha, ainda é xucro para não permitir ninguém aproximar e tirar nenhum de seu pelo dourado.

Quando fui atravessar a pista para ir ao gramado em frente, no meio da pista a égua acelerou e devido as ferraduras novas escorregou-se e caiu com seus 500 quilos na minha perna esquerda. Ela levantou-se rapidamente assustada e bufando e eu consegui levantar logo depois com certa dificuldade, gemendo de dor montei novamente, todo sem graça, passei pelo asfalto de volta bem lentamente. Uns possíveis clientes para cavalgar, de medo desistiram e foram embora. Doeu na carne e no bolso esta minha imprudência.

Semana “entre duas mortes” - continuação

Não pude ir ao velório de minha amiga anciã no dia de ontem, pois minha cozinheira do Armazém, a pessoa que confio para gerir o Armazém na minha ausência está de folga para participar de um retiro espiritual organizada pela sua igreja – a quadrangular.  Na esperança de ainda poder ir ao sepultamento trouxe para o meu trabalho o paletó azul marinho para ir a rigor como fazem os descendentes de ingleses de Massachussets, onde vivi por meia década. Desejava muito ir a esta triste e fúnebre despedida, conhecer alguém da família dela, saber mais coisas sobre ela. Conhecê-la mais já que me ajudou tanto conhecer a mim mesmo.

Assim termino a narração da semana começada com a morte do Xamã e terminada com a morte da amiga consultora que poderia me fazer aceitar a morte do primeiro e entender os mistérios e as maravilhas do viver.

Lembrar e narrar é mesmo, como disse Gabriel García Marquez, uma atividade humana que mais se parece à levitação. Mas tudo em excesso faz-nos tanto mal. Quantas semanas se gasta para narrar uma única semana? Evidentemente, narrei apenas uma parte nestas 6547 palavras e não é tudo. Um megalomaníaco como eu ousa muito mais, pelo menos em pensamento.

Não lembrar pode ser doentio, mas lembrar em excesso também o é, pois não teríamos tempo para viver o presente. E estes longos emails é a prova. Quantas horas noite adentram ocupei em narrar o passado quando poderia viver o prazer do presente que é presente dado por Deus. Não vi a banda passar neste carnaval e nem ouvi nenhum samba enredo.

Saí agora da igreja Bom Jesus, onde foi celebrada a missa de sétimo dia da amiga e conselheira Rituka. Situada no antigo Largo da Misericórdia, hoje Praça Rui Barbosa. Com a misericórdia de Deus uma boa samaritana sendo homenageada na igreja do Bom Samaritano. Igreja fundada em 1909 com arquitetura neogótica que harmoniza bem com o conjunto de prédios antigos de tijolos de adobe da Santa Casa ao lado, mas contrasta com os paredões sem expressão da antiga rodoviária e com os inovadores tubos de vidros fumê do urbanista Jaime Lerner, copiados por mais de cem cidades. O interior da igreja há desenhos esplendidamente coloridos nos vitrais e nas paredes, há órgão e relógio na torre importados da Alemanha.

Ao oferecer minhas condolências aos seus minguados parentes presentes, com um nó na garganta, perguntei se havia na família algum discípulo dela, pois para mim ela era uma mestra. Uma respondeu que infelizmente não havia, mas interessada em não sei o quê, perguntou o meu nome e se eu era da Mahikari. Dei a ela o meu nome completo e me despedi. Outro se apresentou e disse ter sido aluno dela há 45 anos atrás. Descreveu-a nesta época como rígida, mas que conseguia ser meiga.

Sai de lá e vim passar este email na lanhouse de uns amigos nerds, situado na mesma rua da Praça Santos Andrade, onde a ex-professora Rituka vivia. Nesta praça está o Guaíra, maior teatro do sul, o prédio de colunas gregas, imponente, da primeira Universidade do Brasil, a UFPR, a padaria samaritana do Manoel, potencial cliente meu do negócio de segurança eletrônica. É nesta mesma praça que começa o calçadão da XV de Novembro, o primeiro do Brasil. Numa quadra acima, já na esquina da Rua Riachuelo localiza a lanchonete da chinesa Atami, ela, outra entre as minhas dozes almas gêmeas. Na mesma rua o Café Jeito Mineiro, sem nenhum mineiro, do meu amigo Evandro, onde tomo com freqüência o melhor expresso de Curitiba. Do lado está um dos vários empreendimentos do Xian, outro chinês que ficou amigo depois que um de seus garçons cometeu uma gafe comigo e com a Carla Ramos, outra entre as doze minhas almas gêmeas, quando aguardávamos o pedido feito a outro de seus tantos garçom, nenhum deles chinês em uma das tantas mesas espalhadas pela praça Geronasso, onde há o imponente prédio, todo restaurado, bem cuidado pelo SESC. Um liame entre espaço físico e proposta cultural. A praça e era Paço Municipal no inicio do século XX. Instalaram nela uma estatua do Barão do Rio Branco e virou Paço da Liberdade. Mas o excesso de liberdade no entorno coloca os seus sujeitos em uma prisão - a promiscuidade. Lá prostitutas, travestis e delinqüentes diversos fazem parte do cenário. Neste meio encontrei a Nega Rara, virou minha assistente. O edifício construído para sede da prefeitura é da classe dos monumentais, símbolo da atitude e vontade daqueles que o conceberam e destes que restauraram, além dos ansiosos na busca de revitalizar o entorno. Hoje o prédio abriga serviços de biblioteca, lanhouse e um bar, onde um dia fui agraciado com árias cantadas por uma soprano e um tenor de forma magistral entre as mesas.

