A (in)constitucionalidade da lei da copa sob a ótica dos princípios econômicos da livre-iniciativa e livre-concorrência.



A (in)constitucionalidade da Lei da Copa sob a ótica dos Princípios Econômicos da Livre-iniciativa e Livre-concorrência.

 

Raphaela Cruz Souza [1]


 

RESUMO: A Lei Geral da Copa carrega consigo dispositivos que afrontam nosso ordenamento jurídico em vigor. O presente artigo tem como objetivo identificar os abusos impostos pela Federação Internacional de Futebol (Fifa), em especial no que tange a venda casada de ingressos com pacotes turísticos ou de hospedagem e aos princípios da livre-iniciativa e livre-concorrência.

 

 

1 Introdução

As exigências estabelecidas  na Carta de Compromissos imposta pela FIFA para a realização do Mundial de 2014 no Brasil, traz uma série de afrontas aos princípios constitucionais e aos direitos fundamentais garantidos pelo nosso ordenamento jurídico.

Por esse motivo, inúmeras são as manifestações de descontentamento em relação a denominada Lei Geral da Copa, que impõe uma suspensão da legislação em vigor, antes e durante a realização dos jogos.  Mesmo que temporária, a intervenção traz danos irreparáveis aos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. E pouco é dito sobre isto.

Pelo fato de o projeto ter que ser aprovado com um ano de antecedência do evento, os parlamentares demonstraram pressa ao encaminhar a votação. A Casa Civil da Presidência da República informou que a presidente Dilma Rousseff sancionou com quatro vetos,  o texto Lei Geral da Copa, na noite desta terça-feira (05/06)

 

2 Princípio da Livre-iniciativa

A liberdade de iniciativa envolve a entrada do trabalhador no mercado de trabalho. Tal princípio está previsto no art. 170 da nossa Carta Magna, que dispõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Conforme leciona Alexandre de Moraes: 

"É através do trabalho que o homem garante sua subsistência e o crescimento do país, prevendo a Constituição, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade ao trabalho."

A livre iniciativa, segundo José Afonso da Silva, consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, já que a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista, e afirma também que:

'A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato.'

 

São algumas das características da livre iniciativa: possibilidade de empreendedorismo; alocação de recursos para mercados distintos; inexistência de barreiras de saída; carreira de trabalho determinado pelo próprio trabalhador;

Nesse sentido, o disposito da Lei da Copa que proíbe a divulgação, distribuição, venda, propaganda ou qualquer outra atividade promocional ou de comércio de rua nos Locais Oficiais de Competição, suas imediações e principais vias de acesso, fere o Princípio da Livre Iniciativa. Isso porque esses espaços serão de exclusividade comercial e propagandistas da Fifa e dos patrocinadores dos jogos.

 

3 Alguns pontos críticos da Lei Geral da Copa e o Princípio da Livre-concorrência

No que se refere à  Proteção e Exploração de Direitos Comerciais, a Fifa veda um artigo da Lei nº 9279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial e registra, sem qualquer pagamento, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), marcas, emblemas e demais “símbolos oficiais” da Federação. A utilização indevida de tais símbolos poderá gerar detenção de três meses a um ano.

Outro dispositivo refere-se à titularidade exclusiva da Fifa no que tange a captação de Imagem ou Som, Radiodifusão e Acesso aos Locais Oficiais de Competição. Dessa forma, somente ela poderá explorar, negociar, autorizar e proibir transmissões ou retransmissões. A presença da imprensa poderá ser impedida, e, ainda, estabelecimentos comerciais que retransmitirem as partidas do Mundial poderão ser punidos.

A questão mais polêmica e comentada está relacionada a venda de bebidas alcoólicas nos estádios durante o período da Copa do Mundo e da Copa das Confederações. Esta foi mais uma exigência da Federação Internacional de Futebol (Fifa) em razão de acordos com patrocinadores do Mundial.

Pelo fato de um desses patrocinadores ser a cervejaria belgo-brasileira Budweiser, esta será a única cerveja que poderá ser comercializada nos estádios. Isso coloca em risco o princípio da livre-concorrência.

Tal princípio está previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado.

Com a concorrência, os preços praticados tendem a manter-se nos menores níveis possíveis, beneficiando, dessa forma, os consumidores. Por outro lado, serve de estímulo à criatividade e à inovação das empresas, que terão que buscar outras formas de se tornarem mais eficientes para aumentarem os seus lucros.

E ainda, além disso ferir o princípio da livre-concorrência, essa decisão da suspensão, durante a Copa do Mundo de 2014, da legislação que proíbe a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios brasileiros vem sido vista como um verdadeiro retrocesso por parte dos membros do Ministério Público de todo o país. Isso porque desde 2008, nos jogos das séries A e B do Campeo­nato Brasileiro, nenhum torcedor pode consumir bebida de teor alcoólico dentro dos estádios.

Mesmo assim, o texto aprovado na Câmara e no Senado, apesar de não liberar expressamente a venda, retirou a proibição prevista no Estatuto do Torcedor.

 

4 Venda casada

Segundo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), a venda casada ocorre quando o ofertante de determinado bem ou serviço impõe para a sua venda a condição de que o comprador também adquira um outro bem ou serviço.

A prática da venda casada é proibida pela legislação brasileira, tendo em vista que viola diversas leis, regulamentos administrativos e dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, em especial o artigo 39, que proíbe expressamente o fornecedor de produtos e serviços condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço. E, ainda, o art. 5°, II, da Lei 8.137/90, que prevê:

 II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;

III – sujeitar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de quantidade arbitrariamente determinada.

 

A possibilidade da venda de ingressos de forma conjunta com pacotes turísticos ou de hospitalidade, prevista no art. 33, inciso II do projeto de Lei da Copa, divide opiniões. Por um lado, os representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) defendem que tal dispositivo fere o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a venda casada é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor.

Por outro, em resposta às manifestações dos representantes do Idec, afirmam os integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que a proposta da Fifa de venda casada de ingressos com passagens aéreas e hospedagem não deve ser considerada ilegal. Segundo o MPF, a venda casada de pacotes deve ser considerada infração apenas se não fosse possível a compra separada dos ingressos.

 

5 Conclusão

Enquanto uns consideram a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil um sonho, outros demonstram claramente a insatisfação com as violações dos direitos fundamentais e os altos custos inerentes às obras de estádios e infraestrutura.

Compartilho da opinião daqueles que defendem ser um retrocesso certas solicitações feitas pela Fifa, no sentido de que a Lei Geral da Copa suspende certas conquistas obtidas, por exemplo, pelo Código de Defesa do Consumidor e Estatuto do Torcedor, passando por cima da legislação em aspectos fundamentais para a população.

Por outro lado, existem fatores positivos que se bem aproveitados, podem durar após a Copa e proporcionar melhores condições de vida para toda a população, deixando um legado importantíssimo. É o caso dos investimentos em segurança e saúde. E ainda, o trabalho de recuperação de estradas, já que há tempos estavam precisando de investimentos para a sua recuperação.

A partir de agora, a pergunta "Até que ponto isto valerá a pena?"  deverá ceder lugar a torcida para que a Copa seja realizada com sucesso no país do futebol e que todo o investimento tenha valido a pena.

 

 [1] Graduanda em Direito na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

 

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2010.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 10 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001.

 

[1] Graduanda em Direito na Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais



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