Dissídio coletivo de greve em serviços essenciais: um breve estudo de caso da greve dos rodoviários do município de São Luís - MA



Dissídio Coletivo de Greve em serviços essenciais: Um breve estudo de caso da greve dos Rodoviários do município de São Luís - MA*

 

Rafaela Nascimento Dutra**

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Direito Coletivo do Trabalho: conflitos e métodos de soluções; 3.  Greve e Dissídio Coletivo; 4. Breve análise da Greve dos Rodoviários do Município de São Luís; Considerações Finais; Referências.

 

 

 

RESUMO

 

Esse trabalho visa apresentar uma noção geral sobre o Direito Coletivo do Trabalho apontando os principais tipos de conflitos coletivos e as formas de solução para, em seguida, especificar as características do dissídio coletivo de greve. Para melhor compreender a greve em um serviço essencial, no caso o transporte público, foi utilizado como exemplo o caso da greve dos rodoviários do município de São Luís do Maranhão, ocorrida no período de 15 a 31 de maio de 2012.

 

Palavras-chave: Dissídio Coletivo de Greve, serviços essenciais, rodoviários, São Luís.

 

 

 

 

*Artigo apresentado à disciplina de Direito Processual do Trabalho I, do 6º período do curso de Direito noturno da Universidade Ceuma, ministrada pela Prof. Ms. Hilza Paixão para obtenção parcial da segunda nota.

**Acadêmica do 6º período noturno do Curso de Direito da Universidade Ceuma – Campus Cohama.

E-mail: [email protected]

 

  1. 1.      Introdução

A escolha do tema dissídio coletivo com enfoque na greve dos rodoviários se deu em virtude deste recente movimento paredista promovido pela categoria na cidade de São Luís – MA durante o período de 15 a 31 de maio de 2012. A greve, apesar de ser uma opção legítima de reivindicação de direitos, provoca uma série dificuldades na rotina de todos os cidadãos: tanto àqueles que necessitam e têm direito a esse serviço essencial de maneira direta quanto aos que dependem indiretamente do transporte coletivo.

O objetivo principal deste trabalho é apresentar as noções gerais do Direito Coletivo do Trabalho para, em um segundo momento, enfatizar dois importantes instrumentos utilizados como alternativas de resolução de conflitos coletivos: a greve e o dissídio coletivo. A greve, que consiste em uma espécie de conflito coletivo posterior a um problema anteriormente não solucionado, quando acontecer em atividades essenciais com possibilidade de lesão do interesse público, pode ter o Ministério Público do Trabalho como suscitante no dissídio coletivo. Por fim, busca-se aplicar os conceitos estudados ao exemplo da greve dos rodoviários que aconteceu recentemente em São Luís e se prolongou por 16 dias.

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica (livros e artigos científicos), documental, audiovisual (notícias da mídia impressa e televisiva e internet), conversas informais e observação empírica.

 

  1. 2.      Direito Coletivo do Trabalho: Os Conflitos e os Métodos de Solução

 

O estudo de dissídio coletivo presume o entendimento prévio da definição de Direito Coletivo do Trabalho, que é o segmento responsável por ordenar os interesses dos grupos (os sujeitos das relações coletivas de trabalho: sindicatos e/ou empresas) envolvidos em relações de trabalho que, conforme conceitua Zangrando (2008, p.1522):

 

Regulamenta as relações jurídicas trabalhistas transindividuais entre as categorias profissionais, representadas pelos sindicatos de empregados, e as categorias econômicas, representadas pelos sindicatos de empregadores. Os três objetos do Direito Coletivo do Trabalho são: a negociação coletiva, a regulamentação dos conflitos do trabalho e os métodos de solução.

 

Como a representação dos interesses das categorias (profissional ou econômica) se fortaleceu através dos sindicatos (art. 8º, III – CF/88), é possível deduzir que o direito coletivo está intimamente relacionado ao sindicalismo. Quanto maior a organização, maior poder de barganha durante uma negociação – que consiste na tarefa essencial dos sindicatos - de ambas as categorias, que têm nos sindicatos[1] a defesa de interesses econômicos e jurídicos dos seus membros.

O sindicato, como pessoa jurídica de direito privado, possui funções que estão definidas de maneira expressa na lei, dentre elas a função representativa, a negocial e a de defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria (CF, art. 8º, III). Essa última envolve a possibilidade de propor dissídio coletivo (CF, art. 114, § 2º), ação de cumprimento (CLT, art. 872 e p. único), dissídio individual simples ou plúrimo (defesa de direitos individuais homogêneos dos trabalhadores), mandado de segurança individual (Lei n.1.533/51), mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX, b), mandado de injunção (CF, art. 5º, LXXI), dentre outras.

Os interesses das categorias muitas vezes têm como consequência os conflitos coletivos, que surgem quando alguma reivindicação dos trabalhadores encontra resistência por parte do empregador, fato que certamente, em virtude de insatisfações originadas pelas enormes desigualdades sociais, acontecerá com frequência. Essa reflexão sobre as classes sociais (“opressores e oprimidos”) foi muito bem traduzida por Karl Marx (2001, p. 07) nesse trecho do Manifesto Comunista:

 

A história de toda a sociedade até hoje é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada.

