RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO UNIÃO ESTÁVEL PELO STF: Afronta explícita à carta política



1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente dentre os assuntos mais debatidos e discutidos pela sociedade brasileira orbita em torno do reconhecimento da união estável dos casais homossexuais.                          

Esses casais vivendo em comunhão de vidas volta e meia buscavam no Judiciário o reconhecimento de sua situação jurídica como união estável, notadamente nos casos de falecimento de um dos companheiros, perquirindo a guarida do Estado em questões patrimoniais e previdenciárias.

Nesse liame o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) - autarquia federal - emitiu parecer por intermédio da portaria 513, na qual reconheceu o direito subjetivo daqueles que vivem em união homoafetiva em solicitar pensão por morte do companheiro mediante prova da união estável.

Entretanto, a mais significativa decisão para essa parcela de pessoas foi concedida pelo Pretório Excelso. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, considerou como núcleo de direito a união homoafetiva, respaldado no argumento que a Constituição da República veda o preconceito. Assim sob essa insígnia estendeu-se ao casal homossexual o direito de estabelecer união estável.

O presente trabalho se propõe a discorrer sobre a competência do Tribunal, mais precisamente, analisar-se-á se o Supremo Tribunal Federal extrapolou em suas funções.

2 DIVISÃO DAS FUNÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

2.1 Tripartição das funções

2.1.1 Breve nota histórica

Usualmente, de maneira incorreta, se convencionou a estudar a tripartição do poder. Em verdade, não é o poder que se divide, antes, tem-se a divisão de funções estatais. Entretanto, a tripartição das funções estatais que decorrem do poder estatal remonta a derrocada do absolutismo, sobretudo na França, pela celebre obra de Charles-Louis de Secondatt.

"Lorsque, dans la même personne ou dans le même corps de magistrature, la puissance législative est réunie à la puissance exécutrice, il n'y a point de liberté; parce qu'on peut craindre que le même monarque ou le même sénat ne fasse des lois tyranniques pour les exécuter tyranniquement. Il n'y a point encore de liberté si la puissance de juger n'est pas séparée de la puissance législative et de l'exécutrice. Si elle était jointe à la puissance législative, le pouvoir sur la vie et la liberté des citoyens serait arbitraire: car le juge serait législateur. Si elle était jointe à la puissance exécutrice, le juge pour-rait avoir la force d'um oppresseur. Tout serait perdu, si le même homme, ou le même corps des principaux, ou des nobles, ou du peuple, exerçaient ces trois pouvoirs: celui de faire des lois, celui d'exécuter les résolutions publiques, et celui de juger les crimes ou les différends des particuliers." (DE L'ESPRIT DES LOIS. p. 221-222).

Ressalte-se, contudo, que o Britânico John Locke há aproximadamente cem anos produzirá, ainda que, implicitamente, um esboço dessa repartição do poder em suas funções, conforme menciona Darcy Azambuja:

Locke é o primeiro escritor que realmente elabora uma teoria da divisão dos poderes. Inspirado na Constituição inglesa, diz ele em seus Ensaios que é necessário que as funções do Estado sejam exercidas por órgãos diferentes:

“O Poder Legislativo é o que tem que determinar s forma como se deve empregar o poder público, para proteger a comunidade e seus membros. As leis podem ser elaboradas em pouco tempo, e assim não é necessário que o Poder Legislativo esteja sempre reunido. Por outro lado, dada a fragilidade humana, grande seria a tentação de abusar do poder se as mesmas pessoas que fazem as leis devessem executá-las. Assim, o Poder Legislativo deve estar separado do Executivo.” Além desses dois poderes, Locke distinguia ainda o Poder Confederativo ou da relações internacionais, e o Discricionário, atribuições extraordinárias que o governo exerceria de acordo com as leis." (AZAMBUJA, p. 177-178, 1990).

Interessante perceber que a ideia de poder encontrar-se entrelaçada a historia do próprio Homem. Assim, percebe-se a ideia de poder na forma patriarcal de organização da sociedade ou ainda no denominado Estado Teocrático. Com efeito, a Bíblia, como fonte histórica de diversos povos revelam a noção de poder.

Com efeito, nota-se que a ideia de poder encontra-se indissociavelmente relacionada à de força, noutras palavras aquele que detinha maior força exercia o poder, impondo-se, portanto, pelo terror e pelo medo, infligindo os demais.

Esse cenário é tingido pelas expressões emitidas de Thomas Hobbes asseverando que “homo homini lupus", o que, por conseguinte, gerava um constante estado de guerra chamado pelo filósofo de “bellum omnium contra omnes”. Ou seja, imperava nos primórdios o regime da violência e da força, pelo qual cada um se estabelecia segundo sua própria força. Razão pela qual o Estado avocou para si o monopólio da violência.

As relações humanas naturalmente evoluem gradativamente com o desenvolvimento que o intelecto proporciona, modificando o entendimento e as maneiras de interação entre os indivíduos. Assim, na França entre 1643 e 1715, reinava Luiz XIV que, na falta de delimitação das funções do Estado Absolutista, afirmou “L'État c'est moi”, revelando em síntese o Estado Absolutista, o qual concentrava nas mãos do Monarca todas funções estatais.

Com exsurgir do Iluminismo desencadeou um movimento que desaguou em uma nova concepção de Estado que ostenta como marco histórico a Revolução Francesa em 1789 e a Independência dos Estados Unidos da América do Norte em 1776, ato referendado, de forma inédita, por meio de uma constituição escrita. Estes dois eventos históricos detêm destaque, vez quem, os ideários da corrente filosófica se materializaram nestes servindo de modelo a diversos Estados Nacionais posteriormente.

