A inteligência humana em xeque?



 

Pesquisadores da Universidade de Alberta, no Canadá, liderados pelo Dr. Jonathan Schaeffer, desenvolveram o Chinook, um programa de computador que é imbatível no jogo de damas. Isso ocorre porque o programa tem a capacidade de analisar todas as alternativas de jogo, e direcionar sua estratégia prevendo todas as possibilidades decorrentes de cada movimento, algo na casa dos quinhentos quintilhões de alternativas. Desde que seus resultados foram divulgados na Revista Science, em setembro de 2007, muito se tem discutido acerca da superação das máquinas em relação à capacidade humana de solução de problemas, renascendo debates sobre como “os computadores vão dominar o mundo”, a exemplo do Exterminador do Futuro, de Matrix, ou de outros produtos de Hollywood.

 

A criação do programa é importante, sem dúvida, mas por motivos diferentes do que normalmente os veículos de comunicação insistem em ressaltar. O Chinook representa um salto qualitativo (mais que quantitativo) na capacidade de processamento de informações. Mas não significa, em absoluto, que os computadores ficaram “mais inteligentes” que o ser humano. As máquinas, nossas novas ferramentas, são criadas exatamente para potencializar nossas capacidades, sob os mais diversos aspectos: desde o mais simples sistema de roldanas para aumentar uma força motriz, os motores que nos propiciam maior força e velocidade no movimento, os aceleradores de partículas que ampliam nossa capacidade de perceber o microcosmo, até, obviamente, os computadores, cuja principal função é melhorar e agilizar nossa capacidade de cálculo, dentre tantas outras funções. Nesse contexto, todas as ferramentas tecnológicas possibilitam que desempenhemos melhor as diversas atividades de nosso cotidiano.

 

Entretanto, os casos em que essas ferramentas colocam à prova nossas próprias capacidades parecem particularmente constrangedores: a derrota do grande campeão de xadrez, Garry Kasparov para o Deep Blue, em 1997, é um bom exemplo. Aqui, ainda havia esperança de surgir um herói que jogasse melhor que o Deep Blue. No caso do Chinook, não há. Ele é invencível. Mas não o é porque sua inteligência supera a humana. Ele nos suplanta em sua capacidade de processar dados de acordo com regras preestabelecidas, e só, e isso parece muito distante do que deve ser a inteligência humana. Não obstante, essa confusão entre inteligência e capacidade de cálculo pode ter uma causa subjacente, que se impõe a partir de um modelo de educação preexistente.

 

Não há como negar a importância da ciência em nossa vida. Conseqüência natural desse fato é que o sistema educacional privilegie métodos, técnicas e conteúdos fundados num caráter marcadamente cientificista que, todavia, pela simplicidade exigida na formação básica, não aborda em hipótese alguma o caráter problemático do conhecimento científico. Tudo parece se comportar como se ainda respirássemos ares iluministas, e que a ciência pudesse ser tomada como a grande forma de explicação de todas as coisas, ideal cuja sustentação é muitíssimo problemática há pelo menos um século. Ocorre que a ciência, muitas vezes endeusada, não passa de mais um sistema de crenças que possui seus critérios de justificação e prova e, sob esse aspecto, não se diferencia dos outros produtos do conhecimento humano. O problema é que, quando nos preocupamos em formar apenas técnicos que não questionam os princípios e o sentido daquilo que fazem, o trabalho intelectual se torna realmente muito próximo de um mero procedimento de cálculo. Formamos, via de regra, pessoas incapazes de entender que podemos e devemos questionar critérios, normas, e nos desvencilhar de velhos paradigmas para criar novas soluções. Profissionais que tiverem criatividade e talento não precisam temer o Deep Blue, assim como Jonathan Schaeffer não teme o Chinook.  

 

 

 

Jacintho Del Vecchio Junior

 

 

 

E-mail: [email protected]

 

 Publicado originalmente no Jornal de Jundiaí em 29/12/2007.

 

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