 

Deste modo, a partir da constatação de que os conflitos coletivos são inevitáveis e de que devem ser respeitados em uma democracia, é preciso compreender como encontrar a saída mais equilibrada possível. Para iniciar a resolução desses conflitos coletivos de trabalho é imprescindível que aconteça a negociação coletiva[2], que é definida por Zangrando (2008, p.1528) como “o processo destinado ao entendimento entre os grupos em conflito, em busca do consenso na formação de normas e condições de trabalho, que serão aplicadas aos grupos envolvidos”. Se terminada a contento e de forma autônoma, o resultado pode ser a formalização de um ou mais instrumentos normativos coletivos: a convenção coletiva de trabalho, o acordo coletivo de trabalho e o contrato coletivo de trabalho.

A convenção e o acordo coletivo, mais utilizados atualmente, são contratos e representam o acordo entre vontades conforme a ordem jurídica, no entanto há algumas diferenças entre essas duas modalidades. A primeira diferença diz respeito aos sujeitos envolvidos porque na convenção o contrato é celebrado entre um ou mais sindicatos que representam as partes (profissional e econômica), ao contrário do acordo, em que uma ou mais empresas realizam a negociação com um ou mais sindicatos de categorias profissionais. Quanto à eficácia, a norma resultante da convenção coletiva tem efeito erga omnes e a norma resultante do acordo abrange apenas os empregados da empresa (ou empresas) que firmaram o acordo. Importante ressaltar também que as condições estabelecidas em convenção, quanto mais benéficas, prevalecem sobre aquelas estatuídas em acordo (CLT, art. 620).

Nesses instrumentos normativos coletivos prevalecem os princípios da autonomia privada coletiva e a liberdade sindical, que devem ser respeitados nas relações de trabalho porque significam o oposto do corporativismo intervencionista do Estado. Esses princípios também são parte de uma concepção pluralista, que surge pela insuficiência do antigo paradigma monista - de que o poder estatal é a única fonte do direito na sociedade. O resultado é a necessidade de aceitar a liberdade de manifestação popular derivada do sistema democrático e do consequente fortalecimento de ordenamentos paralelos ao poder formal.  De acordo com Nascimento (2009, p.438):

 

O princípio da autonomia privada é o poder de autoregulamentação, resultante da livre e direta negociação entre sindicatos e empregadores e que tem como ideia primeira a concepção pluralista da sociedade e da ordem jurídica, com o reconhecimento de que o direito positivo não é obra exclusiva do Estado, cabendo aos grupos intermediários, inclusive às associações econômico-profissionais instaurar liames jurídicos diretamente constituídos por elas, dos quais resultam normas jurídicas de obrigatoriedade admitida pelas leis.

 

Anteriormente foram mencionados três exemplos de método de solução de conflitos coletivos do tipo autocomposição, quando as partes envolvidas                     entram em um acordo para resolução do problema: a convenção, o acordo ou contrato coletivo de trabalho. Há, contudo, outros métodos: a heterocomposição, quando as partes envolvidas submetem-se à solução dada por um órgão externo, ou por terceiro, especialmente requisitado: exemplo da conciliação, mediação, arbitragem ou solução jurisdicional/dissídio coletivo; e a autotutela, quando uma das partes lança mão dos meios à sua disposição para forçar a outra à negociação: caso do locaute e da greve, que será abordada mais detalhadamente a seguir.

 

  1. 3.      Greve e Dissídio Coletivo

 

A palavra “greve” não possui sinônimo na língua portuguesa mas, ao ouvi-la, somos imediatamente levados à ideia de paralisação, inércia. Atualmente, a greve não significa apenas a paralisação dos serviços com a finalidade de reivindicar melhores condições de trabalho, mas sim um ato que busca pressionar uma negociação com os empregadores sem que esse ato signifique a paralisação total das atividades laborais. Não obstante a importância dessa nova concepção de greve, que será retomada mais adiante, faz-se oportuna a apresentação da história que originou esse vocábulo, que é descrita por muitos autores, como Lira (2009, p. 48):

 

Um dos mais interessantes registros sobre a origem da greve está lançado na obra de Paulo Garcia (1961, p. 07). Segundo ele, os operários parisienses, quando desempregados, costumavam reunir-se na Praça do Hotel de Ville, e ali ficavam à espera de trabalho ou a debater sobre os fatos relacionados à suspensão do trabalho. Essa praça ficava próxima ao Rio Sena. Nas épocas de enchente, ela era sempre inundada. Quando as águas baixavam, o local ficava repleto de cascalhos, seixos e pedregulhos. No francês coloquial eram denominados de gravés. Posteriormente, passa a Praça do Hotel de Ville a denominar-se Place de La Grave e mais tarde, por um vício de pronúncia, por Place de La Grève. Surgiu, assim, a palavra que, mais tarde, veio dar nome aos movimentos de suspensão do trabalho, quando os operários, suspenso o trabalho, reuniam-se na Place de La Grève [...].

