A ordem econômica e o direito constitucional



A ORDEM ECONÔMICA E O DIREITO CONSTITUCIONAL

Carlos Alexandre Freitas[1]

RESUMO

 

O presente artigo aborda a relação entre o Direito e a Economia, apontando a presença de conteúdos econômicos na Constituição Federal de 1988. Como a denominação de “Ordem Econômica”, no Título VII, contribui para a adoção de princípios e valores de sustentação para a ordem jurídica que almeja a justiça social. Apresenta o esboço sucinto do marco histórico nas constituições do aspecto econômico.

 

Palavras Chaves: Economia, Ordem Econômica, Constituição, direitos econômicos.

 

Introdução

 

            A economia sempre esteve ligada ao desenvolvimento da sociedade. As grandes mudanças que impactaram nas relações de trabalho e na configuração do Estado são as responsáveis pelo desenvolvimento de estudos que buscam compreender a relação dela com o Direito.

            Com a consolidação do Estado Moderno e as revoluções sociais que marcaram as lutas pelos direitos sociais em diferentes aspectos, surge a necessidade da adoção de uma regulamentação da atividade econômica, com o objetivo de garantir a efetivação das conquistas burguesas.

            Assim, as Constituições históricas inserem nos seus textos os direitos definidos sociais, entre eles os definidos como econômicos, contribuindo para avanços e rupturas com o modelo estatal liberal.

            Diante das conquistas e mudanças sociais, o Estado passa, também na sua esfera jurídica, a controlar a atividade econômica. Nesse sentido, há uma crescente influência do aspecto econômico na legislação, evidenciando que o Estado, além do aspecto político, necessita criar mecanismos de controle da economia, com o objetivo de promover o desenvolvimento da produção de riquezas, segundo os padrões capitalistas, sem tornar o homem como apenas uma mercadoria que fornece sua força de trabalho.

Direito e Economia

 

            A relação entre Direito e Economia não é algo novo na história das sociedades. Embora a autonomia do Direito, enquanto ciência jurídica, seja recente, e, o caráter positivo ou cogente de direitos econômicos, passaram a compor os Textos Constitucionais sob a denominação de “Ordem Econômica”, pode-se afirmar que a economia está presente no Estado, na Política e no Direito.

            Para poder compreender o estudo da economia no direito, ou o Direito Econômico, sendo aquela uma ciência mais antiga, podemos destacar o conceito desta ciência apontado por Alfred Marshal em sua obra Principles of Economics:

 

A economia é um estudo da humanidade nas atividades correntes da vida, examina a ação individual em seus aspectos mais estreitamente ligados à obtenção e ao uso das condições materiais de bem-estar (ROSSETTI, 2002, p.45).

 

            Pode-se agregar, ainda, o conceito exposto por Marco A. Sandoval de Vasconcellos:

 

Ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem utilizar os recursos produtivos de bens e serviços , do modo de distribui-los entre várias pessoas e grupos da sociedade, com a finalidade de satisfazer as necessidades humanas (VASCONCELLOS, 2006, p.03).

 

            Numa análise mais econômica, extrai-se ao conceito de Troster e Móchon:

 

A economia estuda a maneira como se administram os recursos escassos, com o objetivo de produzir bens e serviços e distribuí-los para o seu consumo entre os membros da sociedade (TROSTER; MOCHÓN MORCILLO, 2002, p.05).

 

            Comparando o primeiro e o segundo conceito demonstra-se que eles abrangem o aspecto social, não sendo a economia uma ciência exata pura, possui elementos envolvendo as complexas relações entre os indivíduos na sociedade.

O terceiro conceito foca o estudo dos bens, destacando a sua escassez e a sua disponibilidade, numa contradição entre a demanda e a oferta, tendo em vista que a natureza humana, diante das novas ofertas de produtos e serviços, não pode ter todos os seus desejos supridos, seja pelos recursos disponíveis na natureza, seja pelos recursos econômicos.

            Nesse sentido, os conceitos de economia apresentados estão diretamente atrelados ao sistema capitalista, à sociedade e ao conceito de Estado Moderno. Segundo Eros Grau, o que caracteriza a sociedade moderna, tendo como pano de fundo a consolidação do Estado, são a divisão do trabalho, a monopolização da tributação e da violência física (EROS, 2012, p.16).

            Será através do estado que os cidadãos terão seus direitos garantidos, e a economia, como sinônimo de produção de riqueza, ocupa, na sociedade contemporânea, elemento de integração e promoção dos indivíduos.

            O Direito Econômico se ocupará dos direitos individuais no âmbito da sociedade e das relações particulares na seara da coletividade, rompendo a dicotomia entre o Direito Público e Privado, pelo fato que a Economia constitui elemento fundamental nas relações jurídicas de todos os homens. (BAGNOLI, 2011, p.08).

 

Ordem Econômica

 

            O termo “Ordem Econômica” presente na Constituição Federal de 1988 deve ser compreendido como o estabelecimento de uma ordem jurídica econômica, voltada para o exercício estatal de regulamentação da economia como um todo, buscando garantir o desenvolvimento da sociedade brasileira em caráter contínuo. Cabe ao Estado brasileiro o papel de promover a “valorização do trabalho humano e da livre iniciativa”, objetivando a garantia de uma “existência digna”, conforme prescrito no Texto Constitucional.

            Para Eros Grau a “Ordem Econômica” deve ser tomada como um sistema de regras e princípios jurídicos. Ela “compreenderia uma ordem pública, uma ordem privada, uma ordem econômica e uma ordem social” (GRAU, 2012, p.59).

