Saberes ou sabores da docência?



SABERES OU SABORES DA DOCÊNCIA?

                                                                                                                      NOGARO, Arnaldo[1].                                                                                                                                                     

Entendemos que o professor é um profissional que detém saberes de variadas matizes. O saber ou saberes que orientam a atividade do professor inserem-se na multiplicidade própria do trabalho dos profissionais que atuam em diferentes situações e que, portanto, precisam agir de forma diferenciada, mobilizando diferentes teorias, metodologias, competências e habilidades. O que entendemos por saber? Qual a natureza dos saberes docentes? O professor detém saber ou saberes[2]? O saber profissional dos professores é constituído por um saber específico? Por vários saberes de diferentes matizes, de diferentes origens, aí incluindo, também, o saber da experiência? Qual a importância de discutir esta questão? O que na verdade queremos problematizar é: onde o professor se alicerça para construir seus saberes e sua prática cotidiana, e que o levam a fazer do jeito que faz, acreditar no que acredita, pensar do jeito que pensa e convencer-se de que assim está certo e é o melhor que pode fazer? Como pode resgatar o gosto pela docência?A partir da raiz do verbo saber abstraem-se vários significados que podem ser assumidos em diferentes circunstâncias da vida e da realidade. O verbo latino sapere está na origem de duas palavras de significados distintos em português e, ao mesmo tempo, possuem afinidades e se complementam em determinados usos e contextos, como é o caso da educação: saber e sabor. Abbagnano (1970) traz a definição de saber associada a duas grandes ideias. A primeira como conhecimento em geral, qualquer técnica julgada apta a dar informações acerca de um objeto; e a segunda, como ciência, isto é, como conhecimento garantido de algum modo quanto à sua verdade.

Nossa incursão no dicionário Houaiss (2001) encontrou dezesseis designações ou conjunto de significados para a palavra saber.  Por sua vez, Ferreira (1999) apresenta vinte e dois. Na concepção de Tardif (2002), o saber docente é essencialmente heterogêneo, tanto pelas relações de exterioridade (saberes curriculares, saberes das disciplinas e saberes da formação) quanto pela relação de interioridade com a própria prática. O autor caracteriza-os da seguinte forma: saberes da formação profissional – referem-se aos saberes transmitidos pelas instituições de formações de professores; saberes da disciplina – correspondem aos diversos campos do conhecimento e emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes; saberes curriculares – apresentam-se na forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores necessitam aprender e aplicar; saberes da experiência – são aqueles desenvolvidos no exercício e na prática da profissão, que emergem da experiência e são avaliados por ela. Tais saberes constituem um conjunto de representações com base nas quais o professor interpreta, compreende e orienta a sua profissão em todas as dimensões.

            Saviani (1996) alerta para o fato de que o educador é aquele que educa, o qual, consequentemente, precisa saber educar, aprender, ser formado, ser educado para ser educador e precisa dominar os saberes implicados na ação de educar. Por essa ótica, o autor afirma que se invertem os termos da questão: em lugar de os saberes determinarem a formação do educador, é a educação que determina os saberes que entram na formação do educador. A afirmação do autor contribui para a premissa de que o professor/educador precisa ter uma visão de mundo, uma concepção de educação e de ensino, e que essas concepções determinam os tipos de saberes que deverão ser mobilizados em uma determinada situação em sala de aula e fora dela.

Podemos perceber que, pelo exposto acima, e também pela literatura visitada, existem diversas concepções de saberes e alguns os nominam[3] e listam como fundamentais ao trabalho docente. Nesta reflexão vamos tomar a categorização apresentada por Tardiff (2002) por crermos que ele consegue reunir, em cinco grandes categorias, as diferentes tipologias de saber que estão relacionadas aos lugares nos quais os professores atuam, nas instituições onde são formados e trabalham, às ferramentas que usam. Vamos reuni-las em quatro núcleos. Acreditamos abranger neles os diferentes saberes mobilizados pelo professor em seu trabalho.

 

Saberes pessoais dos professores e provenientes da formação escolar anterior – saberes do cotidiano.

 

Muitas das noções que alimentamos e a partir das quais desenvolvemos nosso trabalho como professores, são adquiridas muito antes do ingresso como aluno de um curso que prepara para ser professor ou de fazermos nossa formação universitária; são os chamados saberes pré-profissionais do saber ensinar. Modelos de comportamento, concepções sobre o ser homem ou mulher, visão a respeito da escola, etc. são adquiridos em um período que antecede nossa formação para atuarmos como professores. Alguns autores denominam estas aquisições como “conhecimentos espontâneos” dos professores. Estudar, portanto, a respeito do professor, implica entendê-lo antes como filho, aluno e cidadão.