 

Apesar de tal denominação ter sido criada por volta de 1260, como registrou Souza (2007, p.26), algumas espécies de movimentos grevistas, muito antes desse momento, já foram realizados como cita Perez de Botija apud Lira (2009, p.48):

 

[...] a rebelião de Espártaco (ano 74 a.C); a rebelião dos servos da Normandia (fins do século X); a célebre greve de tipógrafos de Lyon ocorrida no século XVI. O professor sueco Kohringberg afirma que a primeira greve teve lugar na construção das pirâmides (reinado de Cheops, Sicfs ou Saofes I). Enquanto na Espanha, citam a promovida em Escorial (1577) por obreiros que construíram o Mosteiro [...].

 

No Brasil, a greve é um direito cujo fundamento é o princípio da liberdade de trabalho e da dignidade humana porque ninguém é obrigado a trabalhar contra a própria vontade e nem em condições consideradas insalubres. Para Zangrando (2008, p.1512), “a greve é um direito, pois encontra-se prevista no ordenamento jurídico nacional e exterioriza-se por intermédio de um ato jurídico – a paralisação concertada do trabalho – praticada pelos grevistas”.  Esse direito está garantido pela Lei 7.783/89, que também prevê as devidas sanções quando ocorrerem abusos[3]. Quanto ao contrato, caracteriza-se como suspensão temporária (art. 2º e art. 7º da Lei de Greve) que tem como finalidade de pressionar o empregador a atender as reivindicações da categoria.

Para ser considerada lícita, a greve deve obedecer alguns procedimentos. Inicialmente, a tentativa de negociação é obrigatória e, somente após frustrada essa negociação prévia é que a lei autoriza a paralisação[4]. Em um segundo momento, a assembléia geral convocada pelo sindicato “definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços”, conforme o art. 4º da Lei de Greve. E, finalmente, o aviso prévio, visto que não é lícita a “greve surpresa”. Após a deliberação da assembléia o aviso do empregador deve ser realizado em 48 horas (art. 3º, p.u) e em 72 horas nas atividades essenciais (art. 13) – aviso que deve ser realizado não só ao empregador, como também aos usuários.

As atividades essenciais estão descritas no art. 10 em um rol taxativo: I tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; II - assistência médica e hospitalar; III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; IV - funerários; V - transporte coletivo; VI - captação e tratamento de esgoto e lixo; VII - telecomunicações; VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - controle de tráfego aéreo; XI compensação bancária.

Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, empregadores e trabalhadores ficam obrigados a garantir, durante a paralisação, a prestação de serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, expressas no art. 11 como sendo aquelas que se não forem atendidas possam colocar em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

É exatamente no caso de greve em serviços essenciais com possibilidade de lesão do interesse público, que a Constituição, em seu artigo 114, § 3º, prevê a instauração de dissídio coletivo pelo Ministério Público do Trabalho. O dissídio coletivo é uma forma de solução dos conflitos do tipo heterocomposição (decorrente da intervenção de um terceiro estranho ao conflito) que, consoante Leite (2011, p. 1172):

 

É uma espécie de ação coletiva conferida a determinados entes coletivos [...] para a defesa de interesses cujos titulares materiais não são pessoas individualmente consideradas, mas sim grupos ou categorias econômicas, profissionais ou diferenciadas, visando à interpretação de normas que irão incidir no âmbito dessas mesmas categorias. Quando mencionamos determinados entes coletivos, devemos lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro não apenas os sindicatos são legitimados para o dissídio coletivo, como também o Ministério Público do Trabalho, nos casos de greve que atinjam interesse público, ou a própria empresa, na hipótese de malogro de celebração de acordo coletivo ou greve. (grifo nosso)

 

Além do dissídio coletivo, as outras formas de solução heterônoma de conflitos coletivos do trabalho citadas anteriormente foram a conciliação, a mediação e a arbitragem. Vale a pena lembrar que a diferença entre essas modalidades é que na conciliação e na mediação o terceiro que intervém para tentar uma solução do conflito não determina a solução, ao contrário da arbitragem, em que há uma imposição da solução do impasse.

O mediador, consoante Pedro Paulo Teixeira Manus in Pinto (2005, p. 257), “é aquele que, não só aproxima as partes, mas também propõe soluções sem, contudo, determiná-las”. O conciliador, por sua vez, “é o terceiro que busca aproximar as partes a fim que ambas logrem diretamente encontrar a solução para o dissídio”.

A arbitragem, de acordo com a doutrina, pode ser facultativa[5], quando a lei faculta aos litigantes eleger o árbitro, ou obrigatória[6], como ocorre no regime jurídico brasileiro em caso de paralisação do trabalho.

A busca de solução judicial para o conflito coletivo do trabalho é bastante comum em virtude das dificuldades em negociações entre empregados e empregadores. Essa dificuldade em resolver esse conflito pode ser estendida também ao julgador, de acordo com a opinião de Pedro Paulo Teixeira Manus (Mediação Judicial de Conflitos Coletivos do Trabalho: Forma Eficiente de Exercício do Poder Normativo) in Pinto (2005, p. 260):

 

Nota-se, em inúmeros casos de dissídios coletivos, que o juiz resolve o processo formalmente, mas não compreende o conflito e, portanto, não é capaz de dimensioná-lo, de equacioná-lo, nem de propor uma solução que tenha efetivo compromisso com a função principal do direito processual, que é trazer o conflito, o impasse ao juiz, para que seja bem equacionado.

