Função social dos contratos: uma visão jurídica e econômica



  1. 1.    Introdução.

 Este trabalho visa a demonstrar duas perspectivas a respeito da função social dos contratos e como seus reflexos recaem sobre a sociedade.

A primeira visão abordará o entendimento, através do direito, no tocante à intervenção estatal no âmbito contratual com a criação do conceito função social. Já a segunda, através de argumentos econômicos, abordará um entendimento diverso da primeira, relativo à reação do mercado quando há intervenção nos contratos, modificando suas cláusulas.

 

  1. 2.    Aspectos jurídicos da função social dos contratos.

 O código civil vem sofrendo constantes transformações com o objetivo de adequar, através da intervenção estatal, as forças existentes na relação contratual. Tal diploma legal, com princípios reguladores até então constituídos, ganhou conceitos indeterminados, ou como diríamos, “cláusulas abertas” onde está inserida a função social.

O contrato, instrumento utilizado há tempos e principalmente com o seu ápice no Liberalismo econômico, foi a forma encontrada para exteriorizar a vontade humana, movimentando as riquezas da sociedade, ainda mais pela velocidade que as negociações se perfizeram no tempo. Como componente imprescindível para a regulação econômica, o contrato não ficaria de fora dessas mudanças, principalmente em sua principiologia. Devem-se considerar novos parâmetros jurídicos para uma melhor regulamentação deste instituto, no intuito de ampliar os frutos no mercado econômico.

Diante disso, as mudanças oriundas do Código Civil de 2002, veio dar uma nova caracterização aos contratos com o fim de estabelecer uma política de proteção contratual. É o que dispõe o artigo 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.

Ao limitar a liberdade contratual, houve uma relativização do pacta sunt servanda. A autonomia da vontade não é mais absoluta, assim como a propriedade também não é, por força do art. 5.º XXIII da Constituição Federal que por analogia foi transportado para a Teoria dos Contratos.

Neste contexto é que se insere a função social. Isto se dá porque, com a concentração de grandes indústrias e comércios, os “gigantes” do mercado podem cometer abusos por meio de estipulações de cláusulas contratuais excessivamente onerosas (por meio de condições contratuais postas unilateralmente). E com a atuação do Estado na economia, há um entrave deste tipo de articulações por meio daqueles que detêm os meios de produção e, consequentemente, coíbe as chamadas cláusulas abusivas que atingem frontalmente a boa-fé e o equilíbrio entre os contratantes. Neste momento notamos o declínio da autonomia da vontade.

Mas não somente as partes relacionadas no contrato estão sendo protegidas com a atuação estatal, mas também terceiros que sofrem com os reflexos da relação contratual. Daí o papel relevante do Estado no domínio econômico, principalmente nas relações negociais, limitando a autonomia da vontade. Com tantos interesses em jogo, o Estado não poderia permitir que desejos egoísticos do homem, (exteriorizados pelas cláusulas contratuais) se sobreponham ao interesse comum. Fernando Horta Tavares (2000, p. 78) comenta sobre o tema:

 

A intervenção do legislador no domínio contratual antes reservado à estrita autonomia da vontade das partes tornou-se imperiosa para impedir os abusos a quem chegaram, por exemplo, os contratos de adesão. Destarte, o contrato deixa de pertencer à esfera de atuação dos indivíduos para se inserir no âmbito da ordem econômica e social.

A ação Governamental, aponta João Bosco Leopoldino da Fonseca (1998, p. 87), seguiu no sentido de proteger efetivamente o consumidor, tendo como objetivo assegurar a boa-fé e o equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores, garantindo-se aos consumidores o direito à “modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (inciso V, art. 6.º, da Lei 8.078/90

 

No entanto, o bom senso deve ser observado quanto ao intervencionismo estatal, pois a autonomia do indivíduo na elaboração do pacto contratual não pode desaparecer. Exige-se moderação por parte do ente estatal, visto que estamos vivendo em um Estado Democrático de Direito que consagra a livre iniciativa e é através desta que a economia é impulsionada. Embora haja limitação na liberdade nas relações contratuais, isto não quer dizer que o sujeito esteja impedido de satisfazer seus interesses econômicos por vedações descabidas feitas por parte do Estado, alegando estar dando aplicabilidade à função social.

