Política Antitruste na América Latina



Política Antitruste na América Latina

Países encontram-se em diferentes estágios legislativos na luta contra atividades competitivas

Fernanda Ferreira Telles Horta

Resumo

O presente texto busca delinear um panorama da política de defesa da concorrência na América Latina. Como não há espaço para uma análise individualizada sobre cada país da região, o artigo apresentará algumas considerações gerais, passando depois a detalhar desenvolvimentos recentes ocorridos em algumas localidades como Chile, Colômbia, México e, especialmente, o Brasil.

Palavras-chave: concorrência, América Latina, competição, política antitruste.

I - Introdução

Nas últimas décadas do século XX, diversas reformas institucionais buscaram aprofundar a utilização de princípios de mercado nas economias de vários países do mundo. A América Latina não foi exceção. Em diferentes graus e em diferentes contextos, tentou-se transferir aos agentes privados o poder sobre as decisões econômicas, reduzindo-se o envolvimento estatal na economia.

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É nesse contexto que vários países latino-americanos adotaram legislações de defesa da concorrência ou revigoraram suas leis antitrustes já existentes, com objetivo de impedir cartéis e outras condutas anticompetitivas, além de controlar concentrações empresariais nocivas à economia. Esse processo, porém, avançou e está avançando a diferentes marchas, a depender dos contextos políticos-institucionais prevalecentes nas diferentes localidades.

De fato, em muitos países da América Latina, leis de defesa da concorrência ainda se encontram em estágios iniciais de aplicação efetiva ou simplesmente inexistem. Em outros países, contudo, essas leis vêm sendo aplicadas com um rigor crescente. Nesses casos, instrumentos como maiores poderes de investigação às autoridades, maiores multas aplicadas e a introdução de programas de leniência (que permitem à participantes de um cartel denunciar esse ilícito às autoridades em troca de imunidade ou reduções de penas) têm contribuído significativamente para o incremento da persecução de práticas anticompetitivas.

II - Pela livre concorrência

É cediço que a ordem econômica prevista nas constituições requer um mercado competitivo. Assim, na disciplina de proteção do mercado, surge um bem jurídico que, praticamente, com ele se confunde, qual seja, a concorrência. Inclusive, muitas vezes, encontra-se a denominação "direito de concorrência", o que não é errado, mas pouco técnico, pois na legislação de proteção, a concorrência não é o único atributo do mercado que se tutela.

Segundo Fabiano Del Masso "a concorrência é o atributo do mercado que ganha valor maior valor nas legislações antitrustes {...}".

Ademais, como pondera Celso R. Bastos: "a livre concorrência é

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indispensável para o funcionamento do sistema capitalista. Ela consiste essencialmente na existência de diversos produtores ou prestadores de serviços. É pela livre concorrência que se melhoram as condições de competitividade das empresas, forçando-as a um constante aprimoramento dos seus métodos tecnológicos, dos seus custos, enfim, na procura constante de criação de condições favoráveis ao consumidor. Traduz-se, portanto, numa das vigas mestras do êxito da economia de mercado".

O mercado sem concorrência geralmente produz os seguintes efitos: impossibilidade de preços, imposição de produtos, despreocupação com os custos de produção, falta de investimentos em melhora do produto etc. A existência de concorrência, além de impulsionar a eficiência do mercado, permite ao consumidor a faculdade de comprar aquilo que melhor lhe convém, o que não ocorre nos mercados concentrados, nos quais resta ao consumidor, nos quais esta ao consumidor, apenas a alternativa de comprar ou não.

No Brasil, a lei federal promulgada em 1994 marcou a nova fase no controle de operações empresarias que pudessem prejudicar a livre concorrência. A partir de 2003, com o amadurecimento do chamado "programa de leniência" (introduzido em 2000), aumentou-se a eficiência do combate ao controle de condutas anticompetitivas, principalmente aos cartéis. Desde 2003, de acordo com as autoridades, aproximadamente 15 acordos de leniência foram assinados no Brasil (embora a quase totalidade dessas investigações ainda esteja em andamento).