                            

O autor do referido artigo, que atualmente é Ministro do TST, mas já foi Vice-Presidente Judicial do TRT da 2ª Região, expressa a sua preocupação relacionada à necessidade de que o processo do dissídio coletivo “seja um meio eficiente de dotar o julgador de elementos reais para permitir uma adequada decisão, compromissada com o conflito e que, portanto, resulte da compreensão pelo juiz da motivação intrínseca e extrínseca do impasse”. E exemplifica o seu raciocínio com um dissídio coletivo econômico em que a questão principal do conflito era o impasse quanto ao índice de reajuste salarial, em Pinto (2005, p. 260):

 

No nosso exemplo a reivindicação dos empregados é de reajuste salarial de 20% sobre os salários devidos na data-base anterior e os empregadores concedem apenas 2%, daí o impasse [...]. Ora, os dados que chegam na audiência de conciliação do TRT ao juiz instrutor são apenas estes índices referidos nos autos do processo, pelo exame da petição inicial, da contestação oferecida em audiência e pelo exame das atas de tentativas de conciliação havidas entre as partes. [...] O juiz tenta estimular as partes a que cedam um pouco, mas como não há acordo e no cumprimento do que dispõe o art. 862 da CLT, o juiz faz a sua proposta de solução. Como não há nos autos qualquer outro elemento em que se basear, o juiz toma os índices apresentados e propõe o reajuste de 11%, que é exatamente o meio termo entre as duas propostas e que, evidentemente, não será aceito ao menos pelos empregadores. Com efeito, a proposta é irreal porque é fruto de duas posições igualmente irreais, já que os números (20% e 2%) são “números políticos”. Rejeitada a proposta do juiz [...] poderemos estar caminhando rumo ao desastre na categoria, pois as empresas certamente não suportarão o aumento de 11%. [...] Eis aí um mero arbitramento mostra-se inadequado, desvinculado da realidade e, não raro, a pior solução para o impasse.

 

Uma solução possível para esse “distanciamento entre as propostas” é a experiência desenvolvida pelo TRT da 2ª Região, que tem optado por aplicar o chamado “monitoramento”, como uma forma de mediação do conflito. Assim, quando há impasse na audiência, submete-se o caso à assessoria econômica, que é composta por dois economistas altamente qualificados que tem a função de “trazer subsídios ao processo, a fim de identificar qual a real pretensão dos empregados em termos de reajuste e qual a real possibilidade de concessão de reajuste por parte dos empregadores”.

Consideramos importante citar essa experiência, visto que a busca de mais informações associadas ao parecer de especialistas minimiza a possibilidade de equívocos ou, como diz o autor “diminui o risco de uma decisão judicial desastrosa”. Com base nas informações já expostas, descreveremos de forma sucinta a greve dos rodoviários de São Luís do Maranhão ocorrida no período de 15 a 31 de maio de 2012.

 

  1. 4.      Breve análise sobre a Greve dos Rodoviários do Município de São Luís

 

São Luís, capital do Maranhão e principal cidade da Região Metropolitana da Ilha São Luís (composta também pelos municípios de Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa), ocupa uma área estimada em 834,780 km² e, de acordo com os dados do censo de 2010, registra uma população de 1.014.837 habitantes (Fonte IBGE/2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/link.php?uf=ma.).

O imenso valor desta cidade, consoante ANDRÈS (1998), possui o maior conjunto arquitetônico com fachadas revestidas de azulejos portugueses da América Latina, foi reconhecido em 1998 com o título concedido pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de Patrimônio Mundial da Humanidade. Além do patrimônio material, a cultura do seu povo também foi contemplada com o registro das manifestações típicas do tambor de crioula e do bumba-meu-boi pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Toda essa riqueza patrimonial, no entanto, representa um contaste com a dura realidade da população desse município que, como parte de um dos estados mais pobres da federação[7], sofre com as enormes desigualdades sociais e a precariedade dos serviços essenciais.

Com o transporte público não poderia ser diferente. Antes, porém, é válido refletir sobre o notável aumento da frota de veículos particulares, cujo tema poderia, inclusive, render um novo trabalho. Esse é um fato que decorre de diversas causas sociais, culturais e políticas importantes, como por exemplo, o predomínio de um “culto à individualidade” na atual sociedade de consumo, a ideia promovida pelas propagandas que relacionam o “automóvel como sinônimo de luxo e poder” e a inegável possibilidade de deslocamento mais confortável e menos limitada que um carro particular oferece. Não obstante as vantagens do uso do automóvel, muitos obstáculos estão surgindo para minimizar esse conforto, muito bem registradas por FREDERICO, (1997, p.417):  

 

A convivência entre números elevados de veículos não é pacífica nem tranqüila. [...] A escassez de espaços públicos para o estacionamento de veículos obrigou a restrições crescentes, prejudicando o atendimento porta a porta. O crescimento geométrico das taxas de motorização nos centros urbanos ficou muito acima da capacidade de o setor público atender a tal demanda com sistemas viários adequados. Os decorrentes congestionamentos passam a diminuir e, por vezes, a anular a liberdade horária. Nas horas de pico, o uso do automóvel passa a ser regido pelo horário em que o congestionamento seja menor. [...] Em cidades com níveis exasperantes de congestionamento, como ocorre em Bangcoc, as facilidades eletrônicas, como computadores portáteis e telefonia móvel, fazem com que os automóveis passem a servir como escritórios itinerantes: seus usuários trabalham enquanto perdem horas em seus deslocamentos.

