A função social da propriedade como princípio do direito constitucional econômico



Introdução:

A Constituição da República de 1988, ao tratar da Ordem Econômica e Financeira, elencou como um dos princípios gerais da atividade econômica a propriedade privada, e, logo em seguida, a função social da propriedade (Art. 170, II,III,CR/88).

Para Pedro Lenza, ao estabelecer a propriedade privada como princípio da ordem econômica, o legislador assegurou a propriedade privada dos meios de produção. (LENZA, 2011, p.1140)

O direito de propriedade também aparece como um direito fundamental, previsto no Art. 5º, XXII, CR, entretanto, tal direito também é restrito ao atendimento da função social (Art. 5º, XXIII, CR).

O conceito de Propriedade constitui no direito de usar, gozar e dispor da coisa, e ainda de poder reivindicá-la de quem injustamente a detenha. Tal conceito pode ser extraído do Código Civil Brasileiro, em seu art. 1.228, que diz:

“O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”


Todavia, León Duguit inaugurou uma diferente abordagem do direito de propriedade, que segundo ele se fez necessária diante das transformações que ocorrem em nossa sociedade, exigindo que já na modernidade se considerasse a concepção de função social da propriedade, baseada em um sistema jurídico de ordem realista e socialista.

Sua teoria rompe com o sistema absolutista da propriedade estabelecido pelo Código de Napoleão e pela Declaração dos Direitos Humanos, e diz que cada indivíduo exerce um papel dentro da sociedade, possui uma função social. O proprietário exerce sua função social através da boa utilização de sua propriedade, não só em benefício de si mesmo, mas também para o bem do corpo social.

Portanto, nesta nova concepção de propriedade não é permitido que quem possua a coisa a deixe inutilizada, ele está obrigado socialmente a realizar sua tarefa, se não a cumprir ou a cumprir de forma incorreta torna legítima a intervenção do Poder Público para compeli-lo a realizar sua função social de forma correta.

Segundo Nelson Rosenvald, o direito de propriedade, em razão do princípio da solidariedade, impõe ao seu titular deveres individuais e difusos perante a coletividade, no sentido de que o seu agir seja voltado não só a satisfação de sua autonomia privada como também a um positivo conjunto de condutas funcionalizadas, capazes de balancear os interesses individual e social em uma dimensão de ponderação de interesses, eis que tanto a propriedade como a sua função social são direitos fundamentais.

 

Intervenção do estado na propriedade

 

            A desapropriação é forma de intervenção supressiva do Estado na propriedade, por meio de “procedimento de direito público pelo qual o Poder Público Transfere para si a propriedade de terceiro, por razoes de utilidade pública, de necessidade pública, ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de justa e prévia indenização.” (ALEXANDRINO, 2011, p. 962)

            Esse instituto é classificado como forma originária de aquisição da propriedade, tendo em vista que não advém de nenhum título anterior, tornando o bem expropriado insuscetível de reivindicação, liberando-o de quaisquer ônus que incidissem sobre ele anteriormente, ficando eventuais credores sub-rogados no preço.

            Superficialmente, podemos dizer que o pressuposto da utilidade pública consiste na existência de conveniência da transferência do bem para o Poder Público; a necessidade pública decorre de situações emergências que tenham como solução a desapropriação; e por fim, o interesse social, em que mais se realça o interesse social da propriedade, e que será abordado, a seguir, de forma mais profunda.

            O pressuposto do interesse social viabiliza a cobrança do princípio da função social da propriedade, permitindo que haja a desapropriação naquelas circunstâncias em que não há o devido aproveitamento do bem, justificando o seu condicionamento para melhor beneficiar a coletividade.

            O Art. 182, §4º, III, da Constituição/88 trata da desapropriação de imóveis urbanos, também regulada pela Lei 10.257/01, denominada Estatuto da Cidade.

            Esta modalidade de desapropriação é classificada como desapropriação-sanção, pois é conseqüência do descumprimento do plano diretor de cada município. O §2º do Art. 182, CR prevê que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. Ou seja, se o imóvel estiver adequado ao plano diretor não será passível de desapropriação-sanção, pois estará atendendo sua função social.

A desapropriação, neste caso, também fará jus a indenização, todavia, esta não será previa e em dinheiro, mas sim em títulos da dívida pública, emitidos previamente pelo Senado Federal, resgatáveis em até 10 anos, em parcelas anuais. O valor de emissão do título será o valor do imóvel, com garantia dos juros legais e da correção econômica.

Outra modalidade de desapropriação fundamentada no atendimento da função social da propriedade é a desapropriação rural, prevista nos Arts. 184 a 186 da Constituição Federal.

A desapropriação rural tem a finalidade de transferir para o Poder Público a propriedade de imóvel rural, para fins de reforma agrária, ou qualquer outro fim compatível com a política agrícola e fundiária. (ALEXANDRINO, 2011, p.981)

A competência para tal desapropriação é exclusiva da União, sendo os requisitos para o atendimento da função social os previstos no Art. 186, CR, quais sejam:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 

Por determinação Constitucional, não serão passíveis de desapropriação: a pequena e média propriedade rural, desde que seu proprietário não possua outra; e a propriedade que seja produtiva.

A indenização da desapropriação rural para fins de reforma agrária será prévia e justa, mas não em dinheiro, e sim em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis em até 20 anos, a partir do segundo ano de sua emissão.

Conclusão 

A partir da nova abordagem dada a Propriedade pela Constituição Brasileira, esta não pode mais ser vista apenas sob a ótica Liberal, que visa o individualismo. Esta, agora, encontra limites no exercício do seu direito, tendo como parâmetro o bem estar coletivo, e estará sempre atrelada ao cumprimento de sua função social.

O próprio constituinte se preocupou não apenas em fixar o princípio da função social como princípio geral da atividade econômica, mas também legislou sobre os meios de execução desse princípio, através dos Arts. 182 e 184 a 186 da CR, demonstrando a importância desses institutos para o alcance da finalidade da ordem econômica, que é, conforme o Art.170, CR, assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. 

Bibliografia:

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 19. ed, São Paulo: Método, 2011.

BRASIL. Código Civil. 12ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

DUGUIT, León. Las transformaciones del Derecho - Publico y Privado. Buenos Aires: Editorial Heliasta S.R.L., 1975.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro : Editota Lumen Juris, 2006. 

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Autor: Tamyres Ribeiro Santana


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