Assim, consagrou-se a divisão das funções estatais utilizando do sistema “checks and balances, também inspirado na obra de Montesquieu [só o poder freia o poder].

Insta ressaltar que não há divisão completa das funções estatais. Excepcionalmente, determinado “poder” pode exercer a função que a priori seria de outro. Assim, conclui-se que os “poderes” desempenham funções predominantes afetas a área de sua atuação. Noutras palavras cada um exerce uma função típica predominante e, excepcionalmente, desempenha outra que lhe é estranha.

2.2 Breve nota histórica pátria

No que respeita a realidade brasileira insta observar os acontecimentos após a proclamação da Independência em 1822, porquanto, apenas do divórcio com a Coroa Portuguesa há de se cogitar uma vida política, mais ou menos, livre, ainda que informe.     

Nesse ínterim imperioso mencionar que embora sob a égide um governo monárquico a primeira constituição nacional foi inspirada no modelo estadunidense. Como característica marcante observa-se a explicita contradição na Carta Política de 1824 com o modelo que a inspirou tendo sido, inclusive, outorgada pelo imperador.

Ademais, existia a previsão de quatro poderes e não três, além do executivo, do legislativo e do judiciário, o texto talhava em seu art. 10 o poder moderador exercido pelo imperador. Este poder sobrepujava os demais, de modo que, não havia independência entre uns e outros, conforme se percebe da leitura do art. 101.

No transcurso do tempo se seguiram constituições conturbadas, com progressos e retrocessos. Desse modo, a constituição de 1891 foi promulgada no período chamado de “república da espada”, cenário marcado pela saída da família real do Brasil após perder sustentação política com a assinatura da Lei Áurea em 1888 pela Princesa Isabel. 

Antes da Carta Política de1988 aditadura foi evento marcante e ainda não cicatrizado por inteiro na sociedade brasileira. Nesse momento histórico foi decretado o Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. Este foi um dos diversos decretos impostos durante a ditadura, no entanto, este se destaca dos demais por ser o que sobrepujou a Constituição vigente (1967), desdobrando-se na cassação de direitos e garantias civis, além do fechamento do Congresso Nacional, dentre outros.

O fim estado opressor findou-se, completamente, com a promulgação da Constituição de 1988 no dia 5 de outubro – Carta Política que vige atualmente. Com vistas ao Texto Magno nota-se a consagração da divisão do poder em três funções, conforme espelha disposto no art. 2º, CR/88.                            

O texto constitucional excepciona ao definir que determinado poder exerça função atípica. Nesse sentido no art. 86, caput, CR/88 consta previsão que no crime de responsabilidade o Presidente da República será julgado perante o Senado Federal. Situação que exemplifica que dantes foi exposto, ou seja, não há completa divisão dos poderes, pois, de modo excepcional, há o exercício de um por outro.

3 INVASÃO DO STF NA SEARA LEGISLATIVA

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição ostentando o encargo de guarda e vigilância ao cumprimento do que dispõe a Carta Política, conforme se denota da leitura do art. 102, CR/88.

Entretanto, em que pese ser a última instância do Poder Judiciário lhe é vedado inovar a ordem jurídica posta. Antes deve zelar pelo cumprimento das leis emanados da Constituição.

O Pretório Excelso extrapola, por vezes, sua função e competência. Recentemente reconheceu a possibilidade jurídica de pessoas do mesmo sexo constituir união estável. Decisão que se constitui em verdadeira quimera, tendo em vista que fere, frontalmente, o sistema jurídico adotado pelo Brasil e por via de consequência defenestrou-se o próprio Texto Magno, além de romper com o equilíbrio entre os poderes instituídos.

A apenas e tão somente o poder originário derivado encontra-se autorizado a alterar o mais importante documento político do Estado. Considerando a sua aprovação no mais rigoroso de todos os procedimentos, pois, a emenda a Constituição representa mudança de toda a estrutura já estabelecida.

A decisão teve por escol a alegação de que o Texto Magno veda a discriminação e que homenageia a igualdade entre as pessoas. Entretanto, percebe-se que a igualdade é relativa e, portanto, a própria Carta Política pode discriminar assim esses argumentos não poderiam abalizar a decisão em reconhecer a união homoafetiva como apta a ser tida como união estável.    

É certo que a sociedade evolui e que o Direito deve regular as situações para que não se regrida aos primórdios, onde, como já explicitado, vivia-se sob a égide da vingança privada. Sob esse prisma o Estado deve sim passar a regular a situação daqueles que vivem e constituem essa espécie de família. Mas, a via pela qual se deu é absurdamente imprópria.

4 CONCLUSÃO

Indiscutivelmente a união homoafetiva deve ser regulada pelo Estado, mas, ressalte-se, dentro dos ditames talhados pelo Texto Maior de 1988. Evidentemente que para se alterar o Texto Legal deve-se alcançar e vencer as exigências próprias para esse tipo de alteração legislativa impõe ao Legislativo Bicameral.

Obviamente que não deve ser uma decisão – ainda que da mais alta Corte – ou por portaria de uma Autarquia Federal que se poderia lograr o reconhecimento da união homoafetiva na qualidade de união estável.

Não obstante, insta uma vez mais relembrar, o STF é guardião do Texto Maior e, sendo assim, deve zelar por seu cumprimento e não promover alterações e interpretações contrárias as disposições expressas.


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