As restrições e inconvenientes decorrentes da convivência entre os automóveis no cenário urbano podem, em casos extremos, significar a anulação das vantagens intrínsecas daquele transporte. Assim, o transporte coletivo pode aproximar-se do transporte individual na preferência do usuário.

 

Este cenário configura-se em um resultado lógico do aumento resultante da disseminação de veículos em uma cidade, situação que está começando a ser verificada na cidade de São Luís. Apesar dessa situação, um grande número de habitantes depende do sistema coletivo de transporte, que enfrenta dificuldades passíveis de serem constatadas por qualquer cidadão como os atuais congestionamentos e o constante crescimento do número de usuários.

É inegável que a população ficou satisfeita com as diversas melhorias advindas do Sistema Integrado de Transporte (SIT) implantado pela Prefeitura de São Luís. Este sistema, cuja administração é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte - SMTT, foi criado em 1996, com a inauguração do primeiro terminal na Praia Grande - Centro Histórico da cidade. Em 2006, foi inaugurado o Terminal de Integração Cohama/Vinhais e, atualmente, o SIT possui cinco terminais com linhas integradas: Praia Grande, São Cristovão, Cohab-Cohatrac, Cohama-Vinhais e Distrito Industrial. De acordo com informação fornecida pelo superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte, a frota que circula hoje em São Luís é de 1.108 veículos, que operam em 169 linhas urbanas e 31 semi-urbanas, transportando cerca de 500 mil pessoas por dia. (Informação verbal em 06 de junho de 2012).

A questão do transporte público urbano envolve sempre a relação entre o Estado (poder público/regulador), os usuários (demanda), os empregados e empresários (oferta). Durante as últimas semanas, a população acompanhou atentamente através dos veículos de comunicação o impasse que surgiu entre o Sindicato dos Rodoviários do Estado do Maranhão (STTREMA), Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de São Luís (SET), o TRT da 16ª Região e o Ministério Público do Trabalho. O fato é que, após frustradas tentativas de conciliação, os rodoviários decidiram pela greve no dia 15 de maio, com paralisação de 50% da frota.

O dissídio coletivo de greve em atividade essencial foi ajuizado pelo Ministério Público do Trabalho, que possui legitimidade para tal de acordo com o art. 114, § 3º da CF/88, em face do Sindicato dos Rodoviários do Estado do Maranhão (STTREMA) e do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de São Luís (SET) com pedido de liminar de tutela antecipada para garantir o funcionamento de pelo menos 50% dos coletivos durante a greve. Lembrando que a instauração da instância em 11 de maio respeitou o prazo mínimo de aviso de greve em atividades essenciais (72 horas) previsto no artigo 13 da Lei de Greve.

Consta na petição inicial que um pontos controversos levantados na audiência de medicação realizada em 03 de maio de 2012 foi a informação do presidente do Sindicato Patronal de que a tarifa de São Luís é “a menor das capitais brasileiras e que a média da gratuidade gira em torno de 28% enquanto a média nacional das capitais é de cerca de 9%, razão porque não há condições de exame da proposta de reajuste salarial, sem que haja um realinhamento de custos”.

Por outro lado, “o sindicato profissional informou que a sua pretensão consiste no aumento salarial de 16%, reajuste de 31,96% no valor do ticket alimentação (passando dos atuais R$ 341,00 para R$ 450,00). Requer também o acréscimo de um dependente no plano de saúde, suportado integralmente pela empresa, bem como que o plano odontológico também seja acobertado pela Empresa. Por fim, pleiteia a redução de jornada de 7 horas e 20 minutos para 6 horas”.

É certo que o exercício de greve é um direito manifestado através de uma autotutela, mas, apesar disso, não é um direito absoluto e não deve “constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”, conforme o art. 6º,§ 1º da Lei de Greve. A sociedade não fica impassível, mas em geral, respeita esse tipo de movimento paredista, consoante Zangrando (2008, p.1511):

 

A greve é uma manifestação típica do sistema de exploração do trabalho humano. É um meio de força utilizado pelos empregados para obter uma solução rápida e favorável às suas reivindicações. Não se pode negar que a greve é, em si mesma, um ato de violência, entretanto, a sociedade excepcionalmente, consente com a sua existência, tendo em vista os seus fins relevantes.

 

Para evitar os abusos, o MPT apresentou dentre os pedidos, a proibição de movimentos como a “‘operação tartaruga’, a interrupção dos itinerários dos veículos de transporte coletivo antes da conclusão do percurso ou até mesmo a parada desses veículos nas vias públicas para provocar congestionamentos”. Quanto ao reajuste salarial, foi sugerido que acompanhasse o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) do período resultando em cerca de 5,3%.