 

  1. 3.    Perspectiva econômica sobre a função social dos contratos.

A função social dos contratos tem como característica essencial a socialização, a busca pela “justiça social”, sendo um modelo paternalista, uma maneira de equilibrar possíveis antinomias existentes entre o contrato e seu resultado no mundo econômico. No entanto, essa possível igualdade que o Estado espera que exista no mundo contratual, através da proteção da parte considerada mais fraca, para a economia não se dá dessa maneira. Para esta ciência o grupo de pessoas que integram o mercado é que seria o paradigma de igualdade.

Importante ressaltar a conclusão de Luciano Benetti Timm (2008, p. 80)

 

Em uma perspectiva de direito e economia, o contrato, de fato (ou como um fato), não é um elo solidário entre pessoas vivendo em sociedade, mas sim um transação de mercado na qual cada parte se comporta de acordo com os seus interesses, como se estivessem em um jogo armando as suas estratégias (individualismo). Dessa forma, como evidenciado pela teoria dos jogos, uma parte somente irá cooperar com a outra na media em que puder desfrutar de algum benefício proporcionado pelo jogo (a menos que o direito contratual ou a moral ditem as regras e estabeleçam o contrário).

 

 

O que o autor aduz é que o mercado, enquanto espaço público disponível para a interação social deve ser usufruído de forma espontânea, pois ao tentar garantir uma isonomia dos frutos contratuais, o Estado pode ocasionar um prejuízo a um número bem maior de pessoas do que garantir bem estar àqueles que são considerados a parta mais fraca da relação. A explicação para isso é que a economia tende a busca pela eficiência e, muitas vezes sofre entrave por decisões judiciais, ocasionando altos custos que são repassados para a maior parte da população. Dessa forma, custos altos enseja o afastamento de práticas negociais antes tidas como comuns, contabilizando um retrocesso na riqueza do país, como bem explicado pelo autor:

 

A intensificação da proteção legal de uma das partes (locatários, por exemplo) traz em seu bojo, geralmente, um aumento total de custos ao mercado (locação, no caso). Estes custos terminam sendo repassados aos sujeitos atuantes do lado da demanda, os quais pagarão um preço mais alto. Ainda que se considere que nem todos os custos serão repassados, isso não significa um ganho de eficiência (melhoria de bem-estar). E este é o motivo pelo qual, geralmente, os objetivos da justiça redistributiva colidem com os propósitos de eficiência, no direito dos contratos. (TIMM, Luciano Benetti, 2008, p. 89)

 

Outra consequência da intervenção judicial nos contratos feita de forma excessiva é o aumento dos custos nas transações comerciais dificultando os negócios e cumprimento das obrigações, bem como uma possível insegurança jurídica no ambiente econômico, como diz Luciano Benetti Timm (2008, p. 66).

O direito deve apenas fazer cumprir os contratos e não intervir na livre na manifestação de vontade dos contratantes, como a maioria dos juízes vem proferindo suas decisões neste sentido como podemos ver a seguir:

 

Os agentes econômicos estão cientes desse papel de “promotor da justiça

social” que os magistrados desempenham. O que é de forma, incorporado aos preços, na forma de risco econômico. Ao invés de garantir a minimização dos riscos, o judiciário se tornou o risco. Consequentemente, os investimentos praticamente desaparecem, pois o risco se tornou enorme, sendo pouco atrativo.  A coletividade acaba sendo prejudica por essa busca pela “justiça social” que os magistrados perseguem.(SOUZA, Fábio Duarte de, 2006, p. 32).

