A responsabilidade do estado frente a concessão de serviços públicos



A identificação da responsabilidade civil do Estado frente aos contratos de concessão de serviços públicos, vez ou outra sentimos dificuldades em saber se trata de objetiva ou subjetiva. Isso se deve ao fato de a Constituição Federal de 1988 prevê uma coisa e a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, prevê outra coisa.

Assim, pretende-se com o presente artigo, buscar a resposta do presente problema.  

 

Palavras-chave: Responsabilidade do Estado. Concessão. Serviços Públicos.

 

Introdução

Concessão do serviço público trata-se do contrato administrativo em que a Administração Pública delega ao particular a execução de um serviço público, para que este o execute em seu nome, por sua conta e risco, assegurado-lhe, porém, a remuneração mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço. 

  Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua o seguinte:

“Entende-se por concessão de serviço público o ato complexo através do qual o Estado atribui a alguém o exercício de um serviço público e este aceita prestá-lo em nome do Poder Público sob condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Estado mas por sua conta, risco e perigo, remunerando-se com a própria exploração do serviço, geralmente pela cobrança de tarifas diretamente dos usuários do serviço e tendo a garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro.”

Assim, nota-se que, mediante a concessão de serviço público, a Administração Pública atribui a um particular encargos que lhe são próprios. O concessionário, desse modo, realiza incumbência que o ordenamento em regra destina ao órgão público.

Em relação ao serviço concedido, não há desvinculação da administração pública, uma vez que a concessão não significa abandono, continuando sendo serviço público, mesmo que realizado pelo particular. O Estado continua como fiscalizador e garantidor do serviço perante a coletividade.

Percebe-se que na concessão ocorre uma descentralização do serviço público, tendo em vista que sua execução é atribuída à outra pessoa, porém, sob o controle do Poder Público.

 

Conceito Legal e Características da Concessão

Segundo a Lei 8.987/95, a concessão é a transferência da prestação de serviços públicos, mediante concorrência, à aquele que demonstre melhor capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

Existem dois tipos de concessão, se tratando ambas de formas de delegação negocial.

A concessão de serviço público, que é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou consórcio de pessoas jurídicas a execução de atividade de interesse coletivo, sendo ela remunerada através de sistema de tarifas pagas pelos próprios usuários.

Já a concessão de serviço público precedida de execução de obra pública é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública ajusta com a pessoa jurídica ou consórcio de pessoas jurídicas a execução de determinada obra pública, por sua conta e risco, delegando a estas após a conclusão sua exploração por determinado prazo, sendo que, após expirado este prazo o Estado retoma sua exploração.

            A concessão possui as seguintes características:

- Existência de um poder público concedente;

- A concessionária é a pessoa jurídica ou consórcio de pessoas jurídicas que executa o serviço por sua conta e risco, dentro de prazo determinado;

- A concessionária recebe remuneração diretamente paga pelo usuário do serviço, mediante o pagamento de tarifa;

- O poder público concedente fixa as normas para a realização dos serviços, fiscaliza o seu cumprimento pela concessionária, podendo ainda impor sanções a ela quando for o caso.

- O poder público é quem fixa e reajusta as tarifas;

- A concessão é feita por instrumento contratual e segue as regras do contrato administrativo.

O artigo 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal de 1988, tratando do regime de pessoas jurídicas concessionárias, dispõe que tais particulares colaboradores, a par dos direitos que farão jus, também têm deveres, como o de manter adequados os serviços que executarem, sendo exigido deles a observância destes princípios juntamente com outros.

 

Responsabilidade civil do Estado em razão da concessão de serviços públicos

Encontra-se disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, os fundamentos da responsabilidade objetiva do Estado, tendo em vista que o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas pessoas jurídicas concessionárias, se baseando na razão de falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades.

Já o art. 175 da mesma Constituição, em seu “caput”, tem-se que a prestação do serviço público incumbe ao Poder Público, considerado como gestor permanente do serviço público.

Dessa forma, não há que se falar que o Ente Estatal não responderá pelos atos de seus delegados concessionários, mesmo que a Lei nº 8.987/95 prevê o contrário (responsabilidade subjetiva) tendo em vista que a Constituição é Lei maior de nosso Estado, devendo, portanto, prevalecer assim.

Assim, pode-se concluir que a titularidade do serviço público, prevista no texto constitucional, foi atribuída ao Poder Público, que apenas delega a sua execução, e que o destinatário do serviço público é o povo, o usuário, o cidadão.    

Portanto, nota-se a responsabilidade da Administração Pública pelos danos causados por seus concessionários, até quando alheios à própria prestação do serviço público, desde que, porém, seja demonstrado o nexo de causalidade entre o fato danoso e a conduta omissiva culposa do ente público, na fiscalização que lhe compete exercer.

Neste sentido, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Pode dar-se o fato, contudo de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que atuava “em nome do Estado”, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso parece indubitável que o Estado terá que arcar com ônus daí provenientes. Pode-se então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles em que os agravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado. É razoável, então concluir que os danos resultantes de atividade diretamente constitutivas do desempenho do serviço, ainda que realizada de modo faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário, responsabilidade subsidiária do poder concedente.”  