Em 17 de maio, a Presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão, Desembargadora Ilka Esdra Silva Araújo, concedeu reajuste salarial linear de 7% aos rodoviários (índice que, segundo sua convicção, corresponde racionalmente ao resultado da análise dos documentos juntados, o IGPM, as planilhas apresentadas pela Secretaria Municipal de Trânsito e Transporte, a média de aumento concedido por outros tribunais ou conciliado pelas partes em outras capitais e argumentos suscitados pelas partes) e determinou a suspensão imediata da greve, dando ciência da decisão às partes. (Informação disponível em: http://www.trt16.jus.br/site/index.php?noticia=25119).

Os trabalhadores, por não terem os demais pedidos apreciados - de reajuste no valor do ticket alimentação, da reativação do plano de saúde com a inclusão de um dependente, plano odontológico e redução de jornada, optaram pela continuidade da greve com interrupção de 100% da frota circulante. Deste modo, em 21 de maio o TRT recebeu comunicado do SET e da SMTT de que o referido sistema de transporte encontrava-se totalmente inoperante. O MPT solicitou então, que:

 

Conforme amplamente noticiado pela imprensa local, tornando-se pois, fato público e notório, independente, portanto de prova, à luz do disposto no art. 334 do CPC, de aplicação subsidiária, aos rodoviários de São Luís, em afronta à decisão proferida por V.Exa., em sede de tutela antecipada, resolveram, a partir da zero hora desta segunda-feira (21.05/2012), paralisar 100% da frota circulante nesta capital. Assim considerando o descumprimento da determinação contida no Dissídio Coletivo nº 0010400-87.2012.5.16.0000, vimos requerer que V.Exa. se digne a

a)       Com fundamento no art. 14, da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, declarar a abusividade do movimento paredista;

b)       Com apoio no art. 7º, parágrafo único, do mesmo diploma legal, autorizar os empresários a contratação de trabalhadores substitutos;

c)       Aplicar, imediatamente, a multa prevista para o descumprimento da decisão antecipatória de tutela;

d)       Tomar medidas necessárias à apuração do crime de desobediência à ordem judicial, tipificado no art. 33 do CP. (grifo nosso)

 

Em decisão proferida no dia 21 de maio, a Desembargadora Presidente concedeu todos os pedidos acima, acrescentando ainda a “autorização aos empregadores de demitir por justa causa e contratar outros trabalhadores para suprir os postos de trabalho, nos termos da tutela concedida”.

Em entrevista que nos foi concedida pelo superintendente do SET, Luis Claudio de Andrade Siqueira, o Sindicato iniciou um processo seletivo com vistas à contratação de novos funcionários em que “compareceram cerca de mil candidatos”. Contudo, em virtude das exigências necessárias, a seleção mostrou-se inviável de ser realizada no curtíssimo período de tempo exigido. Importante ressaltar que a dificuldade não estava restrita “à comprovação de experiência prévia superior a três anos”, conforme notícia divulgada no site do TRT, cujo título era “Presidente do TRT determina que SET se abstenha de exigir comprovação de três aos para contratar” (Disponível em http://www.trt16.jus.br/site/index.php?noticia=25440), mas sim à vários outros critérios como uma necessária avaliação psicológica, por exemplo.

Assim, por considerar a necessidade urgente de retomar a circulação dos ônibus na cidade, o SET divulgou nota na qual afirma que estava:

 

disponibilizando toda a sua frota para operação imediata por quem o TRT determinasse e considerasse habilitado para tal tarefa, e sob a supervisão da SMTT, podendo requisitar por ordem judicial, policiais militares, policiais civis, policiais federais, agentes da guarda municipal, agentes municipais de trânsito, oficiais do corpo de bombeiros e/ou defesa civil, etc.

 

O TRT, através de despacho datado de 24/05 registrou que o pronunciamento do SET traduz a

 

forma desrespeitosa, antidemocrática e irresponsável quanto à assuntos da mais alta complexidade [...] sendo desnecessário lembrar que as instituições públicas citadas não se prestam à finalidade apontada pelo sindicato dos patrões, o que somente está sendo objeto deste despacho em razão de tamanho descalabro, insensatez e deboche contidos na nota de autoria do sindicato apontado.

 

Essa situação poderia, inicialmente, ser compreendida como um “mal entendido” entre as partes ou então como uma tentativa de transmitir a resolução do problema para a outra parte. Talvez este fosse um caso de que “o juiz resolve o processo formalmente, mas não compreende o conflito”, visto que a exigência de contratação imediata de novos funcionários acarretaria em uma insegurança por parte da população, que estaria “entregue” a uma quantidade enorme de profissionais em treinamento. É possível perceber, inclusive, que em nenhuma das notificações emitidas pelo TRT, foram ponderadas as dificuldades e os perigos de autorizar funcionários sem uma devida preparação a assumirem uma função que exige, no mínimo, qualidades como atenção, vocação e preparação.  

O MPT, por sua vez, considerou desnecessária a decisão de autorizar a demissão dos grevistas por justa causa, esclarecendo que “o contrato desses trabalhadores encontram-se suspensos, desonerando os empregadores”. Essa decisão do TRT resultou em tantas divergências que a Desembargadora, provavelmente em virtude de pressões, sentiu-se obrigada a conceder declaração que contradizia o seu próprio despacho de 21 de maio (Mandado de Notificação nº 36/2012 do Processo nº DC – 00104-87.2012.8.16.000), quando afirmou em entrevista a um telejornal local que “não havia autorizado nenhuma demissão por justa causa”.