Normalmente faço este caminho para chegar ao início do calçadão, onde, logo virando a direita, freqüentemente, como uma casquinha de sorvete de baunilha com chocolate do Mcdonalds, numa portinha à parte da lanchonete, portanto, nunca precisei conhecer o seu interior e, virando à esquerda está a agência da cooperativa SICOOP, aonde ultimamente, venho fazendo apenas saques. Pelo sentido oposto da Rua Riachuelo chega-se à praça do homem nu, onde compro o melhor pão francês na panificadora Palazzo. Nesta praça puseram depois uma estátua de uma mulher nua, mas esta praça continua a pertencer somente ao homem nu na boca do povo. Ele gigante moldado em pedra. Há também murais coloridos representando o descobrimento. A mulher também gigante ali, sentada, é só figurante. Bons velhos tempos estes em que homens em pé davam ordens.

Nesta praça parte uma avenida larga usada para se chegar ao centro administrativo do estado. Curioso eu não saber onde fica a sede da prefeitura, mas sei que é comandada por um Ducci e um deles vive nesta avenida, quase em frente ao shopping Miller, onde no passado era uma fábrica de munição, e que hoje me serve apenas às sessões de cinema terapia nas noites de quarta, pois não necessito de shoppings para nenhuma outra coisa mais. Esse Ducci e suas duas irmãs, primos do comandante municipal são meus mais antigos e fieis amigos. Sem eles eu poderia não ter suportado permanecer em Curitiba. Ele, Orlando Ducci, quase da idade de meu pai teve um aneurisma cerebral, mas graças a Deus está entre nós. Sua irmã Camila então coordenadora de um grupo de sewagakari, sendo a Rituka uma delas, contou-me numa breve carona no meu humilde carro, emocionada, sobre o passamento e a previsibilidade da Rituka: “ela sabia existir uma bomba relógio dentro dela. Depois de seis anos com o problema conheceu a Mahikari e em seis anos fez o seminário básico, intermediário e superior. Uma bola de sangue no abdômen em uma imagem bidimensional media 17 centímetros de diâmetros e com a luz passou a 15. Uma queda no banheiro quebrou um osso na bacia. O osso recuperou-se, mas o aneurisma irritado causava-lhe constantes dores e uma lentidão no andar”. Comentei que eu, certo dia no dojo, brinquei: “- e aí dona Rituka, já está passando segunda ou ainda anda só de primeira”. Camila continuou: “no seu colchão estrategicamente posicionado pela dinâmica Irene na sala em frente a uma enorme janela envidraçada que permitia ver até a serra do mar ao fundo ela fez sua passagem, sem gemidos desmaia de tanta dor. Foi recebendo luz divina. No serviço vulnerário vaticano, onde foi cremada, estava a observação: “Ligar primeiramente para Sukyo Mahikari (41)3262-0263 pedir para falar com o dirigente ou na recepção e aguardar resposta, depois ligar para ...” Dentro de um livro estava um cartão de aniversário e o presente cuidadosamente embrulhado para outra amiga – a Ilzamar. Ela, apesar de não estar entre nós, continuou dando-nos lições. Tenho orgulho de ter conhecido uma verdadeira representante do espírito yamato.

Comecei a narração quando recebi a nota de falecimento de minha amiga e termino no fim da noite de sua missa de sétimo dia. Não vejo TV, não ouço rádio, portanto não sei qual foi o melhor samba enredo, nem a melhor escola e muito menos as estatísticas de acidentes automobilísticos e as barbaridades outras desta, considerada a maior festa do mundo. Ocupei-me completamente nestas mais de seis mil palavras, seis milheiros de tijolos para narrar esta semana “entre duas mortes” para quê? Talvez para tentar sentir o que Gabriel García Marques sente ao narrar – um estado de quase levitação. Não sei se funcionou, mas posso dizer que me sinto mais leve.

Sobre “entre minhas 12 almas gêmeas" é uma alma que gemeu de dor e/ou prazer em minhas passagens terrenas, só isso. A questão é como eu descobri ser ou não uma alma gêmea nesta vida, já que todos fazem um longo treinamento para esquecê-las e não se conhece técnica alguma para trazê-las de volta à consciência. Sonhe. Sem pretensão deixa a vida fluir e o sonho vem quando menos se espera e esclarece. Sem os sonhos seria muito difícil perceber o mundo das afinidades entre nós e entre nós e o mundo dos deuses.

Termino a revisão, ouvindo Schubert, Ave Maria na voz de Andrea Bocelli na quietude de meu vale profundo quando me lembro de meu convite feito há muito tempo a ela para assistir a um clássico no grande teatro Guairá, em frente seu apartamento. Convite que sou obrigado a suspender para sempre. 


Autor: Paulo Rabelo Guimaraes Machado Diniz


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