 

 

 

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério – saberes pedagógicos.

 

            Para Pimenta (1999), a mobilização dos saberes dos professores, referidos por ela como saberes da docência, é um passo importante para mediar o processo de construção da identidade profissional dos professores. Os saberes advindos da educação e da pedagogia subsidiam o professor para que se interrogue e alimente suas práticas, mobilizando-os diante de situações-problema. Os saberes relacionados com a prática pedagógica envolvem desde o “saber transmitir” até o motivar os alunos a entender como aprendem.

          A formação meramente técnica, estática, terá de ceder espaço para um processo dinâmico na formação do professor, no bojo da qual a busca pela autonomia, a capacidade de reconstrução de saberes e de competência pedagógica, sejam praticamente permanentes. Isso implica, de um lado, a definição nítida e objetiva do papel do professor no que se refere aos saberes a serem construídos e, de outro, a organização de situações, mediadas pelo professor formador, que propiciem a identificação e efetivação de saberes e de competências necessários ao docente.

 

Saberes provenientes dos programas, livros usados no trabalho e da ciência – saberes epistemológicos.

 

Estes são os saberes relacionados com o conteúdo da matéria de ensino. Essa é uma dimensão muito forte no imaginário dos docentes universitários. Não basta ser detentor de um conhecimento científico para ser professor, há a necessidade de que o professor se pergunte sobre seu significado para a vida do estudante. Qual o resultado que se quer com o ensino de determinado conhecimento? Como contextualizar este conhecimento na condição em que se encontra o estudante? Qual a relação com outros conhecimentos? Qual a função deste conhecimento para a formação do estudante? São saberes que emergem das posturas e atividades investigativas, entendidos como aqueles que fazem do professor um construtor-reconstrutor de conhecimento. Inserem-se aqui, também, os saberes que decorrem de uma postura ética, que torna o professor um educador. A relação que o professor estabelece com o aluno é de natureza humana, sujeita a interferências valorativas e construída num contexto de complexidade. Diferentemente da produção industrial o resultado do ensino é de grande intangibilidade, pois diz respeito, principalmente, a atributos humanos e sociais que, por sua natureza, são de difícil mensuração e onde devem entrar dimensões axiológicas, qualitativas, próprias da relação intersubjetiva.

 

 

 

Saberes provenientes de sua profissão, na sala de aula e na escola – saberes da experiência.

 

           Ao longo do percurso profissional, diante das mudanças e transformações que ocorrem, muitos saberes vão sendo construídos e reconstruídos, estruturados e desestruturados.                                 Ressalto que os saberes da experiência são de extrema importância na profissão docente e se originam no trabalho cotidiano e no conhecimento do seu meio. São incorporados à vivência individual e coletiva e se traduzem em habilidades de saber fazer e saber ser. São conhecimentos que surgem da experiência e são por ela validados. É importante destacar que é por meio desses conhecimentos experienciados que os professores julgam a formação individual, atribuem valores aos planos e reformas implementados e definem determinados modelos de excelência profissional.

            Em síntese, o papel do educador, enquanto mediador entre o conhecimento e o educando, tem o desafio de oportunizar situações em que o estudante possa adquirir o saber e que este possa ser assimilado enquanto situado entre o conhecimento e o sabor, como algo útil para a vida (meios) e também como saboroso (com sentido, com razões para querer), que dê sentido à vida. O que constatamos é que o ser humano hoje tem diante de si muitos instrumentos, meios, para ganhar a vida e exercer uma profissão, o que ele precisa, talvez, seja encontrar razões para isso. E este, quem sabe, seja o grande desafio do exercício da docência.

 

REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1970.

 

HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

 

PIMENTA, Selma G. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999.

 

SAVIANI, D. Os saberes implicados na formação do educador. In: BICUDO, Maria A. (Org.) Formação do educador: dever do Estado, tarefa da Universidade. São Paulo: Unesp, 1996.

 

TARDIF, Maurice. Saberes Docentes & Formação Profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.

 


[1]  Doutor em Educação – UFRGS. Professor da URI – Campus de Erechim. [email protected]

[2] Embora haja autores que caracterizem de maneira diferente e até entendam que possuem significação diferenciada, neste texto não temos a pretensão de nos debruçarmos para estabelecer a distinção entre saber e saberes. Vamos utilizá-los como sinônimos.

[3] Morin (2001) fala em sete saberes; Rossato (2002) traz quinze categorias de saberes; Tardiff (2002) apresenta cinco saberes.


Autor: Arnaldo Nogaro


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