 

Isto se dá porque os juízes, tentando atender a função social do contrato (definição não estabelecida pelo legislador), passam a estabelecer parâmetros que entendem adequados a atingir a finalidade e assim, a revisar cláusulas contratuais tomando por bases estes parâmetros na solução do caso concreto. Além disso, não detêm estatísticas ou instrumentos econômicos para chegar ao convencimento daqueles que estão sendo beneficiados na relação contratual e daqueles que não estão, e muito menos do alcance dos danos que determinado contrato pode causar Agem assim sem perceber que estão alterando o equilíbrio do mercado, pois alterando as pretensões e apostas de negócios declaradas em contrato pelos sujeitos, o mercado sofre junto, pois depende da estrutura concorrencial que uma vez abalado, os seus reflexos se espalham por toda a sociedade. Observemos o que Fábio Duarte Souza (2006, p. 29) expõe:

 

Sabemos que o mercado não é um ambiente regulatório perfeito, de maneira que só reste ao Direito fazer cumprir os contratos. De outro modo, sabemos que a revisão de contrato livremente firmados em ações individuais não tende a resolver o problema que gera o desequilíbrio entre as partes, nas relações privadas, pois o problema esta relacionado à estrutura concorrencial de mercado. O resultado será que maior ou menor o poder de barganha dos contratantes em um uma relação contratual nada mais é que o reflexo de questão de estrutura e maior do que a relacionada à estrutura em jogo. (SOUZA, Fábio Duarte de, 2006, p. 29).

 

Partindo do pressuposto que muitas decisões judiciais extrapolam sua competência, qual seja a de fazer cumprir os contratos, atitudes individualistas dos sujeitos por trás de grandes negócios empresariais (de enorme repercussão para a economia de qualquer sociedade) visando a busca de melhores negócios são tolhidas. Sendo assim, seguindo este raciocínio, para a economia o contrato não está atingindo sua função primordial: a de fazer circular bens e serviços no país.

Portanto, espera-se que os Tribunais não interpretem as cláusulas do contrato de forma livre, discricionária ou sem parâmetro algum na busca da função social ou justiça social, pois ao intervir no mundo contratual sem elementos plausíveis, afetará o mercado que por sua vez, elevará os custos aos consumidores pobres, que são os que mais sofrem com o reflexo do mercado.

 

 

  1. 3.    Conclusão

 Percebemos que com o advento da função social, o contrato passou a ser encarado não somente como um instrumento viabilizador de vontades, mas como o meio para satisfação social relativo à movimentação de bens provenientes das relações contratuais.

O Estado, percebendo um desequilíbrio entre as partes com a sobreposição de uma vontade sobre outra (através de cláusulas abusivas) passou a positivar a função social, tentando fazer justiça que é exercida pelos nossos tribunais.

Ao revisarem cláusulas contratuais, há uma supressão da vontade dos sujeitos do negócio, gerando um desequilíbrio no mercado que, por conseguinte, elevará os preços dos produtos que serão repassados para toda sociedade. Isto tudo devido à desistência pelos negócios, pois uma vez vedados pelo judiciário, o mercado deixa de ter sujeitos à procura de apostas negociais.

O que se que evitar é que os magistrados interpretem e modifiquem cláusulas contratuais de forma discricionária, ensejando uma provável insegurança jurídica, pois o mercado, que depende das decisões previstas contratualmente sofre influência que, por sua vez, atingirá toda a sociedade.

 

  1. 4.    Referências Bibliográficas:

ERNICA SANTOS, Paulo Henrique; GONÇALVES PARO, Vilmar; LAZARINE, Maycon Roberto. A função social do contrato. Revista DCS ON LINE, v.1, nov. 2005. Disponível em: <http://www.cptl.ufms.br/dcs/dcsonline/artigos/artigo_02.pdf> Acesso em 28 de maio 2012.

 

SOUZA, Fábio Duarte. Análise econômica da função social do contrato, set de 2006. Disponível em http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_2/fabio.pdf>. Acesso em 28 de maio de 2012.

 

TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. Direito & Economia. 2ª ed, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008. p. 63-96.

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Autor: Susan Stephany Andrade Silva


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