Memória em H. Dobal



                                   MEMÓRIA EM H. DOBAL.

 

Adriana Maria

Resumo

Do livro “O Tempo Consequente” do autor piauiense Hindemburgo Dobal Teixeira, foram extraídas as poesias Bucólica, Campo Maior e O Rio, para fins de análise acerca do valor que a memoria exerce  na construção da história individual do cidadão, bem como na busca de suas raízes e seus costumes com sua terra e sua gente. Levando em conta as inúmeras transformações pelas quais passam os ambientes e a sociedade é que a  memória poética procura abastecer esse diálogo, entre passado e presente, procurando manter viva essa identidade dentro de cada um de nós.

Palavra- Chave: transformações – sociedade – memória.

Abstract.

From the book "The Time Consequently" the author piauiense Hindenburg Dobal Teixeira, were extracted Bucolic poetry, and Rio Campo Maior, for analysis of the value that memory plays in the construction of the history of the individual citizen as well as the search for their roots and their customs with their land and its people. Taking into account the many transformations which are the environments and society is that the memory demand to supply this poetic dialogue between past and present, trying to keep that identity within each of us.

 Keyword: change - society - memory.

 

_________________________

*Formada pela Universidade Federal do Piauí em Letras - Português e aluna do curso de Especialização em Literatura e Estudos Culturais pela Universidade Estadual do Piauí-2012.

 

Com o advento do progresso  que quase sempre se torna necessário à sobrevivência do indivíduo, é que muitas vezes essas memórias são perdidas ao longo dos anos. 

 O Tempo Consequente de Hindemburgo Dobal Teixeira, livro de estreia do autor, é dividido em dois momentos; “O Campo de Cinzas” e “Formas Incompletas”. Das fazendas de sua avó ao rio Parnaíba, dos costumes de seu povo e das paisagens de sua cidade, ambos modificados ao longo dos anos, Dobal  deixa transparecer todo o seu desencanto, solidão e melancolia, frente às novas mudanças que o ambiente, outrora permeado de sonhos de infância vem transformando-se  ao longo dos tempos.

 Usando de linguagem simples sem clichês e artifícios, exaltou sua cidade tão desassistida com uma poesia que refletia a visão do homem e sua condição precária.

A poesia de Dobal é considerada memorialística e conservadora, no sentido de guardar e preservar reminiscências de sua cidade e sua infância, relata ainda uma poesia preocupada com as questões sociais e com as transformações dos ambientes tão  admirados pelo poeta.

 

Esta cidade ardente, poucos homens a trazem na lembrança ou no coração. É uma cidade, simples, tranquila. Aqui não há becos, nem ladeiras, mistérios, nem tradições. Cem anos não deixam de acumular muita cousa na vida de uma cidade que já nasceu velha e que sempre teve o ar de uma aldeia grande, como notou um viajante ilustre e mal humorado. Um ar que se transforma aos poucos com o correr do tempo e esta transformação indecisa mais o progresso ajudam a descaracterizar a cidade. ( DOBAL, 1992, p. 11).

 

Dobal em O Tempo Consequente trabalhou de forma clara e objetiva a vida do homem e a história do Piauí, em um tempo perdido na memória, comprometido com a realidade social e da condição precária do homem de sua cidade, tudo fez para que em seus versos o leitor pudesse encontrar um Piauí de outrora; das cabeças d’água do rio Surubim e do chão das vacas e ovelhas até o chão de mármore dos viadutos. No poema “Bucólica” expressa:

 

Esta paisagem morta onde somente

Vão ruminando as cabras os seus dias

Não se rumina em mim como lembrança

Mas como um sonho repetindo os dias

O sonho desse tempo repetido

Para na luz que banha os dias mortos

E em mim de novo esta paisagem clara

Bem levemente vai-se recompondo. (Bucólica, p.)

 

Segundo Araújo (2010): “A poesia de Dobal quer trate do homem no sertão nordestino, nas grandes cidades ou em terras estrangeiras é de desnudamento e o que resta diante de seus olhos é o desencanto e a solidão”.

O poeta se retira do mundo  numa reflexão individual do seu passado e mediante lembranças que marcaram sua infância, lamenta que tudo à sua volta tenha se transformado.

Ainda de acordo com Araújo (2010); “O trabalho da memória (que já se inicia com o ordenamento das imagens) é contra a ameaça do esquecimento, agravada pela modernidade (racionalismo exagerado, individualismo que leva ao isolamento, incomunicabilidade, etc.)”.

 

Ai campos do verde plano

Todo alagado de carnaúbas.

Ai planos dos tabuleiros      

Tão transformados tão de repente

Ai rios breves preparados.

De noite e nuvem. Ai rios breves...

Ai campos de criar. Fazendas

De minha avó onde outrora

Havia banhos de leite... (Campo Maior, p,)

 

Repetidas vezes Dobal usa a interjeição “ai” para lamentar e dar ênfase às profundas modificações pelas quais o rio de sua infância passou.  