As autoridades antitrustes brasileiras vêm também buscando aumentar as multas aplicadas a cartéis e outras condutas anticompetitivas. Em julho de 2009, por exemplo, a Ambev foi multada em R$352,7 milhões, por ter supostamente

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abusado de sua posição dominante no mercado de cervejas. Punições a indivíduos envolvidos em práticas ilícitas estão também sendo buscadas ativamente pelas autoridades.

A política antitruste no Brasil ainda é um fenômeno relativamente recente, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos onde é implementada desde o final do século XIX. A política antitruste existe no Brasil desde os anos 60s, quando foi instituído o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE), em 1962, com a principal função de intervir em situações relacionadas com condutas anti-competitivas. O CADE, no entanto, só obteve os instrumentos e as funções atuais com a publicação em 1994 da Lei Antitruste (Lei 8.884/94), também conhecida como Lei da Concorrência, a qual o transformou em um organismo moderno de controle de estruturas e de condutas. Basicamente, a finalidade da política de defesa da concorrência consiste em garantir e/ou estimular ambientes econômicos competitivos, visando dessa forma à maior eficiência econômica seja no âmbito da produção quanto do próprio consumidor. No modelo de concorrência perfeita as empresas são tomadoras de preços, dado que suas respectivas curvas de demanda são horizontais. Em função desse fato, caso as empresas decidam estabelecer um preço acima do preço de mercado, a quantidade demandada por seus produtos cairá à zero. Se estabelecerem um preço abaixo, perderão receita, pois seus reduzidos tamanhos não permitirão que elas consigam abastecer todo mercado. Pelo lado da demanda, o modelo de concorrência perfeita permite que o consumidor maximize seu respectivo bem-estar, pois a competição entre as empresas produz o menor nível de preços entre todos os demais modelos microeconômicos e, como resultado, o excedente do consumidor também é

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maximizado. No entanto, a realidade econômica é bem diferente daquela que prevalece nos livros textos de microeconomia, pois em muitos segmentos há predomínio de um pequeno número de empresas, especialmente no caso de serviços públicos onde há uma única empresa atuando (monopólio). Contrariamente ao modelo de competição perfeita, o monopólio é formador de preço. Nesse caso, a quantidade produzida é menor do que aquela em concorrência perfeita e, consequentemente, o preço praticado no mercado é mais elevado. Daí a justificativa para o Governo utilizar a legislação antitruste, no sentido de que a elevação da concentração em determinado mercado possa ameaçar o caráter competitivo de determinado mercado e como resultado reduzir o nível de bem-estar do consumidor. A Política de Defesa da Concorrência é implementada e defendida pelo Estado através da denominada Lei Antitruste. No caso brasileiro, a lei que trata da questão relacionada a esse tema (Lei 8.884/94) permite ao Estado reprimir o abuso do poder econômico que vise dominar mercados, causando a eliminação da concorrência, ou então ao aumento arbitrário de lucros. Três são os pilares de sustentação e aplicação da Política de Defesa da Concorrência, todos eles na esfera do poder executivo federal. O mais conhecido deles é o CADE, que é uma autarquia cuja função reside em julgar os casos que possam prejudicar o ambiente competitivo.

As investigações e a instituição de processos são de responsabilidade da Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão esse subordinado ao Ministério da Justiça. Finalmente, o organismo responsável por pareceres econômicos em relação aos casos que estão sendo analisados é a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), a qual é subordinada ao Ministério da Fazenda. Em linhas gerais, o principal objetivo da Política de Defesa da Concorrência

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está em limitar o exercício de poder de mercado das empresas. A elevação do poder de mercado por parte de uma empresa pode prejudicar o ambiente competitivo e gerar ineficiências que podem reduzir o bem-estar econômico do consumidor. É preciso enfatizar que a Lei Antitruste não necessariamente repudia o poder de mercado, nem torna a concretização de monopólios ilegais. Ela apenas tenta controlar como essa elevação do poder de mercado é adquirida. Em outras palavras, a Lei Antitruste tem o objetivo de reprimir o exercício considerado abusivo do aumento do poder de mercado. No México, reformas implementadas em 2006 buscaram remediar vários problemas encontrados na aplicação da lei antitruste, datada de 1992. Uma dessas reformas foi, exatamente, a adoção de um programa de imunidade administrativa. As autoridades mexicanas estão, no presente momento, estudando a adoção de um guia que estabelecerá procedimentos mais detalhados para o processo de leniência. De acordo com informações oficiais, sete pedidos de leniência já foram apresentados no México. Outras alterações legislativas estão atualmente em estudo, incluindo o aumento das multas e a simplificação dos procedimentos de busca e apreensão em empresas.