Os recursos aconteceram da seguinte forma: em 22 de maio, o SET ingressou com embargos de declaração contra a decisão proferida para pedir redução do reajuste de 7%. Em 28 de maio, o SET havia ajuizado dois agravos regimentais e um embargo de declaração, e o Sindicato dos Trabalhadores (STTREMA) ajuizou em 26 de maio um agravo regimental.

Quanto ao crime de desobediência (art. 330 CP), de acordo com o Delegado Regional da Polícia Federal, Gustavo Paulo Leite de Souza, após a expedição de ofício à Superintendência da Polícia Federal no Maranhão pelo TRT, requisitando a instauração de inquérito para apuração do crime, os representantes do SET e do STTREMA compareceram perante a autoridade policial para dar ciência ao Termo Circunstanciado de Ocorrência, em virtude de se tratar de um crime de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei 9.099/95).  O Termo Circunstanciado foi encaminhado ao Ministério Público Federal para posterior análise sobre o oferecimento ou não de denúncia. (Informação verbal, 08 de junho de 2012).

A suspensão total da frota permaneceu de 21 a 25 de maio, sendo que os rodoviários retornaram a circulação de 50% no dia 26 de maio. O desfecho dessa situação, que penalizou a população da Ilha de São Luís ao inflacionar o valor das corridas de moto-táxis, provocar empurrões nas paradas de ônibus, interromper aulas em escolas e faculdades, prejudicar o comércio, obrigar indivíduos a caminhar por longas distâncias e até mesmo, a pernoitar no local de trabalho, aconteceu somente em 31 de maio, quando houve o comunicado de que o retorno das atividades dos rodoviários foi deliberado em assembléia geral extraordinária, autorizando ainda, a negociação e celebração de convenção coletiva de trabalho com vigência entre 1º de maio de 2012 e 30 de abril de 2014.

Os rodoviários decidiram aceitar o reajuste salarial de 7% (o salário dos motoristas passa de R$ 1.100,00 para R$1.177,00, o dos fiscais de R$ 650,00 para R$ 695,00, e o dos cobradores de R$ 622,00 para R$ 665,54) determinado previamente em julgamento de dissídio coletivo do TRT-MA, o reajuste de 7% no valor do ticket alimentação (aumentou de R$ 341,00 para R$ 365,00) e a definição de que nenhum motorista ou cobrador será demitido. As reivindicações relacionadas ao plano de saúde e odontológico serão negociadas nos próximos meses, quando patrões e empregados voltarão a conversar. Outras medidas também serão adotadas no futuro para viabilizar tal reajuste, como um “sistema de biometria facial a ser implantado nos ônibus para verificação dos cartões de vale-transporte, e a isenção do ISS.

Importante mencionar também que o resultado de uma experiência realizada com este “sistema de biometria facial” durante um mês em alguns ônibus que circulam na área Itaqui-Bacanga detectou que muitos passageiros conseguem burlar o sistema de passe livre, vale-transporte e meia-passagem utilizando de forma indevida cartões de outros usuários. Este sistema, já amplamente utilizado na cidade de Teresina, consiste na instalação de uma micro-câmera (imperceptível ao usuário) que faz a leitura do chip implantado na carteira de estudante ou passe livre e o rosto do usuário, para identificar o uso indevido da carteira.

Ao fim, o STTREMA foi multado em R$ 590 mil e o SET em R$ 740 mil. A multa foi aplicada aos dois sindicatos por crime de desobediência à ordem judicial, uma vez que a Justiça do Trabalho determinou o retorno de 100% dos empregados aos seus postos de trabalho mediante a concessão do reajuste linear de 7% sobre os salários dos rodoviários. Mas, por que o SET também foi multado se a categoria que estava em greve era a dos empregados (STTREMA)? Segundo a Desembargadora Presidente do TRT em despacho datado de 23 de maio:

 

É justo que o Sindicato dos Empregadores sofra as mesmas penalidades por não tomar as medidas necessárias para o efetivo funcionamento da frota, tendo em vista que são eles, os empresários, que detêm a concessão do serviço público em questão.

 

Aproveitando o momento, a população e o poder público teriam uma excelente oportunidade de discutir o que mais se aproxima do “justo” nesta situação confusa e cheia de especulações, de cunho político inclusive, em que se tornou a última greve dos rodoviários em São Luís.

 

Considerações Finais

 

A abordagem do dissídio coletivo de greve em serviço essencial mostrou-se bastante oportuna ao ser relacionada à avaliação sucinta de um caso concreto: o recente movimento paredista dos rodoviários em São Luís do Maranhão que se estendeu de 15 a 31 de maio de 2012.

Ao ter conhecimento sobre os tipos de conflitos coletivos de trabalho e os métodos de solução, foi possível perceber que as partes envolvidas nessa greve tentaram a autocomposição que, ao se mostrar insatisfatória, foi sucedida pela greve, considerada uma forma de autotutela, e pelo dissídio coletivo de greve em serviço essencial, que teve como suscitante o Ministério Público do Trabalho.