Das fazendas de sua avó, tão vivos em sua memória quanto às lembranças do rio Parnaíba, o poeta lamenta as modificações pelas quais os campos de carnaúbas passaram ao longo dos anos, antes tão verdes e alagados de carnaúbas, hoje modificados pela presença constante da mão do homem. Quando rememora as fazendas de sua avó, percebe que  aquela fartura (que o poeta trata por banhos de leite), tão presente no seu tempo de menino. Segundo Jacques Le Goff no capítulo “O valor da memória”(1966):

 

A memória, onde cresce a história, que por sua vez alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (p.477).

 

Encontramos na memória, parte de nossa história, parte de um passado que nos ajuda a cultivar melhor o presente. O poema Campo Maior   reflete toda uma preocupação com as transformações que seu ambiente de infância vem sofrendo. Uma preocupação permanente em manter lugares e costumes na mente das pessoas, para que estas mesmo vivendo num mundo onde o cotidiano é corriqueiro e onde as modificações se instalam sem percebermos, possam manter vivas suas histórias e repassá-las de geração a geração.

 

Meu rio Parnaíba feito lembrança

não corre mais entre barrancos

é um fio na memória um rio esgotado

no recreio de muitas manhãs

rio risco rio tatuado...

 

Um rio preso na lembrança de menino, um rio que antes corria entre barrancos hoje é um rio esgotado, um rio com as marcas do progresso.

 

Meu rio turvo e depositando

Num claro engano que não se renova...

Meu rio largo de águas doce de brejo...(O Rio, p.)

 

Num primeiro momento, nota-se a insistente pronúncia do pronome possessivo meu em todo o poema e logo em seguida a repetição da palavra rio.

O pronome meu dá ideia de uma identificação particular que o poeta tem com o rio. Num segundo momento, observa-se um aspecto interessante da reiteração do fonema i/o que está contida na palavra fio, ou seja, o poeta fez uma comparação entre fio e seu rio que outrora não corre mais entre barracos, o que antes era um rio largo, livre, hoje não passa de um rio estreito, fino como um fio.

Segundo Cineas Santos, numa citação sobre Dobal no livro O tempo Consequente, ele se refere ao poeta assim:

 

É surpreendente alguém ter conseguido extrair poesia de uma realidade tão adversa ao homem, os áridos sertões do Piauí, “onde estanguidos bois pastam a poeira enquanto os homens queimam o céu com a cinza de suas roças .(p.)

 

Araújo (2010), diz que: O trabalho da memória (que já se inicia com o ordenamento das imagens) é contra a ameaça do esquecimento, agravada pela modernidade (racionalismo exagerado, individualismo que leva ao isolamento, incomunicabilidade, etc.).

Fixo em suas lembranças, o rio, as fazendas, os campos alagados de carnaúbas, os costumes e sua gente. As poesias de Dobal evocam o homem e a terra, fala de paisagens rudes, porém, sedutoras, escreve sobre a seca, sobre o homem e os bichos.

Mesmo diante das constantes transformações desse ambiente, Dobal carga consigo uma Teresina de sua infância, que apesar dos anos não trazerem mais, elas continuam vivas em suas lembranças e versos.

Servimos-nos da memória para contar e recontar nossa história, que é passada de geração a geração, mesmo com o advento do progresso, algo impossível de se frear, ainda assim, as lembranças perduram e se tornam vivas, pois são através delas que mantemos nossas raízes.

 

A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia”. (Jacques, 1996, p. 476).

 

Para uns Dobal é reconhecido nacionalmente, para outros, um poeta do porte de H.Dobal ainda tem sua obra um tanto desconhecida; Manuel Bandeira o incluiu em sua Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos e, foi de Manuel Bandeira o prefácio de O Tempo Consequente.

O próprio título do livro nos remete a ideia de transformação contínua, o tempo como algo perdido, na concepção do poeta, como uma sucessão dos anos, dias e horas, mistura de passado e presente, o tempo como noção ponte de ligação entre esse passado que tão insistentemente permanece nas memórias do poeta, um contínuo proceder de acontecimentos. Já o termo consequente, como resultado de uma imprudência, neste caso, como resultado das ações do homem, que interferiu num momento que outrora pertencia ao poeta. São as modificações do ambiente do poeta, sofridas ao longo dos anos que torna o tempo consequente, modificações estas, causadas pela constante busca do progresso que passa dos grandes centros urbanos para os campos.

 Dobal faleceu em 2008; a moderna poesia brasileira ficou incompleta sem Dobal, pois tinha o poeta um compromisso maior que um artista pode ter para com a sua terra e sua gente: A busca da consciência.

 

Referencias:

ARAÚJO, Débora Soares. Memória e Poesia na obra de H. Dobal. 4º CELL – Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários da Universidade Estadual de Maringá – PR, realizado em 9, 10, 11 de junho de 2010. Acesso no google em 20/04/2012.

BURKE, Peter (org.). A Escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, 1992, p.11.

DOBAL, H. O Tempo Consequente. 4ª ed. Teresina: Corisco, 2001, 84p.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardes Leitão...[et.al]....4ª ed...Campinas, SP: Editora da Unicampi, 1996.

MACHADO, Douglas. Um Homem Particular (Documentário). Teresina: Trica Filmes, 2002, 70 min.

 

 


Autor: Adriana Maria


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