Processo similar está ocorrendo no Chile. Embora a atual legislação antitruste esteja em vigor desde 1973, uma reforma implementada em 2003 buscou fortalecer o aparato institucional antitruste, criando um tribunal com competência exclusiva para julgar assuntos de natureza concorrencial. Novas alterações legislativas em julho de 2009 foram implementadas para aumentar o combate a cartéis. Essas reformas, que entraram em vigor em outubro, incluem a adoção de um programa de leniência, maiores multas para cartéis e novos poderes para as autoridades antitrustes, como buscas e apreensões e interceptação de comunicações.

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Na Colômbia, reformas à lei de defesa da concorrência foram implementadas em julho de 2009. Dentre as principais mudanças, destacam-se maiores multas aplicáveis e aumento da independência da autoridade de defesa da concorrência. Além disso, participantes de uma prática anticompetitiva poderão receber imunidade total ou parcial se deletarem a prática e cooperarem com as autoridades. Esse programa de leniência colombiano, contudo, ainda deverá ser regulamentado.

III - Conclusão

Em conclusão, como já colocado, existem grandes disparidades entre os países latino-americanos no que se refere à política de defesa da concorrência. Alguns vêm convergindo para um maior rigor no combate a condutas anticompetitivas. Outros países possuem leis antitrustes, mas sua aplicação ainda está num estágio menos desenvolvido. Em outros locais, sequer existe uma legislação de defesa da concorrência, embora alguns países, como o Equador, estudem sua adoção.

Tendo em vista esse cenário de diversidade institucional, as empresas que atuam na América Latina devem estar preparadas para agir em conformidade com suas políticas internas e em cumprimento às diferentes legislações antitruste, principalmente agora que diversos países estão procurando aprofundar a aplicação de suas leis no combate a práticas anticompetitivas.

É preciso enfatizar que o tema relacionado com política antitruste e regulação econômica é um campo demasiadamente vasto e seria praticamente impossível de abordar aqui outros aspectos relacionados a essas duas áreas da ciência econômica. Sendo assim, esse texto procurou apenas levantar alguns pontos relacionados à política antitruste, tema esse relativamente novo no

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contexto brasileiro. No entanto, diante das mudanças estruturais ocorridas no Brasil, principalmente a partir da década de 90, devem ser efetuados esforços no sentido de aprimorar e fortalecer a política antitruste e de regulação econômica, visando dessa forma evitar que interesses da esfera privada venham a suplantar os interesses da sociedade.

Abstract

This paper seeks to outline an overview of antitrust policy in Latin America. Since there is no space for an individual analysis of each country in the region, the paper will present some general considerations and then goes on to detail recent devolvimentos occurred in some places like Brazil, Colombia and Mexico.

Keywords: competition, Latin America, competition, antitrust policy.

REFERÊNCIAS

VISCUSI, W. Kip; VERNON, John M.; HARRINGTON JR, Joseph E.

Economics of regulation and antitrust. United States of America: MIT Press. Second edition. 1995. 890p.

PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L.

Microeconomics. United States of America: Prentice Hall. Fifth edition. 2001. 700p.

MELLO, Maria T.L. Defesa da concorrência. In:

Economia Industrial: fundamentos teóricos e práticas no Brasil. David Kupfer e Lia Hasenclever. Rio de Janeiro: Campus. 2002. 640p.

DEL MASSO, Fabiano

. Direito Econômico. Editora Campus. 216p.

BASTOS, Celso Ribeiro.

Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva. São Paulo.

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Autor: Fernanda Ferreira Telles Horta


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