            Assim a constitucionalização dos direitos econômicos teria por função superar a tese liberal de estado não intervencionista, passando a contribuir para o rompimento de uma economia moldada num capitalismo predatório, selvagem, que não oferecesse aos seus cidadãos os direitos mínimos existenciais.

            Para José Afonso da Silva, a atuação do Estado, nesta moldura da “Ordem Econômica” pode ser assim sintetizado:

 

A atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo. Isso tem efeitos especiais, importa em impor condicionamentos à atividade econômica, do que derivam os direitos econômicos que consubstanciam o conteúdo da constituição econômica. (SILVA, 2005, p.786).

 

            A presença do aspecto econômico na Constituição representa um avanço, constituindo uma ampliação do “âmbito da Ordem Jurídica pelas diferentes áreas que passa a abranger, colocando-se no terreno de suas normas específicas”, contribuindo para a segurança o fenômeno de constitucionalização de diversas “ordens” que não ocupavam o Texto Constitucional antes de 1988. (SOUZA, 2002, p.15-16)

 

Breve contexto Histórico da constitucionalização dos direitos econômicos

 

            Os direitos econômicos que estão constitucionalizados no Título VII sob a nomenclatura de “Ordem Econômica” têm como marco histórico mundial a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar em 1919. Foram a partir delas que os demais textos constitucionais se inspiraram ou a sucederam, contribuindo para que os assuntos econômicos tivessem um tratamento jurídico. Representa um marco histórico na preocupação com a ordem jurídico-econômica e social. As diversas terminologias que serão empregadas, como ordem econômica, ordem jurídico- econômica que propiciará o surgimento do Direito Econômico propriamente dito. (BAGNOLI, 2011, p. 07).

            Em relação ao direito brasileiro, a primeira Constituição que tratará da temática será a de 1934, tendo como inspiração a Constituição de Weimar. Este processo de inserção do aspecto econômico não é obra do acaso. “Ao contrário, provem das mutações ideológicas experimentadas pela realidade brasileira, e neste caso, em consonância com aquelas que se processavam nos principais países em busca de adequação à realidade”. (SOUZA, 2002, p.139).

 

A Ordem Econômica na Constituição de 1988

 

            José Afonso da Silva ao analisar a Ordem Econômica prevista no Texto Constitucional, afirma que o estudo é sobre “os princípios da atividade econômica”, sendo eles “no sentido de fundamentos da ordem econômica”, abrangendo mais que o sentido de “normas-síntese informadoras do sistema”.

            Ele destaca o caráter aberto de grande parte dos temas tratados no Título , do Texto Constitucional. Não se trata de normas que definem o alcance material dos direitos econômicos, mas funcionam como princípios que nortearão o Estado brasileiro na busca pela justiça social, e a efetivação ou substantivação dos direitos e garantias fundamentais.

            O artigo 170 da Constituição da República, no seu caput, retrata os valores ou os aspectos principiológicos presentes na “Ordem Econômica”, assim elencados:

 

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (BRASIL, 2012, p. 38).

 

            Ainda nos seus nove incisos, estarão elencados os princípios que nortearão o aspecto jurídico econômico, comprovando que as normas constitucionais representam diretrizes que servem como fundamentos para a economia brasileira, norteando as políticas econômicas, públicas e toda a Economia de nosso país como um todo.

            Portanto, há uma preocupação estatal em preservar os valores do trabalho e da livre iniciativa com o intento de não ser um obstáculo ao desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo, permitir que a atuação dos diversos agentes econômicos seja pautada por princípios mínimos de exploração, organização e fomento da economia como forma de promoção da justiça social.

 

CONCLUSÃO

 

            A constitucionalização dos direitos econômicos constitui importante avanço na garantia formal de seus princípios, propiciando que o Estado brasileiro tenha como fundo político a preservação e a promoção de uma economia que garanta o mínimo de controle e regulamentação do mercado. A “Ordem Econômica” não constitui um dever-ser fechado, ou seja, a presença no Texto Constitucional de diversos temas atrelados a economia, funcionam como bases e princípios que definirão as políticas públicas, a atuação da iniciativa privada, e como o constituinte deverá elaborar todo o aparato infraconstitucional que regulará os direitos econômicos.

            O estudo da Economia relacionado com o Direito, dentro do cenário constitucional atual demanda estudos profundos, pois implica a compreensão de que sob as construções e conquistas de afirmação dos direitos e garantias fundamentais, o trabalho, no seus diferentes aspectos, é uma das bases da sociedade atual, e somente através de uma regulação eficiente da Economia que poderá se consolidar o estado democrático de Direito.

 

REFERÊNCIAS

 

BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico: (Série leituras jurídicas: provas e concursos, V 29). 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. 183p.

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2011. 835 p.

 

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília: Senado, 2012. 61 p.

 

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988: (interpretação e crítica). 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. 383 p.

 

ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à economia. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2002. 922p.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. 924 p.

 

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Teoria da constituição econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. 555p

 

TROSTER, Roberto Luis; MOCHÓN MORCILLO, Francisco. Introdução à economia. Ed. rev. e atual. São Paulo: Makron Books, 2004. 404p.

 

VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval de. Economia: micro e macro: teoria e exercícios, glossário com os 300 principais conceitos econômicos. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006. xviii, 441 p.

 

[1] Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MG

 

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