Diversos doutrinadores afirmam que em se tratando de concessionárias de serviços públicos, sua responsabilidade é relativamente aos usuários, sendo ela subjetiva, devendo ser demonstrada sua culpa. 

A concessão, sendo um tipo de delegação de serviço público a pessoas jurídicas de direito privado, é uma forma de captar tecnologias e recursos privados, barateando e aumentando a eficiência do serviço, e conseqüentemente, ocorrendo uma diminuição dos gastos estatais, se tornando cada vez mais constante esta prática.

Apesar de a responsabilidade inicial ser atribuída ao concessionário, pode este exercer seu direito de regresso contra o poder público concedente, quando se ver no caso de ter ocorrido falha ou ausência na fiscalização por parte da Administração Pública, uma vez que, assim, terá o concedente contribuído juntamente com concessionário.

Nota-se também que se a culpa for da pessoa jurídica concessionária, e ela não tiver condições para a reparação dos prejuízos causados ao cidadão, pode ele se dirigir ao poder público concedente, porque este sempre terá responsabilidade subsidiária, devido ao fato de que o concessionário é seu agente.

Celso Antônio Bandeira de Melo tem o mesmo posicionamento:

“O dano foi efetuado por quem agia em nome do Estado e só pode ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e poderes incumbistes ao concedente.”

Assim, percebe-se que o Estado responde subsidiariamente, tendo em vista a falta de recursos da pessoa jurídica concessionária de serviços públicos.

Confere à Administração a execução do serviço público através de seus órgãos competentes, no entanto, se preferir repassar a um terceiro a realização desses serviços, não poderá, por isso, retirar a sua responsabilidade. Assim, quem executa este serviço é agente do Estado, e como tal, responderá pelo dano que vier a causar, admitindo, dessa forma, a responsabilidade solidária de quem executa a obra no caso de ter agido com culpa.

Entretanto, o que se tem defendido pela doutrina majoritária é a possibilidade de o Estado responder subsidiariamente quando se faltar patrimônio da concessionária.

Nesta esteira, Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Em se tratando de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de direito público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de direito privado, que inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegações explícitas (concessionárias de serviço público e delegados de funções públicas) ou implícitas (sociedade de economia mistas e empresas do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público propriamente dito). Isso porque não faria sentido que o Estado se esquivasse a responder subsidiariamente ou seja, depois de exaustas as forças da pessoa alheia à sua intimidade estrutural – se a atividade lesiva só é possível porque o estado lhe colocou em mãos o desempenho da atividade exclusivamente pública geradora do dano.”  

Dessa forma, não seria justo à sociedade se o poder público concedente não assumisse suas obrigações, tendo em vista que os serviços públicos cabe ao Estado prestá-los, e se este não observar certos preceitos, em suma também é responsável.

Cabível destacar por fim que, vários são os Tribunais que vêm decidindo pela responsabilização e conseqüente reparação por parte do poder público concedente, tanto em casos de omissão, quanto em casos de falta de presteza da pessoa jurídica concessionária, ou mesmo em casos em que não se sabe quem é o responsável pelo dano causado ao cidadão, e também quando há fiscalização, porém deficiente, estando caracterizada a omissão geradora da responsabilidade civil do Estado.

 

Conclusão

 

Viu-se que, segundo o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, o Estado tem responsabilidade civil por danos causados pelos seus agentes à terceiros, não podendo, assim, se ver excluído dessa responsabilidade, tendo em vista quando, por exemplo, seus agentes se mostrarem omissos ou deficientes na fiscalização das atividades da pessoa jurídica concessionária.

Portanto, se tratando de concessão de serviço público, permite-se afirmar que, em função do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, o Poder Público concedente responde objetivamente pelos danos causados pelas pessoas jurídicas concessionárias, em razão da presumida falha da Administração na escolha da concessionária ou na fiscalização de suas atividades, ou quando possa ser identificada a causa do evento danoso, desde que a concessão tenha por objeto a prestação de serviço público.

Por fim, é cabível enfatizar mais uma vez que, não há que se falar que o poder público concedente não responde pelos atos das pessoas jurídicas concessionárias, mesmo a Lei 8.987/95 prevendo que o Estado terá apenas responsabilidade subjetiva, uma vez que a responsabilidade objetiva encontra-se disposta expressamente em nossa Constituição Federal, sendo esta a Lei maior do Estado Brasileiro, devendo, portanto, prevalecer a mesma, sempre que houver confronto com leis infraconstitucionais.

 

Referências

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores, 4ª edição, São Paulo, 1993.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo Brasileiro. 27ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. Malheiros Editores. São Paulo, 2002.

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A responsabilidade civil nas concessões administrativas. Site do Curso de Direito da UFSM. Santa Maria-RS. Disponível em: . Acesso em 03. Jun. 2012.

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Autor: Roney Carlos Pereira


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