A partir das informações obtidas constatou-se que as negociações entre os atores envolvidos apresentaram dificuldades e que o cumprimento da lei não prevaleceu em algumas fases da greve. A escolha de suspender completamente a circulação dos ônibus, por se tratar de um serviço essencial, configurou claramente a abusividade e ilegalidade do movimento. O posicionamento da Desembargadora Presidente do TRT, por sua vez, demonstrou que algumas hesitações foram resultantes da complexidade de aplicar a lei em um caso concreto que envolve os direitos de uma coletividade. Após proferir a decisão em que determinava a aplicação de multa ao STTRMA e autorizava a demissão por justa causa dos grevistas, conforme prevê a Lei de Greve, a Desembargadora recuou afirmando que, em nenhum momento, mencionara a possibilidade de demissão por justa causa.

A decisão de contratar imediatamente novos funcionários também comprova que nesse caso havia um enorme distanciamento entre a disposição da lei e a realidade, tamanha a incoerência presente em uma situação de contratações-relâmpago de motoristas para suprir a necessidade essencial de transporte coletivo da população. A resposta do SET, ao perceber a impossibilidade de obedecer a essa decisão, foi disponibilizar a sua frota para a polícia e os bombeiros, se assim preferisse o TRT – atitude considerada um verdadeiro "deboche" pela Desembargadora.

É inegável a legitimidade e a força do movimento grevista, no entanto, não se pode admitir que os direitos fundamentais da população sejam violados, como aconteceu em São Luís. Espera-se que essa situação seja utilizada como exemplo para evitar, no futuro, os inúmeros transtornos resultantes de negociações tão longas e desgastantes.

 

REFERÊNCIAS

 

ANDRÈS, Luiz Phelipe de Carvalho C. Centro Histórico de São Luís – Maranhão: Patrimônio Mundial. São Paulo: Audichromo Editora, 1998.

FREDERICO, Cláudio de Senna; NETTO, Caetano Jannini  and  PEREIRA, Arnaldo Luís Santos.Transporte metropolitano e seus usuários. Estud. av. [online]. 1997, vol.11, n.29, pp. 413-428. ISSN 0103-4014.

HORN, Carlos Henrique. Negociações coletivas e o poder normativo da Justiça do Trabalho. Dados [online]. 2006, vol.49, n.2, pp. 417-445. ISSN 0011-5258.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9 ed. São Paulo: LTr, 2011.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve como direito fundamental. Curitiba: Juruá, 2000.

LIRA, Fernanda Barreto. A Greve e os Novos Movimentos Sociais. São Paulo: LTr, 2009.

MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Mediação judicial de conflitos coletivos de trabalho: forma eficiente de exercício do poder normativo. In: PINTO, Roberto Parahyba de Arruda (Coord.). O direito e o processo do trabalho na sociedade contemporânea: homenagem a Francisco Ary Montenegro Castelo. São Paulo: LTr, 2005. p. 256-266.

MARK, Karl; ENGELS, F. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Paz e Terra, 2001.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 35 ed. São Paulo: LTr, 2009.

SOUZA, Ronald Amorim e Souza. Greve e Locaute.  São Paulo: LTr, 2007.

PINTO, Roberto Parahyba de Arruda. O Direito e o Processo do Trabalho na Sociedade Contemporânea.  São Paulo: LTr, 2005.

ZANGRANDO, Carlos. Curso de Direito do Trabalho III.  São Paulo: LTr, 2008.

 

 

[1] O sindicato, conforme o art. 513 da CLT, goza da prerrogativa de representar os interesses gerais da respectiva categoria e os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida.

[2] A negociação coletiva é tema da Convenção n. 98 da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, e da Convenção n.154, sobre o Fomento à Negociação Coletiva.

[3] O art. 15 da Lei 7783/89 prevê que a responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

[4] O dissídio coletivo não pode ser instaurado sem a prévia tentativa de negociação (art. 114 CF/88 e art. 3º da Lei 7783/89).

 [5] O art. 114 § 1º da Constituição Federal dispõe que, resultando frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.

[6] O art. 856 da CLT a instauração do dissídio coletivo (processo judicial de solução de conflito coletivo do trabalho) por qualquer das partes ou por requerimento do Ministério Público do Trabalho, “sempre que ocorrer suspensão do trabalho”, nos termos da lei.

[7] De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Maranhão tem 25,7% dos seus 6,5 milhões de habitantes abaixo da linha da miséria (ganham até R$ 70 por mês). No Piauí, o índice é de 21,3%, ou 665 mil pessoas.


Download do artigo
Autor:


Artigos Relacionados


Conceito, Competência E Classificação Dos Dissídios Coletivos

Direito De Greve No ServiÇo PÚblico E A AplicaÇÃo Da Lei 7.783/89

Diferenças Entre Relação De Trabalho E Relação De Emprego

O Poder Normativo Da Justiça Do Trabalho: Considerações Após A Emenda Constitucional N.º 45/04.

O Poder Normativo Da Justiça Trabalhista Pós A Emenda Constitucional 45/2004

A Grave Dos Bancos E A Emissão Dos Novos Números De Pis

A Coisa Julgada No Processo Coletivo